I - ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO PARÁ E A GEOPOLÍTICA DAS EXPEDIÇÕES EXPLORADORAS DA AMAZÔNIA BRASILEIRA

 

1.1 A AMAZÔNIA ESPANHOLA

           

Este estudo sobre os antecedentes históricos do Pará teve como base a obra “A Questão Geopolítica da Amazônia: da soberania difusa à soberania restrita” do professor paraense Nelson de Figueiredo RIBEIRO (2006) que reúne informações reveladoras e importantes da Amazônia descoberta pelo navegador espanhol Vicente Yanez Pinzón, em fevereiro de 1500, antes de Pedro Álvares Cabral achar a terra do Brasil para os portugueses. Deste modo, sabendo-se que parte do Estado do Pará que está mais próxima do Estado do Amazonas foi por muito tempo de domínio dos espanhóis, muitos pesquisadores provam que alguns municípios do interior da Amazônia já existiam como núcleos urbanos das missões jesuíticas, quando formaram seus primeiros povoados sob tutela de religiosos de diferentes ordens, principalmente de padres e frades de missões espanholas, francesas, italianas, alemãs, holandesas e inglesas, enquanto a posse oficial portuguesa não se comprovava e a política administrativa e geográfica da Amazônia não estava oficialmente delimitada.

Sabe-se que Pinzón tomou posse desse espaço em nome da coroa espanhola logo ao entrar na foz do Amazonas e até o Tratado de Madrid em 1750 a questão geopolítica sobre a Amazônia mostrava-se indefinida entre Portugal e Espanha, adquirindo dimensões internacionais, atraindo até hoje a atenção de países europeus e também dos EUA com os mais diversos pretextos. Portugal e mais tarde o Brasil independente consolidaram as fronteiras internas da Amazônia por meio dos tratados internacionais o que facilitou a outros países mostrarem interesses sobre a navegação pelo Rio Amazonas bem como as  tentativas de implantar grandes projetos de exploração mineral e vegetal, sem sucesso. Entre esses como o Projeto americano de Henry Ford no rio Tapajós, a exploração de celulose no rio Jari pelo americano Daniel Ludwig, o extrativismo da borracha do Acre pelo Bolivian Syndicate, a implantação da estrada de ferro Madeira-Mamoré e os projetos de colonização japonesa.

             Os estudos que tratam da configuração da Amazônia costumam ser divididos em três fases:

a)    Da Amazônia Espanhola em que a região ficou sob o domínio espanhol pelo Tratado de Tordesilhas que vai do descobrimento da Amazônia em 1500 por Vicente Pinzón até o ano de 1640 com a separação das Coroas de Portugal e Espanha e a consequente extinção da União Ibérica, período em que a região de Belém já possuía núcleos urbanos e a região do Tapajós estava em fase inicial de exploração para imposição da soberania portuguesa sobre o extrativismo da madeira, limites de rios e construção de fortalezas e fortes para induzir os índios à luta contra invasores;

b)    Da Amazônia Luso-Espanhola, período em que a região foi dominada ao mesmo tempo pela Espanha (domínio jurídico-formal) e por Portugal (domínio efetivo) que se prolongou até 1750, com o Tratado de Madri; nessa fase em que outras localidades do Pará já ganhavam status de vilas e cidades, a região do Tapajós já estava delineada, os eixos de fiscalização dos portos e rios demarcados, religiosos de diferentes nações e ordens em missão de catequizar indígenas e arrecadar fundos com o extrativismo, mas continuava a indefinição do Reino Unido quanto à responsabilidade de quem iria administrar os conflitos da colônia;

c)    Da Amazônia Portuguesa, momento em que a região passou juridicamente ao domínio de Portugal, os portos ficaram abertos para as nações amigas da corte portuguesa e para a entrada de emigrantes de várias partes da Europa, situação que se prolongou até a Independência do Brasil em 1822. A partir desse período, todos os espaços desocupados no interior do Pará  passaram a receber emigrantes de outras partes de Portugal, principalmente das ilhas da Madeira, de Açores e de Cabo Verde e também migrantes de várias partes do Brasil, durante todo o período imperial até o início da República.

Daí em diante, até metade do século XX, com o término da Segunda Guerra Mundial, outros acordos internacionais do Brasil com outros países incluíram projetos de imigração e de desenvolvimento não só na Amazônia, mas em todos os Estados do Brasil. Entre esses planos estratégicos, a questão geopolítica amazônica passou a incidir sobre a Amazônia, principalmente na Amazônia Continental ou Pan-Amazônia, estudo que envolve as décadas de 70 e 80, no período da mundialização da questão ambiental, quando a Amazônia passou a ser objeto de clamor público internacional em virtude da devastação que provocaria o desequilíbrio no clima da terra e ameaçava o gênero humano, sendo sugerida como solução a internacionalização da região.

RIBEIRO (2006) também trata dos anos 90 e do início do Novo Milênio sobre a questão ambiental amazônica, porém no contexto global da Amazônia em que ela do mundo é apenas uma pequena parte. O livro de principal referência faz uma previsão do futuro da questão política da Amazônia para os próximos decênios. De modo geral, o estudo sobre a questão geopolítica da Amazônia não faz denúncia quanto aos perigos da internacionalização da Amazônia nem oferece revelações sobre o problema, entretanto busca oferecer uma abordagem sistemática do assunto para conscientizar os brasileiros sobre as dimensões que o assunto tem alcançado. A pretensão é organizar as informações já disponíveis, utilizando documentos sobre essa geopolítica da Amazônia para demonstrar que essa região que surgiu da aventura dos europeus agora se direciona para o continente americano o qual se apresenta como um salvador da devastação.

No final do século XV vigoravam ainda os critérios de relações internacionais adotados na Idade Média determinados pelo Papa da época no poder temporal que tinha. Assim exercia o papel de juiz sobre os conflitos entre as nações, em virtude da união entre a Igreja e os Estados e a inexistência de outros credos na Europa. O Papa exercia o poder supremo com base no qual instituiu conceitos de significados para as relações internacionais:

- A paz de Deus: distinguia beligerantes e não beligerantes para evitar a guerra;

- A guerra justa: contribuição da Igreja para o Direito Internacional (Teorias de Santo Ambrósio e Santo Agostinho). A obra de Santo Agostinho, A Cidade de Deus, fundamentando a nova teologia e a filosofia da guerra justa com critérios para justificar a beligerância. O poder temporal do Papa através de bulas, como ocorreu nos conflitos entre Espanha e Portugal sobre os descobrimentos do Novo Mundo, quando se alargaram as navegações e o domínio do Oceano Atlântico foi disputado do final do século XV até o começo do século XVI entre os dois reinos, demorou mas acabou reconhecendo a soberania de Portugal, o qual  encravado na Península Ibérica conseguiu manter-se independente da Espanha, usando as tensões de consolidações das nações que surgiram com a expulsão dos árabes do território europeu em 1249.

Em 1604, Fernando de Castela conquistou Coimbra e mais tarde, seu filho Afonso VI nomeou Henrique de Borgonha com o título de Conde de Coimbra. O filho de D. Henrique que sucedeu o rei Afonso I em 1139 tinha já conseguido conquistar Lisboa, no entanto, a soberania portuguesa somente se consolidou com a expulsão dos mouros (1249) e com a vitória na Batalha de Aljubarrota (1395) contra os castelhanos. Os monarcas portugueses sabiam que a sobrevivência do novo reino dependia do seu desempenho na navegação marítima para manter sua autonomia. Passaram a desenvolver a tecnologia da navegação marítima com a escola de Sagres, no século XV, localizada ao lado do Cabo de São Vicente, destinada a estudos náuticos, montagem de instrumento de navegação, treino e arte de pilotagem, confecção de cartas geográficas fundamentadas nos portulanos (manuais de orientação cartográfica). Sabe-se que o objetivo político e econômico de Portugal era chegar às índias, em busca de especiarias e outras riquezas, contornando a África, isto porque as rotas mediterrâneas já estavam definidas em favor de outros centros comerciais (Veneza, Gênova e Marselha) assim como as rotas da seda pelo Mar Negro até a Ásia Central e as das especiarias através do Mar Vermelho. Na época muitos navegadores  e pesquisadores  consideravam ser possível o acesso às Índias pelo Atlântico, no sentido leste para oeste e isto era demonstrado em diversos mapas hipotéticos. Entre esses havia o globo de Martim Behaim de Nuremberg (1491), navegador companheiro de Diogo Cão na expedição do Congo, cujo mapa evidenciava a Tartária, Cataí (a China) e as índias e a Ilha de Cipango (Japão).

A primeira expressão geopolítica das disputas pelo domínio do Oceano Atlântico foi a celebração do tratado de Alcaçovar, pequena cidade no sul de Portugal (1479) entre os reinos de Portugal e de Castela-Aragão, ratificado por Fernando e Isabel em Toledo (1480) sobre os territórios extra-peninsulares e definições das áreas de influência no Atlântico. Portugal reconhecia o domínio do reino de Castela e Aragão sobre as Canárias, litoral da Costa africana e sobre o reino de Fez (Marrocos) na costa da África. Também Castela e Aragão aceitavam a soberania de Portugal sobre o arquipélago da Madeira, de Açores, Cabo Verde, são Tomé e as Ilhas e terras descobertas e a descobrir. O êxito das negociações entre Portugal e Espanha teve a bênção do Papa Sisto IV e ocorreu no início do reinado de D. João II (1481), o Príncipe Perfeito, o qual consagrou sua ação de governo à construção geopolítica do Atlântico Meridional.

Com a descoberta do Caminho das Índias pelo Atlântico por Bartolomeu Dias, contornando o Cabo da Boa Esperança, D. João II promoveu, em 1490, o casamento de seu filho D. Afonso com D. Isabel, filha dos reis Isabel e Fernando de Castela e Aragão, estreitando mais ainda os laços entre Portugal e Espanha. Há registros de que no encontro com D. João II estava presente Cristovão Colombo que pedia apoio para procurar o Caminho das Índias pelo Atlântico, o que lhe foi negado. Os reis Fernando e Isabel admitiram patrocinar a viagem de Colombo rumo ao Atlântico Ocidental (1492) agravando a rivalidade entre Portugal e Espanha.   

Colombo partiu em 03 de agosto de 1492 e descobriu a América em 12 de dezembro de 1492, chegando às Ilhas Bahamas e às Antilhas que o navegador acreditava ser um arquipélago da Ásia, perto de Cipango (Japão). Colombo atrasou-se nessas ilhas e somente  voltou à Espanha em 1492, passando em Portugal em 9 de março de 1493, onde narrou a D. João II a sua descoberta, o qual comunicou-lhe que aquelas terras já eram de Portugal. Fernando e Isabel tentaram convencer o mundo que as novas terras da América pertenciam à Coroa de Castela e Aragão, cujo reconhecimento dependia do poder do Papa Alexandre VI, papa espanhol da família dos Bórgia, que garantiu à Espanha o direito sobre as novas ilhas e terras descobertas nas bandas ocidentais. Um mês após a volta de Colombo à Espanha, Alexandre VI promulgou a Bula Inter Coetera I, de 1495 que garantia para a Espanha o domínio das novas ilhas e terras descobertas e a descobrir nas bandas ocidentais. O ato de Alexandre VI excluía  o direito da Coroa Portuguesa às terras americanas, cuja posse já havia sido dada à Portugal pelo Tratado de Alcáçovas: “... consagrava  o senhorio lusitano sobre  todo o Atlântico a partir do paralelo das canárias, .... ficando  as terras na zona setentrional para Castela e no austral para Portugal”.

A Bula Inter Coetera II doava à Coroa Espanhola “... todas as ilhas e terras firmes descobertas ou por descobrir quer se encontrassem ou não nas bandas da Índia, localizadas a ocidente e sul de uma linha imaginária traçada desde o Pólo Ártico até o Pólo Antártico, 1000 léguas a oeste e sul das Ilhas de Açores e de Cabo Verde”.

Com a Bula Eximiae Devotonis (1492), o Papa Alexandre VI editou outra ordem, concedendo aos reis espanhóis “... as ilhas e terra firme situadas nas regiões ocidentais, graças, liberdades, isenções, facilidades e imunidades espirituais de teor em tudo idêntico aos atribuídos aos reis de Portugal relativamente aos seus domínios no Norte da África, na Guiné, Mina e Ilhas Atlânticas”.

A Bula Piíes Fidelium (1493) concedia faculdades extraordinárias à frei alemão Bernardo Boll para desencadear atividades evangelizadoras junto aos índios e definia a primitiva organização eclesiástica das novas ilhas.

A Bula Dudum Siquidem, na qual o rei de Portugal manifestou sua insatisfação com o Papa Alexandre VI que beneficiava sempre os reis  católicos de Aragão e Castela e enviou embaixadores à Espanha, tentando  o reexame da questão geopolítica para o Atlântico. Mais uma vez, Colombo, Isabel e agora Felipe da Espanha fizeram valer sua influência sobre o Papa Alexandre VI, quando  em 1493 recebem autorização para ‘...enviar expedições, não só nas regiões ocidentais  como também às meridionais, investindo-os no senhorio de todas as ilhas e terras firmes que os seus súditos, navegando para o poente  e meio-dia (sul) descobriram nas partes orientais que tivessem sido ou fossem da índia. Tal decisão suprimia qualquer direito ou privilégio já concedido a Portugal. Entretanto, D. João II ficou inconformado com as decisões do Papa e procurou aumentar seu poder de barganha negociando com a França os territórios situados ao norte da África os quais  eram disputados com a Espanha. Também negociou depois com os reis da Espanha , em 1494, enviando procuradores e preparando uma armada para ir às Índias através do Atlântico pelo sul da África. Portugal queria definir a jurisdição geopolítica fixada em 100 léguas a oeste do Cabo Verde fosse dilatado para 370 léguas.

Com a volta de Colombo da 2ª viagem, os reis espanhóis ficaram convencidos que haviam alcançado o oriente e extremas partes da índia superior, onde se encontravam os produtos mais valiosos, como pedras preciosas, ouro, especiarias e drogas, os reis reabriram as negociações com as autoridades portuguesas. Fizeram o acordo de não mais envolver o Papa nas questões de limites e resolveram assinar o Tratado de Tordesilhas, acordo firmado entre D. João II e os reis espanhóis Fernando e Isabel. D. Manuel I que sucedeu D. João II em 1495 obteve aprovação papal por meio da Bula “Ea quae pro Bono pacto” assinada pelo Papa Julio II (1506).

O Tratado de Tordesilhas cessou desentendimentos de duas décadas entre Espanha e Portugal pelo domínio do Oceano Atlântico, dispondo os limites das áreas do planeta ainda desconhecidas. No caso do Atlântico austral, sobre as terras desconhecidas somente nos séculos XV e VI é que foram tomando definições, passando pela baía do Maracanã, na costa do estado do Pará até a cidade de Cananéia, no litoral do estado de São Paulo a 370 léguas a oeste de Cabo Verde, sendo que o território brasileiro ficaria sob o domínio de Portugal e as outras parcelas do continente sul-americano ficariam sob o domínio da Espanha.

Alguns historiadores discordam das medidas do trajeto de 370 léguas, objeto do Tratado de Tordesilhas. Embora quando os portugueses tomaram posse da terra brasileira, o meridiano definia (48º de longitude oeste) que a área amazônica que pertencia à Coroa Espanhola com exceção de pequena faixa de terra situada a leste da foz do Amazonas que pertencia a Portugal, a que corresponde hoje ao território paraense a oeste da linha à altura da baía de Maracanã. A floresta amazônica indo para o leste até encontrar a floresta de transição no território maranhense, definindo a posição geopolítica da Amazônia Espanhola. Deste modo, o descobrimento de Cabral somente passou a influir a partir de 28 de agosto de 1501, quando D. Manuel I, o Venturoso, comunicou aos sogros, os reis de Castela e Aragão que a expedição enviada às índias tinha “achado” a Terra de Vera Cruz, nome que Cabral deu às terras brasileiras.

Embora já tivesse conhecimento, em Lisboa, desde 1500, do achamento da terra, por comunicação de Gaspar Lemos aos reis da Espanha, D. Manuel I só anunciou oficialmente em 1501, com a chegada da Nau Anunciada de Nuno Leitão Cunha. Daí em diante, a descoberta de Cabral passou a ter efeitos geopolíticos e a soberania portuguesa sobre as terras do Brasil passa a ser reconhecida. Também a insistência de Pero Lopez Padilha embaixador dos reis da Espanha na Corte Portuguesa, pois D. Manuel I alegava ter atrasado a notícia porque esperava a volta de Cabral das Índias pelos laços de parentesco do rei de Portugal com os reis da Espanha, D. Manuel temia a reação que o descobrimento provocaria entre as duas coroas. Mesmo sendo do conhecimento dos reis de Portugal e Espanha a viagem de Duarte Pacheco Pereira na Costa brasileira, em 1498, não houve comunicação oficial nem da corte portuguesa aos reis católicos nem ao Papa, sendo mantido em sigilo, não sendo atribuído ao fato nenhum significado geopolítico.

Ainda sob o ângulo geopolítico, nada influencia a discussão sobre a intencionalidade e a causalidade da descoberta do Brasil por Cabral, uma vez que Portugal tinha interesse de formalizar a posse4 e obter reconhecimento de toda a Europa e do papa, com a notícia de ter descoberto as terras de um continente, a ocidente do Atlântico Austral, dentro dos limites do tratado de Tordesilhas, terras de seu exclusivo domínio.

Com a volta de Vasco da gama do Oriente ao Tejo, em 1499, com as provas de ter descoberto o caminho marítimo para as Índias, a coroa portuguesa apressou-se em comunicar o fato aos reis da Espanha, ao Papa e a outros monarcas, os quais celebraram a concessão de poderes para exploração das áreas descobertas eliminando a exclusividade de Colombo.Um navegador beneficiado com essas concessões foi Vicente Yañez Pinzón que havia comandado a caravela Niña na viagem de Colombo que levou ao descobrimento da América. Durante muito tempo foi discutido por historiadores o trajeto de Pinzón, sendo aceitas somente a partir do século passado os resultados das pesquisas de Max Justo Guedes da marinha Brasileira que esclareceu sobre a verdadeira rota de Pinzón. Consta que Pinzón partiu a 18 de novembro de 1499 com quatro caravelas e 150 homens rumo a sudoeste, aportando nas Ilhas Canárias e de Cabo Verde. Na continuidade da viagem foi atingido por grande tempestade que o levou à costa brasileira aportando em um cabo que se admite ser a ponta do Macuripe no Ceará, onde travou batalha com tribos indígenas e capturou 36 nativos que levou cativos para vender na Espanha.

Segundo Eduardo Bueno, Vicente Pinzón e seus companheiros, ao navegar pelo litoral brasileiro, foram colhidos pelo estouro de uma pororoca provocada pelo encontro das correntezas da foz do Amazonas, na época das enchentes do rio, descobrindo que as águas pelas quais navegavam não eram salgadas e sim doces, o que deu para perceber que estavam na foz do grande rio, isto três meses antes do descobrimento de Cabral.

Alguns historiadores sustentam que eles estavam na Baía do Marajó; outros afirmam ser no braço norte do Amazonas. Sabe-se apenas que Pinzõn tomou posse das terras em nome da coroa espanhola a qual denominou de Santa Maria de La Mar Dulce, com registros nas histórias dos países de língua espanhola. Os nativos chamavam de Mariatambal, uma região de muitas ilhas, habitada por gente mansa e sociável.

A descoberta do Rio Amazonas repercute no mundo e interfere na geopolítica internacional. Entretanto, era apenas a Amazônia Litorânea, em especial a foz do rio Amazonas. Somente com a expedição de Francisco de Orellana percorrendo o rio Amazonas, em fevereiro de 1541 a agosto de 1542, é que a Amazônia Interior seria conhecida. Os espanhóis tinham conquistado o Império Inca, na costa do Pacífico e desejavam conhecer o que havia além da muralha formada pela Cordilheira dos Andes. Fizeram várias tentativas até que o governador da Província de Quito, Gonzalo Pizarro resolveu tomar posse dos territórios orientais que sabia pertenceram à Espanha pelo Tratado de Tordesilhas. Também queria descobrir uma especiaria de grande valor comercial: a canela, além de encontrar o reino do El Dorado no noroeste da Amazônia. A expedição de Francisco Pizarro e seu irmão Gonzalo era formada por 220 cavalheiros armados, grande quantidade de lhamas, 2.000 porcos, 2000 cães e cerca de 4000 índios, partindo de Quito em fevereiro de 1541 (RIBEIRO, 2006).

Segundo RIBEIRO (2006), Francisco de Orellana somente se integrou à expedição dias depois, pois estava na cidade de Guayaquil a qual havia fundado. Como era amigo dos irmãos Pizarro, Orellana foi bem recebido por eles que lhe passaram o comando das tropas. Após 70 dias de caminhada, encontraram alguns pés de canela, sofreram um terremoto que dizimou parte da expedição e foram atacados pelo frio e ventos que os obrigaram a deixar parte dos suprimentos. Encontraram tribos indígenas que nem sempre os receberam amistosamente, tendo que reagir de forma violenta, matando índios com ajuda de seus cães. Após 10 meses de viagem, chegaram ao rio Coca, onde fizeram um bergantim (barco) para colocar parte da carga e tiveram apoio de alguns índios.

Quando Orellana percorreu o Rio Amazonas estava com 54 tripulantes, entre os quais o dominicano Frei Gaspar de Carvajal que se responsabilizou pelo relato da viagem. Na confluência dos rios Coca e Napo, Orellana deixou três expedicionários com a missão de voltar e relatar a Gonzalo Pizarro sobre a impossibilidade de retorno, em 2 de fevereiro de 1542, um ano depois do começo da viagem. A expedição de Orellana continuou pelo rio Napo até o “Grande Rio” ou “Paranauaçu” denominado por ele Rio Amazonas. Em 2 de junho de 1542 chegou ao Rio Negro, onde matou e torturou muitos índios para tomar suprimentos, algumas vezes conseguindo fazer amizade e trocas. Em 23 de junho do mesmo ano, chegaram à foz do rio Nhamundá encontraram uma tribo indígena que achou ser das mulheres guerreiras descritas por Carvajal, observando por escrito a impressão causada, de forma romântica:

“ Essas mulheres são muito alvas e altas, com o cabelo muito comprido, entrançado e enrolado na cabeça. São muito membrudas e andam nuas em pelo, tapadas as suas vergonhas com seus arcos e flechas nas mãos, fazendo tanta guerra como dez índios. E em verdade houve  uma destas mulheres que meteu um palmo de flecha por  um dos bergantins e as outras um pouco menos, de modo que os  nossos bergantins pareciam porco espinho. Voltando ao nosso propósito e combate foi Nosso senhor servido dar força e coragem aos nossos companheiros, que mataram sete ou oito dessas amazonas, razão pela qual os índios afrouxaram e foram vencidos e desbaratados com alto dano de suas pessoas”.

 

 

 

Entretanto, não se sabe o que há de verdade e de fantasia no relato do espanhol Frei Carvajal. O que se sabe é que Orellana lembrou-se do episódio das mulheres Amazonas, combatentes da Capadócia, na costa do Mar Negro, na Ásia, denominando o rio que estava percorrendo de Amazonas. Deixou o Amazonas em 24 de agosto de 1542, voltando para a Espanha. Do ponto de vista geopolítico, a viagem de Orellana teve grande impacto sobre o futuro da Amazônia com base em dois fatos:

- a descoberta do Amazonas, o que levou a Espanha a reconhecer a Amazônia como sua, cujas terras estavam a oeste do meridiano do Tratado de Tordesilhas e o navegador espanhol Vicente Pinzón como descobridor da área para a coroa de seu país;

- o relatório de Frei Carvajal, relato do Descobrimento do Famoso Rio Grande  do Amazonas, o que despertou interesses não só de espanhóis e portugueses, mas dos demais povos europeus que, de alguma forma prestavam serviços de evangelização e colonização, revelando a Amazônia não para os brasileiros ou América do sul, mas dando brechas de posse para o mundo.

Depois de Orellana, ingleses, alemães, irlandeses e franceses passaram a ter interesse pela região e a disputar com espanhóis e portugueses a posse de suas riquezas e de seu território. Com o Relatório de Carvajal, a intenção da Espanha de assumir a posse das terras amazônicas manifestou-se quando os reis Fernando e Isabel lhe deram o título de Governador das terras descobertas, as quais chamou de Nova Andaluzia. Porém, como os reis espanhóis não lhe forneceram recursos financeiros para explorar as novas terras, Orellana voltou com recursos próprios com quatro navios à Amazônia. Doenças e tempestades dizimaram grande parte de suas tripulações, chagando doente ao arquipélago do Marajó, em 1546, onde morreu, sendo sepultado em uma das ilhas da foz do Amazonas, quatro anos depois de ter descoberto o maior rio do mundo: o Rio Amazonas.

Quando a Amazônia ficou sob o domínio da Espanha, o evento geopolítico mais importante foi a estratégia da Igreja e do estado espanhol com a criação da União Ibérica, de 1580 a 1640, em que as Coroas da Espanha e Portugal ficaram unidas sob a tutela da dinastia espanhola de Habsburgos, um velho objetivo feudal: a reunião da península ibérica sob o comando da Monarquia da Espanha. Mesmo depois de Portugal ter conquistado sua soberania, a Espanha nunca deixou de vislumbrar a volta da união ibérica, em uma só monarquia. Com a morte de D. Sebastião I, rei de Portugal na batalha de Alcácer-Quibir, em 1578, sem deixar vestígios nem herdeiros, gerou uma crise para a monarquia portuguesa. O cardeal D. Henrique, tio-avô de D. Sebastião assumiu o trono, morrendo dois anos depois, provocando discussão sobre o destino da monarquia portuguesa. Vários candidatos ao trono de Portugal surgiram para suceder D. Henrique, entre eles estava Felipe II, rei da Espanha, filho de Carlos V e Isabel de Portugal, neto do rei de Portugal, D. Manuel I, com parentesco direto com a família real portuguesa, reunindo as condições dinásticas para assumir à Coroa de Portugal, passando assim a ser também rei Felipe I de Portugal, permanecendo a dualidade das Coroas. O povo português nunca se conformou com essa situação, conseguindo a extinção da União Ibérica apenas 60 anos depois, em 1640.

Durante todo esse tempo, a Amazônia ficou sob o domínio direto da Coroa espanhola. O Brasil cujo território estava a leste do meridiano do Tratado de Tordesilhas ficou sob o domínio indireto da Espanha. O historiador Jorge Couto, afirma que as 370 léguas tinham seus limites definidos, como início a Ilha de santo Antão (PE) a mais a oeste do arquipélago de Cabo Verde e como final o meridiano situado a 48º de longitude que, na Amazônia passava na baía de Maracanã, na costa do estado do Pará e no sudeste do país, na cidade de Cananéia, no litoral do estado de São Paulo. (RIBEIRO, 2006).

Em 1616, período da União Ibérica, foi que começou, de fato, a colonização da Amazônia. Com os sucessores de Felipe II, Felipe III (1598-1621) e Felipe IV (1621-1640), o equilíbrio das forças peninsulares dói acabando. Felipe IV impôs a Portugal uma política tributária exorbitante e reduziu sua autonomia administrativa. Vários líderes alimentaram a “encarnação do encoberto” em referência a D. Sebastião consagrado pela Literatura Popular, cujo movimento foi liderado pelo Duque de Bragança, dizendo-se ser a “encarnação” de D. Sebastião. Deu-se a revolução e o Duque de Bragança assumiu o trono português como D. João IV, em 1640, terminando com a União Ibérica e com o domínio político espanhol sobre Portugal. Assim, confirmava-se o reconhecimento geopolítico de que a Amazônia pertencia à Coroa Espanhola através da viagem de Pinzón e logo depois com o navegador Diogo Lepe que chegou à Amazônia após Vicente Pinzón, dando ao rio o nome de Marañon, pelo qual o rio ficou conhecido na Europa. E a atual área do Maranhão pertencente à Amazônia, somente tornou-se portuguesa a partir do século XVI com as missões colonizadoras e evangelizadoras portuguesas. Em 1626,  na área da Amazônia que corresponde à Bacia do Tapajós, o Capitão Pedro Teixeira contornava os afluentes do Amazonas e atingia do Alto Tapajós ao Baixo Amazonas .

 

1.2  A AMAZÔNIA LUSO-ESPANHOLA

 

            Com a extinção da união Ibérica, em 1640, o Brasil voltou a ser de Portugal, embora o Tratado de Tordesilhas permanecesse  em vigor e a Amazônia continuava sob o domínio da Espanha, de acordo com o Direito Internacional Público vigente na época. A Amazônia ficou 110 anos numa situação geopolítica nebulosa, de 1640 a 1750, porém, com a assinatura do Tratado de Madri, os portugueses ocuparam a Amazônia de fato e juridicamente continuava de domínio espanhol. A Espanha investia em recurso para explorar e dominar o Império Asteca (México), o Império Maia (sul do México e América Central) e Império Inca (Peru e adjacências do norte e do sul). A preocupação da Coroa Espanhola e seus colonizadores era explorar os tesouros desses impérios, os quais foram pelos espanhóis saqueados. Assim, a exploração da Amazônia deveria realizar-se a partir das colônias que a Espanha tinha implantado na América com as estratégias das missões. O obstáculo que encontraram foi a Cordilheira dos Andes, barreira que gerou um grave problema geopolítico para a coroa espanhola, o que justifica as dificuldades que Pizarro e Orellana tiveram para chegar à Amazônia.

Depois desses, outros navegadores entraram com outras expedições, como a de Pedro de Ursua, Fernando de Guzman e Lopes de Aguirre, caracterizado pelo nível de crueldade a que chegou em busca de riquezas. Aguirre matou Pedro de Ursua e Fernando de Guzman; terminou sendo assassinado pelas tropas espanholas. Para defender os direitos da Coroa Espanhola a única ação beligerante que ocorreu, de acordo com o estudo de RIBEIRO (2006) foi a do Jesuíta espanhol  Samuel Fritz, padre que organizou uma missão religiosa no rio Solimões, no final do século XVII, visando ocupar aquelas terras em Nome da Coroa de Castela, com base no Tratado de Tordesilhas. Entretanto, os portugueses entendiam que os limites do território português pela posse de Pedro Teixeira deveria estender-se até o rio Napo.

Em 1686, o padre Samuel Fritz, em suas atividades de catequese, chegou ao Solimões, promovendo a participação dos índios Omáguas, Aisurés, Ihanomás, Xebecos e Cocamás. Essas missões integravam o complexo de ações missionárias do rio Marañon, ao longo do Solimões até o rio Negro, nas missões de Maynás. Um ano após, o padre Samuel Fritz, doente e impossibilitado de voltar a Quito, desceu o rio Amazonas até Belém para tratamento. Os portugueses trataram da doença do padre, mas o mantiveram preso como espião e o levaram até a aldeia dos Omáguas, onde ocorreram choques entre as tropas portuguesas e espanholas até que os jesuítas que estavam a serviço da Espanha foram totalmente expulsos.

A partir do estado do Maranhão, a Coroa espanhola (1615) tomou a decisão política de ocupar a foz do Amazonas. Por outro lado, a expulsão dos espanhóis comandada por portugueses, sendo Francisco Caldeira Castelo Branco, o capitão-mor da Capitania do Maranhão, que às margens da baía de Guajará, a 16 de janeiro de 1616, apresentou–se com sua expedição a que chamou de Feliz Lusitânia, colocada sob a proteção de Nossa senhora de Belém, onde ergueu uma fortificação que denominou Forte do Presépio, em torno do qual surgiu a cidade de Santa Maria de Belém. Na opinião de RIBEIRO (2006), essa decisão dos portugueses tinha um fundamento geopolítico maior que era expulsar da foz do Rio Amazonas os franceses, holandeses e irlandeses que estavam instalados em diversos pontos do golfo marajoara, implantando feitorias com o objetivo de explorar as riquezas amazônicas propagadas pelo espanhol Frei Gaspar de Carvajal na viagem de Orellana.

Em 1612, o Conselho Ultramarino português resolveu criar o Estado do Maranhão e Grão Pará, visando a expulsão dos estrangeiros das terras da Amazônia, caracterizando a política da fundação da cidade de Belém. A partir de 1623, o fidalgo Francisco Coelho de Carvalho assumiu o governo do Novo Estado, permanecendo mais tempo em Belém do que em São Luís, sede da capitania. Após várias batalhas, os portugueses, em 1625 conseguiram expulsar ingleses e holandeses dos estabelecimentos que haviam implantado no Xingu. Em 1648, expulsaram os holandeses das fortificações de Macapá. Católicos irlandeses, perseguidos nas Antilhas por motivos religiosos tentaram permanecer na Amazônia, mas não tiveram êxito. Entretanto, na disputa com os franceses pelo domínio da região que hoje corresponde  ao estado do Amapá foi mais prolongada e continuou dos primeiros 30 anos do século XVII até o século XIX (270 anos).Mesmo com a ocupação portuguesa na Amazônia, os franceses tentaram ocupar a região do Amapá.

Em 1605, o rei da França, Henrique IV, doou as terras situadas entre a Amazônia e a Ilha de Trindade a Daniel de La Touche, senhor de La Ravardièri. Em 1633, o império francês fundou a cidade de Caiena e a Companhia do Cabo Norte que exploraria o Amazonas e o Orinoco. Felipe IV reagiu em nome das Coroas Espanhola e Portuguesa, criando a 14 de junho de 1637 a Capitania do Cabo Norte que foi comandada pelo donatário Bento Maciel Parente.Os conflitos pela posse da região do Amapá continuaram ao longo do século XVII. Em 1664, a França Equinocial para recuperar o domínio pela Holanda (1635) e também estender suas fronteiras até o Amazonas. No final do século XVII, a coroa portuguesa, por conveniência política com as coroas européias, assinou o Tratado Provisório, em 4 de março de 1700, em favor da frança, reconhecendo o direito francês sobre a região do Amapá, obrigando-se a destruir as fortificações luso-brasileiras (fortes de militares brasileiros bandeirantes e sertanistas, descendentes de portugueses) da região em conflito. Com isso, as relações européias passaram a favorecer a Portugal que, com o Tratado de Ultrech de 11 de abril de 1713 com a França, houve o reconhecimento das terras contestadas no Brasil para o domínio de Portugal.

 O Artigo 8º declarava expressamente que o rei da frança desistia,

 

“... em seu nome como no de seus descendentes, sucessores e herdeiros de todo e qualquer direito e pretensão que pode ou poderá ter sobre a propriedade das terras chamadas de Cabo Norte e situadas entre o rio das Amazonas e o de Yapoc, ou de Vicente Pinzón,... para que sejam possuídas, daqui em diante, por S. M. Portuguesa.”

 

Entretanto, a Coroa Francesa nunca cumpriu o compromisso, tentando reivindicar o Amapá, invadindo a área, criando uma pendência judicial que perdurou até final do século XIX. (REIS,19..). Antes da dissolução da União Ibérica (1640) um episódio surpreendeu as autoridades portuguesas que já ocupava a foz do rio Amazonas, despertando a atenção para a importância da ocupação da Amazônia Interior. Chegou em Gurupá, em 1636, dois religiosos, Frei Domingos de Brieva e Frei André de Toledo, com o português Domingos Fernandes, seis soldados espanhóis e alguns índios, contando que vinham em missão de Quito (Equador) para conhecer os Índios “Encabelados” que habitavam a Amazônia equatoriana. Contaram que ao chegarem ao rio Aguarico, um incidente desintegrou a expedição, parte retornando a quito e parte seguindo pelo rio Napo, continuando pelo Amazonas, seguindo a correnteza das águas. De Gurupá foram encaminhados a Belém e daí para São Luís, sede da Capitania Geral, onde narraram a história ao Governador Jácome Raimundo Noronha, um século depois da expedição de Orellana, de oeste para leste. Isto despertou o interesse do Governador da Capitania de Maranhão e Grão Pará em fazer uma expedição em sentido contrário, de leste a oeste, com o objetivo geopolítico de ocupar essa área dos espanhóis para a Coroa Portuguesa. Coube ao navegador português Pedro Teixeira, com patente de capitão-mor e poderes de general de Estado, o comando da expedição de cortesia ao Vice-Rei do Peru, saindo de Cametá a 28 de outubro de 1637, cuja tripulação era constituída de 1200 índios de remo e peleja, 70 soldados portugueses, 47 canoas, mulheres e curumins, ao todo com 2.000 pessoas.

As instruções do Governador consistia em reconhecer o rio Amazonas, identificar portos para serem fortificados, assegurar boas relações com as populações indígenas e implantar uma povoação portuguesa em área próxima às terras dos Omáguas. Chegando à povoação de Paiamino, em Quito, a 24 de junho de 1638, oito meses depois da saída, Pedro Teixeira e sua expedição foram bem recebidos e providos de víveres e munição para a volta. Vieram com eles dois sacerdotes jesuítas espanhóis, o padre Cristóbal de Acuña que escreveu o livro “O Novo Descobrimento do Grande Rio Amazonas” e o teólogo André Artiede.

Na viagem de retorno, Pedro Teixeira e sua expedição pararam na confluência do rio Napo e Aguarico, permanecendo alguns meses para reabastecer a frota e descansar, onde fundou uma povoação que denominou de “Franciscana” em homenagem aos frades que vieram com ele de Quito para Belém.  Esse fato teve grande significado para o futuro da Amazônia, pois Pedro Teixeira tomou posse formalmente daquelas terras em nome de Felipe IV da Espanha que era Felipe I de Portugal, dizendo que tomava posse das terras em nome da Coroa Portuguesa, mandando lavrar Ata de Solenidade de Posse (Ver Auto de Posse em anexo).

A partir dessa data, em 16 de agosto de 1639, estavam indicados, na visão dos portugueses, os novos limites entre as terras da Coroa Espanhola e da Coroa Portuguesa, violando o Tratado de Tordesilhas. Mas, como Felipe IV era soberano das duas coroas, o ato de Pedro Teixeira não contestava a autoridade do rei. Essa expedição de Pedro Teixeira chegou a Belém em 12 de dezembro de 1639, o qual foi recebido pelas autoridades portuguesas que o consideraram o conquistador da Amazônia.

No ano seguinte foi desfeita a União Ibérica e os portugueses continuaram a ocupação da Amazônia até os limites dos rios Napo e Aguarico, indicados por Pedro Teixeira. No entanto, aos espanhóis não passou despercebido o alcance da Viagem de Pedro Teixeira, a ponto do Conselho das índias em Madri tomar conhecimento do que a viagem do capitão português provocou sobre as autoridades do Vice-Reinado do Peru, com protestos e reclamações, atas e atos contra Pedro Teixeira, porém, a reação mais drástica da Coroa Espanhola foi contra o Governador da Capitania do Maranhão e Grão-Pará Jácome Raimundo de Noronha, acusado de responsabilidade pelo ato contra as autoridades de Castela. Noronha foi preso e levado para Madri. Mais tarde quando retornou Pedro Teixeira estava na chefia do Governo de banto Maciel Parente de quem recebeu como recompensa 300 casais de índios “encomendados”.

Continuou por 111 anos essa pendência geopolítica de domínio sobre a Amazônia, sendo resolvida somente com o Tratado de Madri em 1750. Mas como a efetiva ocupação da Amazônia era muito difícil, somente através da estratégia de colonização em pontos escolhidos do rio Amazonas onde seriam implantadas fortificações militares. Isto porque a Amazônia já estava ocupada pelas tribos indígenas que, milenarmente, nela habitavam, o que não era obstáculo ao império português, pois o Direito Internacional Público da época restringia-se aos tratados entre monarquias européias ou administradas pelo poder temporal do papa que alcançava a Europa e Ásia Menor, enquanto os povos indígenas da África  e da América, por sua cultura primitiva, não eram reconhecidos como titulares das terras que ocupavam. Assim, as potências européias do século XVI e XVII avançaram para ocupar o Novo Mundo em várias frentes de colonização, onde disputavam entre si e com as tribos indígenas a ocupação dessas terras, de forma violenta.

 

 

 

Entretanto, sua ocupação efetiva começa a partir do século XVII quando espanhóis, ingleses, franceses e portugueses já haviam se e instalado em pontos estratégicos do continente, definindo-os como de seu domínio. Os portugueses ao chegar à Amazônia encontraram um grande contingente de índios, mais de dois milhões de pessoas que já habitavam a região há milhares de anos, conforme relatou Frei Cristóbal de Alcuña, no relato que fez sobre a viagem de Pedro Teixeira, afirmando que cerca de 150 nações indígenas existiam ao longo do rio Amazonas.

Pesquisas recentes evidenciam que não se tratava de populações autóctones, mas de povos oriundos da Ásia que migraram para o continente americano, em épocas diferentes, possivelmente atravessando pelo estreito de Bering e se distribuindo em levas sucessivas, do Alasca à Patagônia. Deste modo, pode-se deduzir que os verdadeiros descobridores do continente americano e titulares  de seu domínio foram os povos indígenas.Os europeus nessa história não passam de intrusos que se aproveitaram de uma cultura tecnologicamente mais avançada, principalmente  da utilização de armas de fogo para dizimar esses povos. Os indígenas sofreram um verdadeiro genocídio, alguns que sobreviveram se refugiaram no interior da floresta ou migraram para outras regiões.

De acordo com a obra de Márcio SOUZA ( 1979 ) em que cita  o protesto de um índio Tuxúa da região de Sinu, na Colômbia  mostrando a consciência que o índio tem do seu domínio sobre o território:

“... Concordamos que há um só Deus, mas quanto o que diz o Papa, de ser o Senhor do Universo e que havia feito mercê destas ao rei de Castela, esse Papa somente poderia ser um bêbado quando fez, pois dava o que não era seu. E este Rei que pedia e tomava esta mercê, devia ser louco pois pedia o que era dos outros. Pois, venham tomá-la, que colocaremos as vossas cabeças nos mastros...”

 

 

A Amazônia como um todo, poderia ser reivindicada pelas populações indígenas sob a proteção do indigenato, como direito originário de um povo, sob o princípio da imemorabilidade da Teoria Geral do Direito. Entretanto, o reconhecimento universal desses princípios só aconteceu séculos depois com o surgimento das organizações internacionais, após as duas grandes guerras mundiais.

Para exibir ao mundo seu domínio sobre a Amazônia, o governo português resolveu montar uma estratégia de ação institucional criando uma situação irreversível diante da coroa espanhola: implantou na Amazônia um Estado subordinado diretamente à Coroa Portuguesa por meio de uma carta Régia de 2 de agosto de 1654, o Estado do maranhão e Grão Pará.

O Novo estado, desvinculado do restante do Brasil evidenciava o objetivo de Portugal: ocupar as terras amazônicas, aproveitando-se da facilidade de acesso geográfico, mais próximo da capital do Brasil, primeiro de Salvador, depois do Rio de Janeiro, o que tronava o processo decisório mais rápido.

Conforme afirmação de RIBEIRO (2006) “... a estratégia de ação do Novo Estado era escolher pontos especiais da Amazônia onde deveriam ser implantados povoados, vilas, cidades e colônias administradas pelo Governo Português, através das suas lideranças na sede do Estado do Maranhão: a cidade de São Luís. No entanto, o objetivo principal desse Governo era a coleta de ‘drogas do sertão’ (produtos da floresta amazônica) para vender na Europa, tais como: cacau,salsaparrilha, urucu, cravo, canela, anil,sementes oleaginosas, raízes aromáticas, puxuri, baunilha e madeiras. Por dois séculos esses produtos despertaram a cobiça dos portugueses que forma até as últimas consequências na escravidão e matança de índios.

Com base nos estudos da antropóloga Adélia Ingrácia de OLIVEIRA (1983) a estratégia de ação do Governo Português envolvia:

a)    A defesa da posse da região amazônica;

b)    A criação de uma economia regional pela agricultura, principalmente pelo cultivo da cana-de-açúcar;

c)    A conversão do índio ao cristianismo.

Para a realização dessas ações, os portugueses teriam que enfrentar o povo indígena e sua atitude foi a de não reconhecê-lo como dono das terras amazônicas, atitude que não era apenas do império português, mas de todas as monarquias européias que nunca reconheceram os direitos dos povos ameríndios às terras do continente americano. Contudo, o Governo Português adotou uma atitude diferente diante das populações indígenas, procurando aculturá-las com o pretexto de catequizá-las, ação que sempre acabava em escravização do índio que reagisse, o qual seria amarrado até “amansar”. Como este sempre reagia à escravidão, passaram a adotar medidas drásticas contra o índio “rebelado”, o que justificava a guerra, a escravização e o genocídio. Com esse objetivo, do século XVIII até o século XVIII, Portugal transformou a Amazônia em cenário das mais terríveis crueldades praticadas contra o gênero humano, dizimando tribos inteiras, com tropas de guerra, combatendo índios e exterminando-os e tropas de resgate, que buscavam índios prisioneiros em guerras com outras tribos.

 Para esses tipos de guerras, o sertanista (geralmente bandeirante, filho ou neto de português que já ocupava a Amazônia) e o soldado português foram os agentes dessa política de violência, sendo o principal ator desse processo, pelos meios pacíficos, os missionários, com sua ação “antropológica” discutível. (OLIVEIRA, 1983). Deste modo, o modelo econômico adotado pela ocupação portuguesa na Amazônia era a utilização da Concessão de Sesmaria como forma de explorar as riquezas da região. Na Sesmaria, o titular explorava a terra como sua e podia transmiti-la por herança. Também o sistema de capitanias hereditárias  adotado na Amazônia por iniciativa de Bento Maciel Parente, o que facilitava a administração de determinada área, entregue a alguém com plenos poderes para explorá-la.

Na Amazônia, ao longo do século XVII foram criadas 6 capitanias hereditárias:

1)    a de Caeté (atual Bragança), no rio Gurupi, vinculada à Capitania real do Maranhão, doada em abril de 1627, a Feliciano Coelho de Carvalho, filho de Francisco Coelho de Carvalho, primeiro Governador do Maranhão;

2)    a de Cametá, também doada a Feliciano Coelho de Carvalho, quando este perdeu a capitania de Caeté para Álvaro de Souza;

3)    a  de Gurupá, instituída em 1633, também doada a Feliciano Coelho de Carvalho, na foz do rio Xingu;

4)    a do Cabo Norte, doada em 1634 a Bento Maciel Parente, do rio Solimões até o Oiapoque, limitando-se a oeste pelo rio Jari. Esse donatário vinculou seu nome à Amazônia como sanguinário, responsável pelo extermínio de grande parte da população indígena;

5)    a de Joanes, no Marajó, doada a Antonio de Sousa Macedo;

6)    a do Xingu, localizada à margem direita do rio Xingu, doada em 1681 a Gaspar de Souza de Freitas.

Mesmo que essas capitanias não tenham tido sucesso por desinteresse de seus donatários ou por não disporem de recursos para sua exploração, elas ressaltam o objetivo geopolítico do Governo Português na tentativa de dominar a Amazônia. Não tendo sucesso com as capitanias na Amazônia, o Governo do Estado do Maranhão e Grão Pará marcou seu domínio pela organização dos aldeamentos régios de índios e colonos que trabalhavam juntos, a serviço do Estado Português com a economia de subsistência, à base de exploração da mandioca, da caça e da peca.

Esses aldeamentos ficaram conhecidos como “pesqueiros reais” em que os colonos e nativos atuavam juntos de forma cooperativa, estimulando a miscigenação entre o índio e o negro (cafuzo) e  entre o branco e o índio (caboclo), dessa mescla surgindo o ribeirinho que povoa as margens dos rios da Amazônia. Entretanto, o caboclo não é só resultado dessa miscigenação entre o índio e o branco; é também o índio desculturado que assumiu os padrões e costumes dos colonos pela conversão ao cristianismo, através do trabalho missionário de diferentes ordens religiosas de diversos pontos da Europa. O resultado entre o índio e o negro também assumiu padrões e laços culturais do colono que, com estímulo de quem liderava os aldeamentos, adotava a mescla da linguagem cabocla.

Com a união entre a Igreja e o Estado, o missionário passou a ser o maior agente da ocupação efetiva da Amazônia pelos portugueses, mesmo tendo religiosos de outros pontos da Europa. O padre ou Frei era um integrante necessário nas expedições portuguesas na descoberta de novas terras e na conversão dos que a habitavam, levando a “fé e o império” a terras longínquas, como disse Camões em “Os Lusíadas”.

O Governo do Estado do Maranhão e Grão Pará, com objetivos de “catequizar” e de “colonizar” mobilizou diversas ordens religiosas para promover a ocupação da Amazônia, das margens do rio Amazonas e seus afluentes. A antropóloga Adélia Ingrácia OLIVEIRA (1983) do Museu Paraense Emílio Goeldi realizou uma pesquisa sobre a amplitude das missões religiosas em toda a Amazônia do século XVII ao século XVIII, cuja subordinação ao Estado e á Igreja dava-se por meio de Carta Régia que lhes dava poderes para promover a pacificação e conversão dos índios; fazer aldeamentos e explorar atividades econômicas, tais como: lavoura, criação de gado, construção de olarias, exploração de engenho, etc., bem como indicando as áreas onde podiam atuar. O estudo de OLIVEIRA (1983) apresenta as 6 principais Concessões Missionárias do século XVII até o começo do século XVIII:

 

1)    para os Franciscanos da Província de Santo Antonio, à margem esquerda do rio Amazonas: rios Paru e Jari até o Cabo Norte, no Amapá;

2)    para os Carmelitas, o rio Negro, Urubu, Solimões, Rio Branco, Guamá, Bujaru, parte da Ilha de Marajó, Icoaraci, Gurupá e Vigia no Baixo Salgado;

3)    para os Mercedários, da Ordem de Nossa senhora das Mercês, o rio Negro, Urubu, Anibá e parte da Ilha de Marajó;

4)    para os Jesuítas da Companhia de Jesus, o Cabo Norte, o Baixo e Médio Amazonas, o Salgado, a Bragantina, a Ilha de Marajó e adjacências, o rio Tocantins, o rio Itaicauínas, o rio Xingu, o rio Pacajá, margens do rio Tapajós, o rio Madeira, o rio Branco, o rio Negro até às confluências do urupês e a região do rio Gurupi;

5)    para os Capuchos (Franciscanos) da província de Nossa Senhora da Piedade, o Baixo e o Médio Amazonas, a região do cabo Norte e o rio Tocantins ;

6)    para os Capuchos (Franciscanos) da Província de Conceição da Beira e do Minho, a região do Cabo Norte e a Ilha de Marajó.

OLIVEIRA (1983), em sua pesquisa, destaca algumas observações sobre o interesse geopolítico que envolvia tais Concessões, as quais pretendiam, aparentemente, indicar os limites de atuação de cada ordem missionária; havia superposições geográficas nas concessões outorgadas; a importância de participação das missões no processo de ocupação da Amazônia, pois é possível quantificar pelas vilas, povoados e cidades que foram implantados na Amazônia, a partir dos aldeamentos fundados pelos missionários. Hoje, a obra missionária na Amazônia é bastante discutida pelos historiadores e pesquisadores, que, segundo esses, as missões não levam em consideração os valores antropológicos de preservação da cultura, na época desconhecidos pelas ciências humanas. O processo de pacificação dos índios, realizado pelos missionários, conduzia-os sempre à aculturação em que esses assumiam o padrão cultural dos dominadores, perdendo seus valores, caindo em outro nível que era o da desculturação, ou seja, aniquilamento de sua cultura.

Para o missionário essa aculturação era indispensável para a conversão ao cristianismo, pela palavra de deus, pela Revelação Divina e defesa contra a escravização do colono branco. Geralmente, antropólogos, sociólogos e historiadores não concordam com esse ponto de vista, desconsiderando ás vezes as circunstâncias históricas a que os religiosos estavam sujeitos.

Muitos estudiosos não perdoam as ações dos missionários diante do processo de ocupação da Amazônia, insensíveis diante da crueldade dos soldados e dos colonos, acusados de buscar justificativas teológicas para a escravização e facilitação do extermínio das tribos indígenas como ocorreu com os Tapajós, indígenas da Aldeia do Tapajós, fragilizados pela aculturação, foram dizimados por tribos rivais no processo de guerra de resgate, estratégico do Governo Português, com apoio da igreja Luso Espanhola. 

 

Distribuição, atuação e expansão das Ordens religiosas na Amazônia (séculos XVII e  XVIII).

Ordens religiosas

Data de Entrada

na Amazônia

Locais

Demarcação

CR 1693-1694

Locais de atuação

Atividades

Franciscanos da província de Santo Antonio

1616

Belém

(Sítio do Una)

Norte do Amazonas,

rios Jari,Paru e Aldeia Urubuquara (atual Prainha)

Cabo Norte (atual Amapá)

Cabo Norte

Baixo Amazonas, rio Trombetas, Marajó,Tocantins

Pacificação e conversão dos índios Tupinambás, Aruás e Tocujos,

aldeamentos, vilas cidades

 

 

Carmelitas

1626

Belém

(rua do norte, atual Siqueira Campos)

 

Rios Negro,Urubu,Solimões,

Branco,Guamá,Bujuru

Marajó,Icoaraci(Belém)

Gurupá(Xingu)

Vigia (Baixo Salgado)

Aldeamentos e missões, vilas, cidades, engenhos, fabricação de açúcar, criação de gado,olaria, lavoura.

Mercederários

NS das Mercês

1639

ou

1640

Belém

(Campina)

Distritos dos rios Urubu, Negro e Solimões, ajudar os jesuítas

Rios Negro, Urubu,

Uatumã, Anibá e Marajó.

 

Centros de  catequese, aldeamentos vilas, cidades, fazendas de gado

Jesuítas da Companhia de Jesus

1653

Belém

(em princípio na campina, mais tarde junto ao forte

Sul do Amazonas

(margem direita), rio Urubu e Negro, Solimões , no domínio português a partir de Gueribi

Cabo Norte (Amapá), Baixo e Médio Amazonas, Salgado, Bragantina,Marajó, Tocantins,Itacaiúnas,

Xingu,Pacajá.Tapajós,Madeira, Branco, Negro até Uaupese  limites do Pará com Maranhão.

Pacificação e conversão de

índios, aldeamentos, missões,vilas, cidades, fazendas de gado,

extrativismo,

comércio e exploração de  engenhos e da pesca de  tainhas.

Capuchos de São José e Franciscanos da Província da Piedade

1692

ou

1693

Gurupá (em 1749

Vieram para Belém e iniciaram a construção do convento São José, atual presídio)

Terras e aldeias em torno de Gurupá, de Urubuquara, subindo o Amazonas, rio trombetas e limite do Gueribi

Baixo e Médio Amazonas, Cabo Norte (Amapá) e rio Tocantins

Organização de um hospital em Gurupá, aldeamento e missões, formação de vilas e cidades.

Capuchos da Conceição da Beira e Minho

1706

Belém

(arsenal da Marinha)

 

Cabo Norte (Amapá) e rio Tocantins

Pequena atuação evangelizadora, descimento de índios da Guiana francesa, criação de enfermaria em Belém

 

Fonte: OLIVEIRA, Adélia Ingrácia de. Ação das Ordens Congregações religiosas na Amazônia

 

Na visão de RIBEIRO (2006), a ação missionária assumiu dimensões relevantes na defesa do índio da Amazônia contra a escravização e na proteção contra o genocídio e morticínio provocado pelo colonizador. Quanto à escravidão, ele considera que a situação do missionário era de confronto com o colono, organizando os índios em aldeamentos, criando uma língua comum, Nheengatu e com ela escrevendo catecismos para ajudá-los a entender o sentido da vida como pessoa em busca de salvação.

 

O aparecimento do Nheengatu na Amazônia, ligado à estratégia de ocupação, passou a ser interesse do colono português e do missionário que assim poderiam se comunicar com os índios. Era uma língua falada pelo Tupinambá, que no impacto da dominação evoluiu tornando-se o principal idioma de comunicação na Amazônia Interior. O colono precisava do trabalho do índio para explorar recursos naturais da região, inclusive para remar de uma comunidade ribeirinha para outra, principalmente nos maiores afluentes do Amazonas: Xingu e Tapajós. O missionário  precisava justificar sua presença na região, muitas vezes coincidindo o interesse de ambos para explorar a mão de obra indígena, de tal forma que a língua Nheengatu passou a ser falado do Maranhão até as fronteiras com a Colômbia e Venezuela. De 1616 a 1750, sob o Tratado de Madri, o Nheengatu teve a sua maior difusão, chegando ser a língua geral da Região, antes da Amazônia Brasileira tornar-se lusitana.

 

1.3 A AMAZONIA PORTUGUESA

 

             As relações entre Portugal e Espanha que possibilitaram a solução de pendências entre as duas coroas mostraram condições nos anos 40 do século XVIII. Portugal passou a acompanhar as demais monarquias européias, adotando o absolutismo como regime político e o mercantilismo como política econômica, quando D. João V adota, em seu reinado, o absolutismo puro, imitando Luís XV, rei da França. Portugal e Roma entraram em conflito, chegando a romper relações em 1728, embora o império português praticasse o catolicismo, o luxo da corte portuguesa, sustentado pelo ouro do Brasil, cuja economia teve auge de 1735 a 1766, causando aborrecimento à Igreja que prestava serviços às populações indígenas que produziam nas feitorias.

Portugal e Espanha entram novamente em desentendimento quanto às definições de Possessões das terras da Bacia do Prata e a hinterlândia amazônica. O Tratado de Ultrech que estabelecia a Paz com a França e a Convenção de Paris de 1737, que restabelecia a paz com a Espanha, tentavam um acordo sobre os conflitos que ainda perduravam entre esses reinos na América do Sul. O diplomata brasileiro Alexandre de Gusmão intercedeu na busca de uma solução para esse conflito, sendo decisiva sua ação no Tratado de Madri de 1750 que fixou os limites das “conquistas” entre os muito altos e poderosos senhores, D. João V, rei de Portugal e D. Fernando VI, rei da Espanha, ambos reconhecem que violaram o Tratado de Tordesilhas, tanto na Ásia quanto na América, tendo Gusmão sugerido o princípio jurídico do “Uti possidetis” (cada parte há de ficar com o que atualmente possui) e em obediência a esse princípio, as linhas definidas por critérios astronômicos passariam a ser definidas pelos limites naturais. Assim, entraram em acordo: a Espanha ficaria com a Bacia do Prata e Portugal com a Bacia Amazônica, naquilo que já ocupava até então na região. O Tratado definia “... pertencerá á Coroa de Portugal tudo o que tem ocupado pelo rio das Amazonas ou Marañon acima e o terreno de ambas as margens deste rio até as paragens que abaixo se dirão (Art. III). Assim, a parte amazônica que Pedro Teixeira tomou posse, em 1639, foi reconhecida como da coroa Portuguesa, de Franciscana e seus limites naturais, pelos rios Guaporé, Mamoré, Javari até o Amazonas, rio Japurá até a Cordilheira dos Andes e os rios Orinoco e Amazonas.

Para dar cumprimento ao Tratado de Madri e fazer as demarcações foram constituídas comissões, no período em que Sebastião de carvalho e Melo, o Marquês de Pombal assumiu o comando do império português. Em Portugal, D. José I que sucedeu D. João V, a 7 de setembro de 1750, passou ao Marquês de Pombal a tarefa de definir os rumos da política da ocupação da Amazônia Lusitana. Várias dissensões surgiram para alterar o teor do tratado de Madri: O Tratado de Pardo I (1761) que declara nulo o Tratado de Madri; o Tratado de Santo Ildefonso (1777) e o Tratado Pardo II (1778) que não conseguiram revogar o acordo do tratado de Madri, o qual passou a ser reconhecido como marco geopolítico que definia a soberania de Portugal sobre a Amazônia, no sentido de leste a oeste.

O longo reinado de D. João V, de 1707 a 1750, na primeira metade do século XVIII marcou a história de Portugal e trouxe consequências para a Amazônia brasileira. O despotismo, o anti-clericalismo e a inquisição caracterizaram o Governo Português, enquanto D. João V era o Rei-Sol cuja corte era sustentada pelo ouro do Brasil e o palácio de Queluz construído com madeiras da Amazônia.

Para ocupar o cargo de secretário de Negócios estrangeiros e de Guerra, D. José I que sucedeu D. João V, nomeou Sebastião José de Melo, o Marquês de Pombal que comandou o império português por três décadas. Pombal implantou no Brasil Colônia o governo absolutista (só o rei tinha domínio sobre os bens da coroa), o anti-clericalismo nas relações com a Igreja e o mercantilismo como odelo econômico. Procurou cumprir o Tratado de Madri quanto aos interesses de Portugal. Nessa concepção, a Igreja não deveria possuir bens e a arrecadação do dízimo deveria ser recolhida pelo governo e este aplicaria na remuneração de bispos e párocos, além de se responsabilizar pela construção de templos, que antes ficava a cargo da Igreja, toda organização e ação da Igreja passaria a ser paga pelo Estado do Português.

Desse modo, o governo imperial passou também a criar dioceses e paróquias e nomear seus titulares através de uma instituição chamada O “Padroado real”, em Portugal e nas colônias. O mercantilismo tinha em Portugal o “exclusivo colonial” em que as colônias só poderiam vender seus produtos no mercado português. Com Pombal, essa obrigação tornou-se mais estreita, a venda dos produtos coloniais só podia ser feita para a Companhia Geral do Comércio do Grão Pará e Maranhão (Alvará de 1775). Assim, a administração da soberania portuguesa sobre a Amazônia deveria ser feita diretamente pela Coroa Portuguesa sem qualquer vinculação com o Estado Brasileiro. Pombal reestruturou o Estado do Maranhão e grão Pará que a 31 de julho de 1751 passou a Estado do grão Pará e maranhão, tendo como sede a cidade de Belém, que passou a ser centro de decisões, com a finalidade de evidenciar na nova política o sentido amazônico. Sendo assim, a Amazônia passou a ter importância para Portugal e com Pombal mais ainda, pois nomeou para Governador do Novo Estado do Grão Pará e Maranhão, seu irmão Francisco Xavier Mendonça Furtado, a 19 de abril de 1751. Foi criada a capitania de São José do Rio Negro (1755) cuja sede deveria ser Vila Nova de São José do Rio Javari, mas que Mendonça Furtado preferiu sediá-la no Rio Negro em Mariuá, mais tarde Vila de Barcelos.

Como a principal missão de Mendonça Furtado era promover a demarcação de limites entre Espanha e Portugal foi nomeado em 1752 como Primeiro Comissário, organizando uma grande expedição que deveria encontrar-se com a expedição espanhola, chefiada por D. José Iturriaga para demarcar os limites dos rios Madeira, Javari, Negro e Japurá. Furtado deixou o governo com o bispo D. Miguel Bulhões e foi a Portugal para buscar medidas para ocupação da Amazônia, entre elas a vinda  de 430 emigrantes açorianos que seriam fixados inicialmente em Macapá, Ourém e Bragança. Ao assumir a soberania sobre a Amazônia, O Governo Português encontrou uma situação que considerou negativa para seus propósitos, provocada pela ação dos  missionários jesuítas, junto às populações indígenas. O regime monárquico tinha outra forma de pensar a ação produtiva em relação ao índio, pois seu objetivo era escravizá-lo para tê-lo como mão-de-obra a serviço do processo de colonização e como os missionários não concordavam gerou-se o conflito com a Igreja, principalmente com os inacianos.

Essa situação configurou-se no período de 1749 a 1758, com a atuação do bispo do Grão Pará, D. Frei Miguel Bulhões e Sousa, o qual tinha atuação hostil com os missionários contra os quais projetou a expulsão dos jesuítas junto aos colonos portugueses, atingindo os aldeamentos, nos quais as ordens religiosas não admitiam a intervenção dos colonos portugueses. A exploração da mão de obra indígena na prática do extrativismo era exigência do mercantilismo nos primeiros tempos da colonização, a Companhia de Jesus assumiu uma missão profética sob a liderança do Padre Antonio Vieira, que denunciava a escravidão dos povos indígenas, sendo por isso expulso mais de uma vez do Brasil.

Esse período mudou com o Regimento das Missões a 21 de dezembro de 1686, quando Vieira já estava destituído de poder sobre as missões. A atuação do Novo Regimento passou a ser de convivência com a escravidão indígena tornando os aldeamentos em empresas extrativistas que usavam o índio como escravo. Essa nova postura criou mais conflitos no governo de Pombal que, através de seu irmão Mendonça furtado decidiu intervir para reorientar o extrativismo dos aldeamentos para o mercantilismo da economia portuguesa nas colônias.

A Carta Régia de 3 de março de 1755 criou a Capitania de São José do rio Negro, com sede em Mariuá, Vila de Barcelos, no atual estado do Amazonas, ato geopolítico de Pombal para ocupar a Amazônia. Em 6 de junho de 1755, uma lei assinada por Pombal sobre a liberdade dos índios, procura retirar os indígenas de qualquer sujeição às ordens religiosas e no dia seguinte foi baixado o Alvará que subtraía o poder  temporal dos missionários de qualquer religião, considerando incompatível com as obrigações do sacerdócio. Estava assim abolido o Regimento das Missões de 1686 que regulava a atuação missionária das ordens religiosas na Amazônia. Novo Estatuto foi promulgado por Mendonça Furtado, em 3 de maio de 1757, criando condições legais para a substituição dos missionários denominado “Directório” como se pode observar nas povoações dos índios do Pará e Maranhão, enquanto Sua majestade não mandar o contrário”.

Pombal preocupou-se também com alusitanaização, criando uma lei que incentivava a miscigenação dos portugueses com índios; de modo que os soldados  ou colonos  que casassem com índios receberiam terras, dinheiro, armas, instrumentos agrícolas e não podiam sofrer infâmias. Isto originou não só a miscigenação racial, mas também a formação de novos padrões culturais do caboclo amazônico. Também agiu mudando as denominações dos núcleos urbanos em formação na Amazônia substituindo a toponímia indígena por nomes portugueses: Óbidos, Faro, Alenquer, Monte Alegre, Santarém, Aveiro, Ourém, Bragança e outras.  A ação de Pombal na Amazônia teve seu ponto alto com o Alvará de 3 de setembro de 1759 que determinou a interdição dos missionários jesuítas na Amazõnia e o sequestro de seus bens. Um ano depois, os jesuítas foram removidos a Portugal, saindo de Belém cerca de 120 missionários para Portugal e que ao chegar ficaram presos até o final do governo pombalino em 1776. A expulsão dos jesuítas não é apenas resultado de conflito religioso, pois no seu fundamento está a questão econômica do Governo de Pombal.

Assim, os aldeamentos tornaram-se verdadeiros centros de exploração extrativista da pesca e produtos vegetais. Como os jesuítas não aceitaram orientar sua ação empresarial pela ordem econômica mercantilista, pois os resultados eram revertidos em favor das comunidades indígenas, cuja prática não interessava ao Governo Português. A ordem mercantilista caracterizava-se pela obediência ao absolutismo em que o Rei é senhor de todos os bens; o monopólio econômico passou a ser exercido pela Companhia Geral do Comércio do grão Pará e Maranhão, criada por Pombal em 1755; a Companhia tinha o direito exclusivo da navegação, do tráfico de escravos e da compra e venda de produtos da colônia. Assim, Pombal com a expulsão dos missionários jesuítas criou na Amazônia uma economia que pôde ser usufruída pelo estado Português e não que beneficiasse os aldeamentos como queriam os padres dessa ordem.

Em 1772, ainda agindo na Amazônia, Pombal dividiu o Estado do grão Pará e maranhão em dois: 1- Maranhão e Piauí; e 2- Grão Pará e Rio Negro, passando a Amazônia a ter um governo próprio, diretamente vinculado ao Governo Português. Em 1777, já na metade do século XVIII morre o Rei D. José I, vários prisioneiros políticos acusados de enriquecimento com os bens da coroa foram anistiados por D. Maria I, Pombal foi exonerado dos cargos, processado por abuso de poder e condenado em janeiro de 1780, em idade avançada e banido para sua quinta, onde morreu em 1782.

Em 1780, o Capitão João Pereira Caldas assumiu o Governo do Estado do Pará e Rio Negro, iniciou a criação de uma economia amazônica estável, incentivando o preparo da manteiga de tartaruga, implantando olarias, fábrica de tecidos de algodão e novos engenhos para a produção de aguardente de cana. Para incentivar a economia amazônica, em 1784, entra em cena o brigadeiro Manuel Gama Lobo D’Almada, que inicialmente  atuou nas demarcações de limites com a Espanha, considerado como homem de visão, responsável por ações de desenvolvimento da região.

Em 1788 assumiu o Governo da Capitania de São José do Rio Negro. Em 1792 mudou a sede da Capitania de Barcelos para o Lugar da barra que mais tarde seria a cidade de Manaus. Lobo D’Almada procurou diversificar a economia extrativista incentivando a agricultura do arroz, do café, do algodão, do cacau, do tabaco, da mandioca, da pimenta e do cânhamo, além de incentivar a pecuária nos campos gerais da região do Rio Branco, pólo de produção de gado. Faleceu em 1799 com a marca de líder progressista.

Nas duas últimas décadas do século XVIII, a Igreja contou com D. Frei Caetano Brandão e condições adequadas para superar a relação de conflito entre as ordens religiosas e o governo diocesano com a expulsão dos jesuítas em 1759. D. Caetano foi às mais distantes localidades, em visitas pastorais, cujo relato demonstrava a decadência sem a ação da Igreja na Amazônia e a pobreza em que viviam as populações ribeirinhas.

Com a chegada da Família Real no Brasil a 7 de março de 1807, D. João VI transferiu a sede da Coroa Portuguesa para o Brasil, fugindo da invasão das tropas napoleônicas em toda a Península Ibérica, principalmente em Portugal. O Brasil colônia ganhou novo significado com a presença da Família Real que levaria à Independência 15 anos depois. Como a Província do Grão Pará e Rio Negro tinha vínculo direto com a Coroa Portuguesa, a Amazônia não ficou indiferente ao quadsro político referencial da época. Sua situação era de abandono, pois as “drogas do sertão”  não tinham o mesmo significado econômico, os índios fugiram e a expulsão dos jesuítas tornou difícil o “descimento dos índios” para a formação de novos aldeamentos, os quais sustentavam o extrativismo da região, mostrando uma economia fragilizada. Com D. João VI no Brasil continuava o impasse com o governo francês quanto á possessão da guia Francesa na América do Sul. Os franceses pretendiam estender o território até a foz do Amazonas, área atual do estado do Amapá. D. João VI para vingar-se de Napoleão Bonaparte mandou invadir a possessão francesa que tinha limite com o Brasil. Ordenou ao tenente-general do Pará, José narciso de Magalhães Menezes, a organização de uma exposição com 600 combatentes.

A 8 de outubro de 1808 a expedição partiu com três barcos, uma lanche e um iate, sob o comando do tente coronel Manoel Marques. D. João negociou com a Inglaterra, que também estava em guerra com Napoleão, uma frota e o apoio inglês. A expedição inglesa era formada por uma corveta, e dois brigues portugueses e 300 combatentes e foi comandada pelo Capitão James Lucas Yeo. A colônia francesa tinha em sua defesa 500 combatentes europeus, 200 pardos livres e 500 escravos, sob o comando do comissário imperial francês Victor Hugues, que após 2 horas de combate propôs a rendição, em 12 de janeiro de 1809.

O tenente-coronel Manuel Marques foi nomeado Governador Militar da Guiana e promovido a brigadeiro. Esse domínio durou apenas 8 anos com a ocupação de pessoas da Amazônia. Encerrou-se nos termos do Artigo 107 do Tratado de Viena, assinado em Paris, a 30 de maio de 1814, confirmando os limites da Guiana Francesa e o Brasil, no rio Oiapoque e pelo artigo 8º do Tratado de Ultrech de 1713. O Tratado de Viena devolvia às nações de origem as porções territoriais conquistadas por Napoleão Bonaparte.

A sensação de abandono a que ficou submetida a população amazônica nas primeiras décadas do século XIX, gerou a insatisfação em toda a região, manifestando-se de forma revolucionária sustentada por forte sentimento nativista. Em 1821 ocorreu a primeira dessas reações revolucionárias, influenciada pelas ideias da Revolução Constitucionalista do Porto, em Portugal em 1820.

Esse levante exigia a promulgação da constituição que acabariam com o absolutismo da Monarquia, criando Um Estado de Direito. Quando Portugal aderiu à revolução, D. João VI decidiu retornar à Europa, deixando seu filho D. Pedro I como Regente.

Em 1820, Felipe Alberto Patroni Martins, um jovem paraense, universitário em Coimbra, decidiu voltar a Belém com a intenção de fazer o Pará aderir ao movimento revolucionário constitucionalista de Portugal. Felipe Patroni conseguiu o apoio de algumas lideranças, apesar da reação contrária da Junta Interina de Sucessão, sendo que o movimento evoluiu para uma conspiração com apoio do Regimento de Infantaria. Um motim foi marcado para o 1º de janeiro de 1821, data de reunião das as forças armadas, no Largo do Palácio do Governo, onde seria deflagrada a revolução. Os comandantes militares proclamaram a adesão do Pará à revolução constitucionalista do Porto, aclamando D. João VI. Elegeram novos membros para a Junta Governativa, tendo como presidente Dom Romualdo Antonio de Sousa. Com a Vitória dos nativistas a Junta governativa enviou ao Rio de Janeiro o tenente-coronel Joaquim Mariano de Oliveira Belo para comunicar a D. João VI a mudança do Governo na Província. Também nomeou como procurador da província do Pará junto ao reino, o bacharel Felipe Patroni que seguiu para Lisboa com o alferes Simões da cunha. Patroni percebeu que o propósito das cortes portuguesas era forçar a vinda de D. João VI a Portugal, evitando que a sede do Governo continuasse no Brasil. Patroni só foi recebido pelas cortes em novembro de 1821, pelo rei D. João VI; após longo discurso em que explicava as razões de necessidades de mudanças no governo, Patroni foi obrigado a retirar-se da presença do rei e decepcionado regressou a Belém, em 1822.

Em Belém, Patroni fundou o Jornal “O Paraense” e passou a pregar a Independência da Pátria. A Junta Governativa reagiu contra a pregação de Patroni e, no mesmo ano, levou-o preso ao Forte do Castelo sob alegação de ter desrespeitado o rei, sendo removido a Portugal pelo general José Maria de Moura. O Jornal paraense continuou a circular sob a direção do Cônego João Batista Gonçalves Campos contra o General Moura e, pregando a Independência do Grão Pará, sendo também preso em setembro de 1822, na Fortaleza da Barra. O Cônego Silvestre Antunes Pereira continuou com o jornal encerrando suas atividades em fevereiro de 1823. O sentimento libertário da Província do Pará, nas primeiras décadas do século XIX ficou retratado nos 70 números impressos desse jornal.

Em 7 de setembro de 1822, o Brasil já estava independente, mas a notícia ainda não havia chegado a Belém. Com a Província do Grão Pará e rio Negro, ainda vinculada ao Reino de Portugal, não tinha sido atingido pela Independência proclamada por D. Pedro I. Assim, a Província do Pará continuava dominada pelas autoridades portuguesas que reprimiu qualquer movimento libertário. Nesse contexto, surge o movimento nacionalista de  abril de 1823, que  pretendia eleger a Primeira Câmara Constitucional de Belém, provocando  a ira do general José Maria Moura, que não reconheceu a Nova Instituição. O Governo Português recomendou a prisão das pessoas envolvidas e a anulação do pleito, ampliando o conflito.

O emissário dos líderes do Brasil Independente, José Luiz Aeroza chega a Belém para conversar com os revolucionário paraenses, visando a obter a adesão do Pará à Independência do Brasil. Contou com o apoio do italiano João Batista Balby, Boaventura da Silva, o alferes Domingos Marreiros, Antonio Barreto, José mariano de Oliveira belo, Bernal do couto, padre Jerônimo Pimentel, Teodósio Constantino Chermont, Manuel Evaristo, José Pio, Tenreiro Aranha e outros.

O movimento foi delatado às autoridades portuguesas e reprimido pelo General Moura. Os revoltosos se esconderam no Convento de Santo Antonio, mas foram dominados e presos pelas tropas do General Moura. Os militares foram recolhidos à Fortaleza da Barra, os civis foram presos na cadeia pública, entre esses Bernardo de Souza Franco, o Cônego Jerônimo Pimentel e outros.Os assessores imediatos do general Moura pediam pena de  morte para os revoltosos, mas Dom Romualdo Antonio Seixas, como presidente da Jnta Governativa, opõe-se  a esse ato, conseguindo salvar a vida dos prisioneiros. Alguns se refugiaram nos municípios da província do Pará.

Na Freguesia de Muaná, José Possedônio Pereira, Braz Odorico Pereira e João Pereira da cunha, com apoio de José Pedro de Azevedo, deflagrando novo motim a 28 de maio de 1823, a partir de Muaná, em que proclamava a Independência e instituía uma bandeira própria. As tropas do Major Francisco José Ribeiro dominaram os revoltosos, capturando 145 cidadãos que levaram presos para Belém e recolhidos aos porões da fragata Leopoldina e da Charrua Gentil Americana.

A 13 de julho de 1823, os 267 prisioneiros políticos foram levados a Lisboa a bordo da galera Andorinha do Tejo. Uns faleceram durante a viagem; outros morreram vítimas de varíola e os que chegaram vivos a Portugal foram recolhidos ao forte de São Julião da Barra e alguns conseguiram voltar para a Província. Somente em 15 de agosto de 1823 deu-se a adesão do Pará à Independência.

No dia 11 de agosto chegou ao Pará o Capitão inglês John Pascoe Greenfell, a bordo do brigue de guerra Maranhão. Mandou um ofício ao Almirante Cochrane comunicando que o porto de Belém estava bloqueando e exigindo a imediata adesão da Junta Governativa à Independência do Brasil.

O General Moura com 60 soldados tentou resistir, mas a Junta Governativa presidida por Dom Romualdo de Souza Coelho decidiu aderir à Independência contra o General e outros membros, com decisão às 11 horas da noite e apoio do povo à adesão. No dia 14 de agosto o General Moura foi preso e recolhido a bordo do brigue Maranhão. Dia seguinte, uma salva de 21 tiros comunica a adesão do Pará à Independência e a bandeira hasteada em todas as embarcações e fortalezas da cidade.

 Ocorreram novas eleições da Junta provisória confirmando o fim do domínio português sobre a Amazônia. Entretanto, a Nova Junta Provisória não satisfez aos paraenses, pois queriam Dom Romualdo de Souza Coelho ou o Cônego Batista campos na presidência, além de exigir a demissão dos oficiais portugueses e a renúncia do presidente da Junta Geraldo José de Abreu, em seu lugar assumindo Batista Campos. O capitão inglês Greenfell mandou prender todos os que faziam parte do movimento, inclusive Batista Campos, acusado de ser responsável pela rebeldia, ameaçado de morte e amarrado à boca de um canhão de artilharia, sendo salvo pelos membros da Junta Governativa. Batista Campos foi preso e conduzido a bordo do brigue Maranhão, deportado para o Rio de Janeiro para a Fortaleza de santa Cruz, após julgado e absolvido retornou ao Pará. O fim desse conflito foi trágico, com saldo de 256 mortos entre milicianos e civis que, por ordem de Greenfell foram recolhidos  a bordo do Brigue Palhaço e sob o comando do tenente Joaquim Lúcio de Araújo que mandou recolher os prisioneiros no porão do navio, a 22 de outubro de 1823, quando tos foram cruelmente assassinados, sufocados por cal jogado nos amotinados.

Pretendendo consolidar politicamente a ocupação da Amazônia, os portugueses implantaram mais fortificações com o objetivo de defender o território já ocupado e afastar qualquer tipo de contestação tanto de estrangeiros (ingleses, irlandeses, espanhóis, franceses e holandeses) quanto das populações indígenas. Sobre essas fortificações, a antropóloga Adélia Ingrácia de OLIVEIRA (1983) apresenta em sua pesquisa a evolução das preocupações geopolíticas dos portugueses, em relação ao interior da Amazônia, excluindo as implantadas no Maranhão, formando os grandes eixos geográficos de interesse militar:

a)    eixo do braço direito da foz do Amazonas, ao longo do rio Pará, da foz do rio Tocantins, do rio Guamá e da baía do  Guajará, até a Costa atlântica paraense, conhecida como a região do Salgado;

b)    o eixo do braço norte, da embocadura do Amazonas, estendendo-se pela Costa Atlântica até a foz do Oiapoque, região que hoje é o Estado do Amapá;

c)    o eixo do rio Amazonas, do começo da sua embocadura à altura da foz do rio Xingu até a foz do rio Javari, no limite com o Peru;

d)    o eixo do rio Negro e seu afluente, o rio Branco;

e)    o eixo do rio Tocantins-Araguaia;

f)     o eixo do rio Madeira, continuando pelo seu afluente Mamoré e pelo rio Guaporé.

 

Eixos de Fortificações implantadas pelos portugueses do século XVII ao século XVIII na Amazônia

Eixos/Núcleos

Datas

Fortificações

Locais/objetivos

Eixo do Forte do Presépio

1665

 

 

 

Forte de São Pedro Nolasco/ Forte das Mercês

 

Baía do Guajará (cais do porto de Belém).

1685

 

 

 

Fortaleza de Nossa Senhora das Mercês da Barra

 

Val de Cãs / canal da Barra

 

 

1708

 

 

 

Forte do Santo Cristo do Castelo de São Jorge

 

Ruínas do Forte do Presépio (de taipa).

 

 

1725

 

 

 

 

Forte do rio Guamá

 

 

 

 

Onde hoje está a cidade de Ourém /

saída para o Maranhão.

 

 

1738

 

 

 

Forte da Barra

 

 

 

Ilha perto do forte de NS das Mercês da Barra- auxiliar daquela fortaleza

 

1771

 

 

Reduto ou Bateria de São José

 

Ao lado do Convento dos Capuchos/complementar do Forte das Mercês.

 

1791

 

 

 

Bateria de Santo Antonio

 

 

 

Entre o Reduto de São José e o Forte das Mercês

1793

 

Forte da Ilha dos periquitos

Próximo ao Forte da Barra para guarnecer o Canal da Barra.

Eixo do Braço Norte à foz do Amazonas

1660

 

 

Forte do Araguari

 

 

Proteger missionários franciscanos.

 

1686

 

 

 

Fortaleza de Santo Antonio de Macapá.

 

 

Sobre as ruínas do forte de Camaú, erguido pelos ingleses.

 

1688

 

 

Forte do Batabouro

 

 

Confluência do rio Araguari

 

1738

 

Reduto de Macapá

 

 

 

Para observar a movimentação dos franceses.

1761

 

 

 

 

 

Fortaleza de São José de Macapá

 

Vigia do Curiaú

Reduto de Macapá para afastar os franceses de  Macapá.

Na confluência do Amazonas, abaixo de Macapá.

 

1782

 

Fortaleza de São José de Macapá

 

Construído na mesma área do outro.

 

1802

Vigia da Ilha de Bragança

Para auxiliar a Fortaleza de Macapá.

Eixo do Rio Amazonas

1623

 

 

Fortaleza de Santo Antonio do Gurupá

 

Á margem direita do Amazonas / Forte de Mariocai.

1638

 

 

Forte do Desterro

Fortim do Tueré

 

Monte Alegre

Á margem esquerda do Amazonas / Fortim do  Tueré.

 

1697

 

 

 

Fortaleza do Tapajós

 

 

 

Na confluência do rio tapajós com o rio Amazonas (Santarém, Brasília Legal, Barreiras, Cury-Teçá, Fordlândia, Aveiro e Itaituba) para fiscalizar o contrabando da madeira, das ervas e do ouro.

1698

Fortaleza dos Pauxis

 

 

Margem do Amazonas/ Óbidos

1710

 

Forte do Paru

 

Foz do rio Paru

 

1758

Fortaleza de Óbidos

Óbidos

1770

Forte de São Francisco Xavier

Foz do rio Javari, povoação de Tabatinga

Eixo do rio Negro e Rio Branco

1669

 

 

Forte de São José do rio Negro

 

Povoação de Manaus

 

 

1761

 

 

Casa Forte de São Gabriel

 

Forte de São Gabriel

 

 

1763

 

 

Forte de São José de Marabitanas

 

Rio Cucuí, afluente do rio Negro

 

1775

 

Fortaleza de São Joaquim

Rio Tacuru, para deter os holandeses, espanhóis e ingleses.

Eixo dos rios Tocantins e Araguaia

1780

 

Forte de Nossa Senhora de Nazaré

Alcobaça

 

 

1797

 

Registro da Cachoeira de Itaboca

 

São João do Araguaia.

Eixos dos rios Madeira, Mamoré e Guaporé

1750

 

 

Forte de Nossa Senhora da Conceição

 

Guaporé, na antiga povoação espanhola de Santa Rosa

1776

 

 

 

Real Fortaleza do Príncipe da Beira

 

 

Confluências dos rios Guaporé e Mamoré/ antigo Forte de Nossa Senhora da Conceição.

1778

Bateria de Vila Bela

 

 

Capitania de mato Grosso.

 

De acordo com a obra do professor  Nelson RIBEIRO (2006: 101),

“... essas fortificações foram implantadas logo que os portugueses decidiram ocupar a Amazônia, aqui chegando a 12 de janeiro de 1616, sob o comando de Francisco Caldeira Castelo Branco. Ao chegarem à baía de Guajará, ocuparam suas margens e aí fundam o forte do presépio e uma povoação à qual deram o sugestivo nome de Feliz Lusitânia e entregaram à proteção de Nossa senhora de Belém. O forte do presépio recebeu esse nome em homenagem ao dia da partida da expedição de São Luís do Maranhão, no Natal de 1615.”

 

 Com o objetivo de servir como base para a expulsão de estrangeiro da foz do Amazonas e dominar as populações indígenas das áreas ocupadas, os portugueses alcançaram sua meta, pois até metade do século XVII estrangeiros e indígenas foram dominados, expulsos ou exterminados pelos espanhóis. Vale ressaltar que, antes da implantação do forte do presépio, os portugueses já tinham marcado presença em território amazônico, em 1615, com a construção do Fortim do Caeté, ilha próxima à foz do rio Caeté, hoje município de Bragança. O forte do Presépio tornou-se o núcleo do eixo das fortificações, pois mantinha com as demais uma relação de complementaridade, ou seja, tinha conexão estratégica de fiscalização em cada eixo, forte, porto ou entreposto à margem dos rios. Também sobre a região do Alto Tapajós há registros e vestígios topográficos na Biblioteca Pública do Rio de Janeiro, das entradas de marinheiros portugueses em reconhecimento aos braços do rio que ganharam seus nomes, tais como Teles Pires ou Teles de Menezes, Francisco Caldeira ou Caldeira Castelo Branco.

 

BIBLIOGRAFIA

RIBEIRO, Nelson de Figueiredo. A Questão Geopolítica da Amazõnia: da soberania difusa à soberania restrita. Editora Universitária da UFPA, Belém-PA, 2006.

LESSA, Ricardo. Amazônia: as raízes da destruição. 1ª ed. História Viva. Coordenação Emir Sader; Editora Atual:SP, 1991.

 

OLIVEIRA, Adélia Ingrácia de. Evolução das preocupações geopolíticas dos portugueses em relação à Amazônia. Pesquisa antropológica de 1983, citada por RIBEIRO.