HISTÓRIA DO ENSINO DE ARTES NAS ESCOLAS DO BRASIL

Feito por Aline Morgan de Queiroz Dias, Edilce Teresinha de Barros Miercalm e Mariane Damke*

Este capítulo se faz necessário para esclarecer alguns pontos principais na historia da educação em artes nas escolas do país, o autor base deste capítulo é Santomauro, que em seus escritos tem um posicionamento político a favor da arte e se mostra muito interessado em defender esta bandeira, ele também deixa claro como foi construída a nossa nacionalidade européia através da arte oriunda daquele continente, utilizando obras de arte tão marcantes que ainda hoje são exemplos em sala de aula para demonstrar a vestimenta e os costumes de varias gerações assim como a arquitetura adotada em nosso país.       

Nosso país serviu durante três séculos como colônia de exploração, as artes aqui manifestadas não tiveram valorização, sendo esquecidas na área de ensino. Algumas tentativas de recuperar este tesouro perdido não tiveram muito sucesso, deixando inúmeros estereótipos, que empobreceram a visão educacional sobre tal produção artística. A Família Real Portuguesa, quando chega ao Rio de Janeiro em 1808, tornando a antiga colônia em reino, traz consigo expressões artísticas tradicionais, como conhecimentos oriundos da civilização ocidental, com marcas do domínio religioso, enfatizando os padrões da Europa, que perduraram por vasto período de tempo, servindo de base para a construção de valores nacionais, nos mais diversos terrenos da cultura. Nossa escolha pelos períodos artísticos, feita no capítulo anterior, procura revelar a colonização do pensamento educacional brasileiro.

            Segundo SANTOMAURO (2009, p.05), em 1816, durante o governo de Dom João VI, é criada a Academia Imperial de Belas Artes, através da Missão Artística Francesa, que trouxe modelos europeus, estruturando oficialmente o ensino de arte nas escolas. Até o início do século 20, o ensino do desenho era visto como uma preparação para o trabalho em fábricas e serviços artesanais, sendo valorizados o traço, a repetição de modelos e o desenho geométrico. Quanto mais parecido com o original, então melhor o aluno teria se saído. O professor adotava uma postura autoritária, transmitia o conhecimento e o aluno absorvia.

            Em 1922, ocorreu em São Paulo a Semana de Arte Moderna. Apesar da efervescência das manifestações do evento, o ensino continuou seguindo as tendências da escola tradicional, que valorizava a cópia de modelos. 

            Em 1935, o escritor Mario de Andrade, então diretor do Departamento de Cultura do município de São Paulo, promove um concurso de desenho para crianças com tema livre. O ganhador recebe uma quantia em dinheiro. 

            No ano de 1948, surgia um movimento chamado de escolinhas de arte, coordenado por Augusto Rodrigues, inicialmente era um grupo informal de artistas que se encontravam para falar sobre o desenvolvimento da criança e sua formação dentro da arte. Ela teve início sem fazer alarde e sem chamar muito a atenção, era apenas um espaço sem nome onde algumas pessoas que se importavam com arte e com as crianças poderiam ajudá-las de alguma forma. Seu principal objetivo era disseminar entre as crianças e adolescentes a auto expressão por meio do ensino das artes. Antes mesmo de ela se tornar matéria obrigatória nas salas de aula. (Santomauro, 2009)

            O movimento da escola nova surge trazendo ideias como: o processo é mais importante do que o resultado, uma grande valorização do desenho criativo e da espontaneidade para iniciativas em sala de aula. Os pioneiros do escolanovismo no Brasil passaram então a defender a expressão interior, nos anos de 1930 e 1940.

            Em 1960,  como a efervescência de movimentos como a bossa nova, o ensino de arte nas escolas teve uma significativa mudança em todo o país, a tendência da livre expressão se expandir pelas redes de ensino. O professor abandona sua postura ditatorial e não cabe a ele dizer se o que o aluno produziu está certo ou errado, nem mesmo de utilizar outras produções artísticas para influenciar seus alunos. É o chamado desenho interior.

            A arte até então não estava inserida no currículo das escolas, foi só depois do acordo MEC-USAD, estabelecido pelas Nações Unidas em 1971, que a arte passou a integrar o currículo das escolas, este acordo previa uma educação tecnologicamente orientada para escolas primárias e secundárias. Esta conquista pela arte foi na verdade um projeto idealizado por educadores norte-americanos. Era apenas uma forma de conseguir mão de obra treinada e barata para as multinacionais que se estabeleciam no país na época da ditadura militar.

            Santomauro 2009 relata que: ainda em 1971a arte era a única porta para as ciências humanas e trabalho criativo nas escolas, já que filosofia e história não faziam mais parte do currículo. Contudo as universidades não formavam arte-educadores, havia apenas cursos de desenho, em sua maioria desenho geométrico. Enquanto isso, já totalizavam 32 as escolinhas de arte que agora não eram apenas para crianças e jovens, mas também para formar professores para ministrarem as aluas de educação artística. 

            Em 1973 foram criados os primeiros cursos de Licenciatura em Arte, com dois anos de duração e voltados à formação de professores capazes de lecionar música, teatro, artes visuais, desenho, dança e desenho geométrico.  Apenas em 1973, as universidades começaram a formar arte-educadores, infelizmente com um currículo básico, em um período de dois anos. O que, se pensarmos um pouco, é quase uma piada, pois eles almejavam que um aluno com aproximadamente 18 anos (idade em que normalmente os estudantes ingressavam nas universidades) em dois anos aprendesse como ensinar artes visuais, dança, teatro, música, desenho e desenho geométrico para alunos de 1ª à 8ª series e às vezes para alunos de 2º grau simultaneamente. 

            Somente no estado de São Paulo, poucas universidades, algumas delas públicas, se recusaram a ministrar este curso em um espaço de tempo tão curto, oferecendo assim um curso de quatro anos de duração, mesmo assim somente o currículo básico, que não dá condições para que o aluno desenvolva uma metodologia para o ensino de tantas matérias.

            Dez anos mais tarde Ana Mae Barbosa entrevistou aproximadamente 2500 professores de artes de escolas de São Paulo. A maioria apontavam que o principal objetivo de um curso deveria ser o desenvolvimento da criatividade. Diversas vezes a criatividade era confundida com autoliberação e originalidade, por professores que praticavam o ensino das artes visuais, em especial, o desenho. Já professores que lecionavam o canto-coral, a criatividade era confundida com autoliberação e organização.

            O autor pondera que não podemos culpá-los por esta confusão, afinal mesmo em 11 currículos, analisados por Barbosa, de universidades em que o projeto pedagógico se estendia além do básico imposto pela MEC, não havia qualquer menção a disciplina Criatividade ou algo que se assemelhasse.

            Barbosa encontrou em apenas uma universidade de São Paulo, entre os anos de 1977 e 1979, o registro de apenas uma disciplina intitulada: Teoria da Criatividade, ministrada em cursos de artes nas áreas de cinema, música, artes visuais e teatro.

            Além de não haver formação para identificar ou mesmo desenvolver a criatividade dos alunos, ainda havia o fator sociedade que pesava bastante no discernimento do professor, que após 19 anos de ditadura militar poderia expressar-se livremente sem medo de ser censurado.

            De 1982 a 1989 foram desenvolvidas pesquisas sobre três ideias (fazer, ler imagens e estudar a história da arte), Ana Mae Barbosa cria a proposta triangular, que inova ao colocar obras como referência para os alunos. Uma nova perspectiva didática se apresentava, a do desenho cultivado. O aspecto triangular se referia ao consumo, produção de arte e reflexão sobre a mesma.

            Uma outra pesquisa realizada entre os anos de 1983 e 1985, Heloisa Ferraz e Ideméia Siqueira, analisando 150 questionários respondidos por professores de artes, apontavam que sua maior fonte de ensino eram os livros. Estes eram uma forma de ensino básico sobre o desenho geométrico sem nenhuma preocupação com a autoliberação, o que é uma contradição à 1ª pesquisa realizada por Barbosa.

não quero parecer apocalíptica em afirmar que 17 anos de ensino obrigatório da arte não desenvolveram a qualidade estética da arte-educação nas escolas. O problema de baixa qualidade afeta não somente a arte-educação, mas todas as ouras áreas de ensino no Brasil. (BARBOSA 2001, p.173).

 

3.1 OS AVANÇOS HISTÓRICOS DA LEGISLAÇÃO PARA O ENSINO DE ARTE

            Este subcapítulo se fez de grande valia para que possamos notar os avanços alcançados e as melhorias que ainda se fazem necessárias no ensino de artes. Os autores que o fundamentam são os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), Barbosa e Santomauro.

A década de 1980 ficou conhecida como a década da crítica à educação criada pela ditadura e de pesquisa para solucionar os problemas.  A primeira atitude democrática em larga escala histórica, tomada após a ditadura foi a de criar uma nova constituição.

A constituição da Nova República de 1988 menciona cinco vezes as artes no que se refere a proteção de obras, liberdade de expressão e identidade nacional. Na seção sobre educação, artigo 206, parágrafo II, a constituição determina: ‘o ensino tomará lugar sobre os seguintes princípios (...). II – liberdade para aprender, ensinar, pesquisar e disseminar pensamento, arte e conhecimento.’ Esta é uma conquista dos arte-educadores. (BARBOSA  2001, p. 173)

            Notemos a importância histórica da Constituição Federal de 1988 para o ensino de artes. Um novo alento para os arte-educadores. O mesmo afirmamos sobre a LDB, nº 9394/96:

A LDB n. 9.394/96, passa a considerar a Arte como disciplina obrigatória da Educação Básica. Os Parâmetros Curriculares Nacionais definem que ela é composta de quatro linguagens: artes visuais, dança, música e teatro. (SANTOMAURO, 2009 p.05)

            O PCN de Arte criado no ano de 1996 tem já em seu início uma carta ao professor[1], o documento tem o objetivo de ser um guia para os professores de arte, ele não é obrigatório por ser um parâmetro, mas todo professor de artes deveria tê-lo como livro de cabeceira, devido a sua utilidade.

            O PCN de arte afirma sobre o desenvolvimento da criança que:

Arte tem uma função tão importante quanto a dos outros conhecimentos no processo de ensino e aprendizagem. A área de Arte está relacionada com as demais áreas e tem suas especificidades. A educação em Arte propicia o desenvolvimento do pensamento artístico e da percepção estética, que caracterizam um modo próprio de ordenar e dar sentido à experiência humana. (BRASIL, 1996, p.19)

            É por meio da arte que a criança desenvolve suas capacidades de sentir o mundo, é somente pela arte que ela consegue perceber que mundo não é só o que ela pode ver, mas também o que ela pode sentir e imaginar.

            Por meio da arte, a criança desenvolve suas capacidades de sentir o mundo, é somente pela arte que ela consegue perceber que mundo não é só o que ela pode ver, mas também o que ela pode sentir e imaginar.

As formas artísticas apresentam uma síntese subjetiva de significações construídas por meio de imagens poéticas (visuais, sonoras, corporais, ou de conjuntos de palavras, como no texto literário ou teatral). Não é um discurso linear sobre objetos, fatos, questões, idéias e sentimentos. A forma artística é antes uma combinação de imagens que são objetos, fatos, questões, idéias e sentimentos, ordenados não pelas leis da lógica objetiva, mas por uma lógica intrínseca ao domínio do imaginário. (BRASIL, 1996 –PCN-arte.p.28)

            A cada instante da vida seja do artista ou do espectador, as percepções são diferentes. Não porque a obra mude com o tempo, mas a forma como nós a percebemos, somos sujeitos em construção e isso nos faz ser diferentes a cada momento da vida.

 O artista faz com que dois e dois possam ser cinco, uma árvore possa ser azul, uma tartaruga possa voar. A arte não representa ou reflete a realidade, ela é realidade percebida de um outro ponto de vista. O artista desafia as coisas como são, para revelar como poderiam ser, segundo um certo modo de significar o mundo que lhe é próprio. O conhecimento artístico se realiza em momentos singulares, intraduzíveis, do artista ou do espectador com aquela obra particular, num instante particular. (BRASIL-1996–PCN-arte, p.28)

            Sendo a arte tão espetacular, não pode permanecer inerte transformando-se a cada etapa da vida um pouco mais devido as experiências pelas quais passamos com decorrer do tempo.

            Uma parte do processo criador vem das experiências vividas pelo artista no decorrer de sua vida. Um artista pode em determinado tempo criar uma obra e após esse período a odiar, pois ela retrata uma situação que ele julga não ser mais a melhor forma de expressar o que ele queria. É o íntimo de cada um que revela a intencionalidade da obra, para cada etapa de sua vida.

Assim como cada frase ganha sentido no conjunto do texto, realizando o todo da forma literária, cada elemento visual, musical, dramático ou de movimento tem seu lugar e se relaciona com os demais daquela forma artística específica. — A forma artística fala por si mesma, independe e vai além das intenções do artista. (...)A forma artística pode significar coisas diferentes, resultantes da experiência de apreciação de cada um. Seja na forma de alegoria, de formulação crítica, de descoberta de padrões formais, de propaganda ideológica, de pura poesia, a obra de arte ganha significado na fruição de cada espectador. (BRASIL, 1996 -PCN-Arte.p.29)

 

            Segundo o PCN, ensinar arte é o caminho mais eficaz, ou seja, quando trabalhamos com o texto literário, a canção, a imagem, etc, possibilitamos ao aluno uma produção mais eficaz, como portadores de informação e sentido. O aluno, em construção de significados, precisa ser convidado a se exercitar nas práticas de aprender a ver, observar, ouvir, atuar, tocar e refletir sobre elas.

            Nesse sentido, a proposta de Ana Mae se faz pertinente, pois, somente se conhece a arte quando se reflete sobre a mesma e assim passa a existir a possibilidade de criar a necessidade que o ser humano sente de conhecer; a arte é sobretudo descrita como uma atitude humana, ou melhor dizendo, uma atitude subjetiva, em busca de sua própria história.

Além do conhecimento artístico como experiência estética direta da obra de arte, o universo da arte contém também um outro tipo de conhecimento, gerado pela necessidade de investigar o campo artístico como atividade humana. Tal conhecimento delimita o fenômeno artístico: — como produto das culturas; — como parte da História; — como estrutura formal na qual podem ser identificados os elementos que compõem os trabalhos artísticos e os princípios que regem sua combinação. É função da escola instrumentar os alunos na compreensão que podem ter dessas questões, em cada nível de desenvolvimento, para que sua produção artística ganhe sentido e possa se enriquecer também pela reflexão sobre a arte como objeto de conhecimento grifo meu. (BRASIL, 1996 -PCN-Arte.p.31)

            É importante proporcionar aos alunos a compreensão do sentido do fazer artístico e que suas experiências de desenhar, cantar, dançar ou dramatizar não sejam atividades que visem distraí-los da “seriedade” das outras disciplinas, mas sim fazer e conhecer arte no seu mais amplo significado.

A arte é um modo privilegiado de conhecimento e aproximação entre indivíduos de culturas distintas, pois favorece o reconhecimento de semelhanças e diferenças expressas nos produtos artísticos e concepções estéticas, num plano que vai além do discurso verbal: uma criança da cidade, ao observar uma dança indígena, estabelece um contato com o índio que pode revelar mais sobre o valor e a extensão de seu universo do que uma explanação sobre a função do rito nas comunidades indígenas. E vice-versa. (BRASIL, 1996 -PCN-Arte.p.33)

 

Devido à grande diversidade das nações indígenas, é difícil não se encantar com sua extensa cultura e mesmo descrevê-la; a arte indígena é a representação de mundos, cosmologias, etnias que foram vencidas pela governança branca. Por isso, essa arte é tão diversificada. Nessa mesma direção, de valorizar a diversidade étnica, o Presidente da República alterou a Lei 9394, de 20 de dezembro de 1996, para incluir a temática "História e Cultura Afro-Brasileira", no currículo oficial da rede de ensino em especial nas disciplinas de História e Educação Artística, com a  LEI N° 10.639, de 09/01/2003:

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.

§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.

§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.

 (BRASIL, 2003)

As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, no Art. 3º estabelecem os princípios Éticos, Políticos e Estéticos que devem ser seguidos por todas as instituições educacionais. As diretrizes ainda indicam como referência os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), para que se monte o currículo da instituição. A quarta diretriz traz um projeto de sociedade que se almeja construir, visando o reconhecimento da identidade individual e grupal, em que se insere. Com relação aos conteúdos ligados aos princípios estéticos, temos a recomendação do ensino de Educação Artística, com uma das disciplinas da Base Nacional Comum para a Educação Fundamental (LDB, art. 9°).

            Ainda no ano de 2008, o Presidente da República sanciona a Lei nº 11.769 que é uma emenda na LDB que torna obrigatório em toda escola de Educação Básica o ensino de Música, com o objetivo de desenvolver a Sensibilidade, a Criação e a Integração do educando, devido aos inúmeros estudos a respeito dos avanços que as aulas de Música proporcionam ao aprendizado de outras matérias.

            Poderíamos continuar a enumerar leis e políticas públicas que procuram determinar a inserção do ensino de arte na Educação Básica e que se alinham à própria história das disciplinas artísticas no país, o que alongaria muito o texto, sendo que o formato desta monografia não nos permite. É importante percebermos que houve muitos avanços, mas o grande problema ainda é a falta de formação docente para a Arte-Educação, a principal razão de nossa pesquisa.

*Professoras efetivas da rede municipal de Rondonópolis-MT

[1] Verificar nos anexos.