1 Descrição do Caso

Estela nasceu menino, mas desde que tinha dois anos se recusava a assumir a identidade que os pais desejavam que tivesse. Quando os pais entenderam que sua filha só seria feliz como Estela, procuraram tomar as providencias médicas e jurídicas para apoiá-la em sua decisão. Aos dez anos Estela recebeu a notícia do deferimento da decisão reconhecendo-a como menina.

Sua escola, por sua vez, negou-se a aceitar a matrícula da menina afirmando que ela não poderia frequentar nem o banheiro feminino, tampouco o masculino e construir um banheiro exclusivo para ela poderia levar a situação vexatória para todos. Os pais buscam um escritório para que tenham um parecer jurídico sobre o assunto. 

2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

Segundo o site Vivendo a Adolescência, identidade de gênero é “É a forma como nos reconhecemos a nós mesmo e desejamos que os outros nos reconheçam. Isso incluí a maneira como agimos (jeito de ser), a maneira como nos vestimos, andamos, falamos (o linguajar que utilizamos) e também, nos vestimos”, ou seja, orientação sexual e identidade de gênero não se confundem, uma vez que aquela diz respeito ao sexo ao qual a pessoa é atraída (gay, hétero, bissexual, etc.) e este diz respeito a forma como eu me vejo e como eu quero o mundo veja. Aqui o indivíduo pode possuir características fisiológicas de homem, mas em seu íntimo, psicologicamente, ele na verdade se sente uma mulher.

Antigamente, era adotada a teoria que afirma que o gênero da pessoa independe dos genes XX (pessoas que nascem com esse tipo de gene, geralmente, tem órgãos genitais femininos) e XY (que geralmente possuem órgãos genitais masculinas), mas que a criança nasce neutra e seu gênero vem se estabelecer com a forma como foi criada e pelo genital que ela tem, por exemplo, se uma criança tem o órgão genital feminino e é criada como uma mulher, seu gênero será, consequentemente, o feminino (CONWAY).

Mas essa teoria não vingou, ainda mais com aqueles conhecidos como bebês intersexuais, ou seja, que apresentavam um sexo ambíguo, pois ao nascer, não era sabido se era menino ou menina e para corrigir isso, fazia-se a correção cirúrgica do órgão genital, para que estes ficassem adequadas cosmeticamente ao menino ou a menina (CONWAY). O problema é que esses dois fatores se mostraram totalmente alheios à realidade da identidade de gênero, uma vez que a escolha do sexo e do gênero da criança eram feitos de forma arbitrária, não condizendo com a futura identidade de gênero da criança, ou seja, uma criança intersexual foi operada para que fosse identificada como uma menina, no entanto, quando mais velha, ela vem a se identificar com o gênero masculino, dessa forma,  diante de vários casos como este, vieram formular a teoria de que a identidade de gênero é inata à criança (CONWAY).

No caso das pessoas transexuais, elas nascem com sexo definido, ou seja, menino ou menina, mas no entanto, desde muito jovem, não conseguem se identificar com aquele corpo com o qual nasceram, em seu interior eles se identificam com o gênero oposto, por exemplo, uma criança que nasce com o corpo de um menino mas que, por dentro, se sente uma menina e, nesses casos, a saída encontrada é a transição de sexo, no qual a pessoa faz um tratamento hormonal e, se for o caso, opera a o órgão genital (CONWAY).

Ao se reconhecer a mudança de gênero, uma das consequências é a mudança do registro civil e a mudança do documento de identidade em que constará o novo nome e sexo da pessoa e que deverá ser feita por vias judiciais, uma vez que, no Brasil, não a legislação que regulamente de forma imediata tal mudança (LUZ, 2012). Além disso, a mudança de gênero traz consequências nas questões matrimoniais, uma vez que o artigo 1.556 do Código Civil afirma que o casamento poderá ser anulado se houver erro essencial acerca da pessoa do outro, então, dessa forma, tem que ficar claro ao nubente que ele ou ela estão casando com uma pessoa transexual, sob pena de tornar nulo o casamento caso a outra parte venha a descobrir.

Alguns autores, como Mariah Helena Diniz (2.011, p. 337), afirmam que as cirurgias para mudança de sexo só podem ocorrer caso a pessoa seja solteira, viúva ou divorciada, uma vez que para se casar, o ordenamento brasileiro tem como requisito a diversidade de sexo e, se a cirurgia fosse feita durante a constância do casamento, este se dissolveria pela falta desse requisito. No entanto, o STJ decidiu que em um recurso especial (nº 1.183.378/RS) pela habilitação de pessoas do mesmo sexo para o casamento.

Quanto aos direitos dos filhos das pessoas transexuais não muda nada, até como medida de evitar a ocorrência de situações constrangedoras decorrente da escolha feita por um de seus pais, sendo vedada qualquer observação acerca da mudança de sexo de um de seus genitores (LUZ, 2012). Além disso, os deveres decorrentes do poder familiar não são alterados, ou seja, continuam com o pai ou mãe transexual (LUZ, 2012).

A sentença que reconhece a mudança de gênero se limita ao reconhecimento, mas com esse reconhecimento vem as garantias e deveres fundamentais para proteger os transexuais, como o princípio da igualdade e da dignidade da pessoa humana.

E de acordo com o a resolução nº 12, de 16 de janeiro de 2.015, em seu artigo 6º que diz “Deve ser garantido o uso de banheiros, vestiários e demais espaços segregados por gênero, quando houver, de acordo com a identidade de gênero de cada sujeito” e além dessa resolução, há também a resolução nº 108/2015 da Defensoria Pública da União, que em seu artigo 4º traz a mesma redação do artigo supracitado anteriormente, sendo assim, a escola deve aceitar a matricula da aluna Estela.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código Civil (2002). Disponível em: Acesso em 16 de abr. de 2.016

BRASIL. Resolução n° 108 de 2015. Disponível em: < http://www.dpu.gov.br/conselho-superior/resolucoes/25623-resolucao-n-108-de-5-de-maio-de-2015-uso-do-nome-social-pelas-pessoas-trans-travestis-e-transexuais-usuarias-dos-servicos-pelos-defensores-publicos-estagiarios-servidores-e-terceirizados-da-defensoria-publica-da-uniao> Acesso em: 16 de abr. de 2.016

BRASIL. Resolução nº 12. Disponível em: . Acesso em: 16 de abr. 2016

CONWAY, Lynn. Transgênero, Transexualismo e Intersexualismo: Informações Básicas. Disponível em: < http://ai.eecs.umich.edu/people/conway/TS/PT/TSPT.html>. Acesso em: 16 abr. 2016.

DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

LUZ, Jamile Pereira da. Implicações jurídicas do reconhecimento do direito à identidade sexual: Uma análise da transexualidade. 2012. Disponível em: . Acesso em: 16 abr. 2016.

SUPERIOR Tribunal de Justiça. REsp 1183.378/RS. Disponível em: . Acesso em: 16 abr. 2016

Vivendo a Adolescência. O que é a identidade de gênero?. Disponível em: . Acesso em: 16 abr. 2016.