A casa estava silenciosa, dava para ouvir o barulho da rua, um carro ou moto que passava raramente, alguém usando uma máquina de cortar madeira à distância, mas nem sinal do Eduardo, o silêncio deixou sua mãe Enessea desconfiada, falando consigo mesma: - Essa mania desse menino espiar as coisas dos outros, ainda vai me dar aborrecimentos.                   

           Caminha pela casa, abrindo e fechando portas, chamando pelo filho: - Duda meu filho, onde você está moleque? 

           Finalmente chega à porta do quintal, ao sair avista o danado do menino usando o telhado de seu Brasiliano como ponte para bisbilhotar a casa do senhor Xiang, um china comunista da vizinhança.

           Dona Enessea, em seus 61 anos de idade, nunca tinha visto uma peraltice tão grande do garoto Eduardo, aos berros, chama a atenção do mesmo:

- Duda meu filho, cuidado com esse telhado, desce daí danado, pelo o amor de Deus, isso pode desabar meu filho, material de péssima qualidade, é extremamente perigoso, desce daí moleque. E falando consigo mesma, mania dela: - Ainda mais se comadre Dilma te pega, que constrangimento, vai dizer que você está espiando é a casa dela.

           Só dá tempo fechar a boca, o garoto não cai, mas comadre Dilma de seu Brasiliano, descobre o Duda e ameaça:

- Vou dizer a compadre Russen, teu pai, seu moleque, pois quem manda aí é ele mesmo, comadre Enessea, tua mãe, só obedece.

           Dona Enessea usa ou usa Dona Enessea, uma expressão popular como resposta à comadre Dilma: - Aí quem canta de galo é a comadre, já aqui é o contrário.       

           Começa um bate boca entre as duas que chama a atenção da vizinhança, nisso sai seu Brasiliano, enquanto o moleque lá de cima grita: - É fantástico.

           Para complicar a situação, vem se aproximando pela calçada, já bem próximo ao portão, justamente seu Russen, visto primeiramente pelo Eduardo que exclama em voz alta: - Lá vem o pai. E desce do telhado rápido como um rastilho de pólvora.

Dona Dilma é a primeira a falar: - Compadre Russen, isso afeta nossa amizade, o fedelho do seu filho estava espionando minha casa, tentando descobrir nossos mais íntimos segredos.

- Comadre Dilma, eu estava viajando, chego cansado, quero tomar um banho, comer alguma coisa, talvez até dormir um pouco, e a senhora me vem com essa história de espionagem. Aliás, que segredos vocês tem que já não seja público e notório, todos os males de sua casa é de conhecimento geral e que diabos vocês ainda tem a esconder. Dizendo isso, Seu Hussen se afastra e se dirige à porta de sua casa, onde já se encontram esposa e filho.

           - Compadre Hussen eu estou perplexa, nunca esperei tamanho descaso, esse menino poderia descobrir segredos de zelo domiciliar que só dizem respeito aos meus. Replica dona Dilma.

           Seu Brasiliano, boquiaberto, olha de um para o outro, sem dizer uma palavra. Porém, sua cabeça está cheia de reflexões. De repente, antes mesmo da tréplica do seu Hussen, olhando para sua Dilma, desabafa:

- Zelo domiciliar? Aos meus? Aos meus é negado o mínimo para uma vida digna, em nada lhes interessam algum segredo, o segredo é que você não sabe governar a casa.

Todos da vizinhança começam a aplaudir e emocionados começam a cantar o hino nacional, talvez por achar alguma semelhança da casa de dona Dilma com o país.