I – Ascensão dos Juízes de Paz e as Reformas da Constituição de 1824:

O Conselheiro Vicente Alves de Paula Pessoa, ao comentar o Código Criminal do Império, sobre o sistema eletivo dos juizes de paz que foi ardorosamente defendido pelos liberais, teceu os seguintes comentários:

“Foi Eduardo I quem na era de 1275 creou na Inglaterra as justiças de paz. Em Portugal vem de muito tempo os Juizes de Paz, não se sabendo si por lei ou por uso. Suppõe-se que precederam o meiado do século XV, em 1446, quando consta da Ordenação AFF. Liv. 3°. Tit. 20, par. 2°., e tit. 108 par. 6°., sendo que os povos requereram, como do cap. 46 das Côrtes de Evora de 1481, á D. João II (...)” (in comentário ao art. 12, par. 1°, Livraria de A  A da Cruz Coutinho, 1882).

A Constituição outorgada de 1824 trouxe algumas novidades importantes nas áreas da Justiça e da Segurança Pública (arts. 151 até 164). Em seu artigo 161, assim preconizava: “Sem se constar, que se tem intentado o meio da reconciliação, não se começará processo algum”. No artigo seguinte (art. 162) havia outra disposição que estabelecia que “para este fim haverá Juizes de Paz, os quais serão eleitos pelo mesmo tempo e maneira por que se elegem os Vereadores das Câmaras. Suas atribuições e Distritos serão regulados por Lei”. Essas medidas conciliatórias já vinham previstas nas Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, sendo que esta última  vigorou por cerca de duzentos anos, no Livro 3, Título 20, par. 1°. A Lei de 15 de outubro de 1827 que regulamentou a Carta Imperial de 1824, dispôs sobre as atribuições dos juizes de paz, cujo cargo era eletivo. Por meio da Lei de 1°. de outubro de 1828 foi retirada a função jurisdicional das câmaras de vereadores que anteriormente cumulavam funções legislativas com judiciárias e policiais. Também,  nesse mesmo ano de 1828, houve a cessação das atividades dos Comissários de Polícia, cujas funções policiais foram incorporadas aos juizes de paz que passaram a ter as seguintes funções policiais (Aviso de 26 de outubro de 1829): 1. Fazer o exame de corpo delito que não era privativo, pois poderiam fazê-lo também os juizes de direito; 2. Reprimir e conter os criminosos, dentro dos limites das leis; 3. Fazer observar as posturas municipais e impor as respectivas penas aos transgressores; 4.  Vigiar a conservação das matas e florestas  públicas e particulares; 5. Compor as contendas sobre caminhos particulares, passagens, rios,  logradouros e etc.; 6. Dividir os distritos em quarteirões de 25 fogos, nomeando um inspetor para cada um deles para que exercesse a vigilância e prestasse as informações à autoridade; 7. Desfazer ajuntamentos perigosos e vigiá-los em caso de motim; 8. Custodiar bêbados; 9. Evitar rixas; 10. Exercer inspeção sobre vadios e mendigos e submetê-los ao trabalho; 11. Ter consigo uma relação dos criminosos e realizar as suas prisões.  Em 16 de dezembro de 1830 tivemos o nosso primeiro Código Criminal que teve vigência por sessenta anos,  resultado de dois projetos diferentes encaminhados em 1827 à Assembléia Geral  Constituinte .

II – Inovações Introduzidas pelo Código de Processo Criminal do Império e Fim das atividades policiais pelos Juízes de Paz – Restauração dos Cargos de Delegados de Polícia:

Em 29 de novembro de 1832 foi promulgado o nosso primeiro Código de Processo Criminal. Consagrou as atribuições judiciais,  administrativas e policiais, previstas anteriormente. Dispôs expressamente sobre a absorção  pelos juizes de paz das atribuições anteriormente exercidas pelos juizes de fora e delegados (art. 12). Criou a Chefia de Policia nas províncias (ver índice: Chefia de Polícia) e manteve a divisão territorial das províncias previstas em legislação anterior (art. 1°. “Nas Províncias do Imperio, para a Administração Criminal nos Juízos de primeira instancia, continuará a divisão em Districtos de Paz, Termos, e Comarcas”). Os Termos eram subdivisões de comarcas, compreendendo um ou mais municípios. Para que pudesse haver um termo, era necessário que o município tivesse mais de 50 jurados.

O referido sistema em que os juizes de paz respondiam pelas funções de autoridades policiais perdurou até a edição da Lei n. 261, de 3 de dezembro de 1841. Por meio dessa nova reforma centralizadora - protagonizada pelos conservadores em contraposição a anterior (dos liberais)  que  primava pela descentralização do poder,  atribuiu-se, além de outras,   as funções já previstas no Código de Processo Criminal/1832 para os cargos de Delegado e Subdelegados de Polícia. A investidura de funções policiais ao juizes de paz,  logo de início mostrou-se vulnerável e inviabilizou-se considerando a realidade brasileira  monárquica dentro do torrão americano, pois favorecia ideais separatistas. Os juizes de paz (cargo eletivo) envolviam-se em conflitos eleitorais e  muitas vezes mostravam-se comprometidos e parciais nas suas decisões, demonstrando que não estavam preparados para assumir os misteres policiais, situação essa agravada também pelo acúmulo de atribuições (art. 1°.).

Segundo o  Conselheiro Vicente Alves de Paula Pessoa (comentários ao Código Criminal do Império):

“(...) Entre nós foram creadas pela carta de Lei de 15 de Outubro de 1827, sendo inquiridores e contadores no juízo, pelos arts. 3° e 6° do Decreto de 20 de Setembro de 1829 e art. 85, par. 14 do Decreto n. 2.713 de 26 de Dezembro de 1860 (...). A idéa das Justiças de Paz, é feliz e seductora, assim, a escolha dos homens não a viciasse, quando, antes de tudo, convém por tal cargo um cidadão de juízo seguro, o conhecimento dos homens e da localidade, a noção dos habitos da população e um bom senso com calma admirável. Entre nós, a escolha quase sempre é pouco feliz, quando seria tão facil aceitar o conselho de Dupin, não se elegendo sinão os homens que tenham meio de vida independente, com mais consistencia pessoal e mais ascendente, sobre a população.  Borguignon, com Henriou de Pansey, recomendam que se escluam os simples proletarios que ambicionam o lugar por ganancia, e os obtêm por meio de intrigas. Instrucção, independencia, consideração pessoal, diz Bordeaux, são tres qualidades indispensaveis a esses magistrados populares, convindo que as justiças de paz sejam constituidas  de modo a poder bem julgar. Dupin ainda diz, é da esolha dos Juizes que tudo depende (...). A primeira e mais nobre attribuição do Juiz de Paz, é a conciliação, que se consegue por conselhos imparciaes e representações desinteressadas, transigindo entre si por meio de concessões reciprocas e fazendo desapparecer os processos e os odios (...)” (ibidem, in Comentários ao art. 12, par. 1°).

João Alfredo Medeiros Vieira, ao estudar o Poder Judiciário Catarinense, mostra as profundas relações que existiam entre as funções judicante e policial. Sobre erros cometidos pelo Judiciário, assim se expressou:

“É certo que houve, na esfera judiciária em todo o Império, diversos deslizes, erros e excessos. Na Ilha de Santa Catarina, estes provieram principalmente dos juizes de paz, alguns mal iniciados em suas funções, outros extrapolando das prerrogativas, diversos confundindo as atribuições com remoques pessoais, pequenas vinditas, discórdias de natureza política, etc. Não consta, porém, que naquela fase, incidissem, via de regra, nos mesmos erros, os juizes togados, ao contrário do que ocorria em muitas Províncias, onde fatos gravíssimos eram atribuídos a bom número de magistrados (...)” (in ‘Notas para a História do Poder Judiciário em Santa Catarina’,  FCC, 1981, p. 51). 

Após o período em que os juizes de fora dominaram o cenário político, judicial, policial e administrativo, cujo presença na Província de Santa Catarina terminou em 1825, como já me reportei anteriormente, surgiram os juízes de paz que passaram a ocupar a lacuna deixada por aqueles ancestrais de nossas autoridades.  Os primeiros juizes de paz foram investidos inicialmente nas suas funções pelo Presidente da Província Miguel de Souza Mello Alvim.  Foi somente a partir da legislação de 1827 que passaram a desempenhar uma função que lhes foi destinada pelos ‘reformistas do Império’ e que constava na Carta outorgada de 1824, no sentido de responderam, especialmente: a) aos interesses do governo provincial em termos de assegurar um regime de dominação descentralizada e que assegurava a estabilidade das relações entre senhores e escravos e que estava prestes a ficar comprometida; b) aos interesses dos brancos em detrimento dos índios, especialmente quanto a posse das terras; e c) também, ao desenvolvimento de funções jurisdicionais e de polícia judiciária.

O art. 9°., do Código de Processo Criminal do Império estabeleceu que:  “a nomeação, ou eleição dos Juizes de Paz se fará na forma das Leis em vigor, com a differença porém de conter quatro nomes a lista do Eleitor de cada Districto”. O art. 10, desse mesmo diploma,  preconizava que:  “Os quatro Cidadãos mais votados serão os Juizes, cada um dos quaes servirá um anno, precedendo sempre aos outros aquelle, que tiver maior  numero de votos. Quando um dos Juizes que estiver servindo, os outros tres serão seus Supplentes, guardada, quando tenha lugar, a mesma ordem entre os que não tiverem ainda exercido esta substituição”. 

Nesse período de predominância dos juizes de paz, os ‘dellegados de polícia’ de distritos mostram-se presentes e atuaram como auxiliares desses Juizados de reconciliação, tendo começado a aparecer paulatinamente nos rincões do território catarinense. No período de predominância dos juizes de paz na esfera policial,  manteve-se esses cidadãos que se denominavam por ‘Dellegados” (ver índice: juiz de fora), entretanto, subordinados hierarquicamente aos respectivos juizes de paz . Nesse sentido, trago documentos daquela época e que serve para ilustrar as considerações sobreditas, vejamos:

1°. - DOCUMENTO: DO: Juiz de Paz  de São Francisco do Sul - Bento Gonzalez de Mello Cordeiro; AO: Presidente da Província -  Feliciano Nunes Pires; ASSUNTO: Informa que recebeu as leis referentes ao alistamento das Guardas Nacional e Municipal - “Ilcmo. e Exmo. Snr. Recebendo o off°. deV. Ex.ª do 20 passado recebi igualmente em 1° do corrente  da camara municipal desta Vossa com a cópia das leis e decretos e naquele mencionados imediatamente entrei em cumprimento e execução do quanto respeita o meo cargo no mando os delegados que me pareciram  necessários, além do mais pronto serviço dos povos desse destricto: Tenho nomiado o juramento commndante geral para o corpo municipal o Sargento Mor Joaquim  Jose Oliveira do serviço de ordenanças para estar bem convencido de sua constitucionalidade e carather estão no alistamento das pessoas para o cargo das guardas, e para concluir,  e poder fazer contr-a V. Exa. o número me escrito do seguinte esclarecimento que pessa a V. Exa. seu thizouro do sello dos (?)  forences, seo colletor dos dizimos de ixportação seo cocheiro de cobrador das siras dos livros de  (?) seo (?) letras (?) impregados publicos que e isto não devam ser alistados e finalmente seos milicianos (corroido) que concorrem as circunstâncias (corroído) guarda perdurem podera ser alistados  um com as ordens d’ Vossa Excelência como servirei  esta d’ligencia. Para dar parte de N. Deos Guarde V. Exa. . Rio de São Francisco 3 de 8bro de 1831. Ilcmo Sr. Feliciano Nunes Pires; Juiz de Paz Bento Gonzalez de Mello Cordeiro”. 2°. - DOCUMENTO: “DO:  Juiz de Paz de São Miguel (Biguaçu) - Thomé da Rocha Linhares; AO: Presidente da Província - Feliciano Nunes Pires; Assunto: Presta esclarecimentos acerca da denúncia feita contra oficiais de justiça pelo morador Antonio Francisco da Fonte; “Ilcmo. Exmo. Senr°. Prezidente; “Autorizado pello respeitavel despacho retro, sou a dizer que junto remeto o proprio officio do Dellegado de aquelle lugar, aonde mora o auctor Antonio Franco da Fonte e de sua resposta e mais informações por mim tirada, he falço o ataque, que dis o mesmo Fontes fora feito pelos officiais da diligencia em sua caza (...)”. Freguezia de São Miguel a 20 de dezbro de 1831; Thomé da Rocha Linhares; Juis de Pas”.  3°. - DOCUMENTO: DO:  Delegado do Distrito da Caheira -  São Miguel (Biguaçu) - Manoel Joaquim da Costa; AO: Escrivão da Câmara de São Miguel - Jozé Francisco da Silva Serpa; Assunto: Presta esclarecimentos acerca das diligências que realizou em razão da denúncia feita contra oficiais de justiça pelo morador Antonio Francisco da Fonte; “Paçei a indagar pela a vizinhança se çabião se Antonio Francisco da Fonte ce foi atacado pelo oficiaes de Gustiça não  há peçoa que asestiçe inem qie vose a jece a wazzi taque dis Anna Maria Barçelos que estava na caza do dito Fonte quando o ditos oficiaes da gustiçia (?) ilerão hum papel ique não hove nada hé o que se me ofereçe de dezer a Vossas Ilustríssimos. Deos Guarde Distritro da Caheira 12 de dzbro de 1831; Snr Escrivão Francisco da Silva Serpa; Manoel Joaquim da Costa; Dellegado”. 4°. - DOCUMENTO: DO: Juiz de Paz de Itajai; AO: Presidente da Província - Feliciano Nunes Pires; Assunto: Informa recebimento de ofício contendo dados sobre o alistamento de cidadãos para comporem as Guardas Nacional e Municipal - “A 20 recebi o officio de V. Exa. de 6 em que me ordena a pronta e inteira execução do Artigo 10° do Decreto de 14 de junho, expedido em virtude da Carta de  Lei de 6 do mesmo mez; a cuja ordem e alistamento darei pronto cumprimento, logo que me seja destribuída pela câmara municipal a dita Carta de Lei, a qual nesta mesma dacta passo por officio por via da Parada; e do seu cumprimento darei parte à V. Exa. como me ordena podendo eu desde já somente dizer à V. Exa. em virtude das comunicaçoens desta Presidencia, em datas de 15 de março e de 23 de abril do anno corrente, hé Comandante Geral deste Districto, e de Itapocoroya, o Capitão Antonio de Carvalho Bueno da Villa de São Francisco, e o delegado neste distrito Benigno Lopes e (?). Deos Guarde a V. Exa.; Itajahy 21 de setembro de 1831. Ilcmo. e Exmo. Senhor Prezidente da Provincia Feliciano Nunes Pires; Antonio Correa Negreiros - Juiz de Paz”.

 

DOCUMENTO N. 1

(RELAÇÃO N1)

“Dos cidadãos que julgo idoneos e com quesitos da Lei

para serem escolhidos para Juizes Municipaes interinos deste

Município na Forma do artigo 19 das Reformas”
 

 

NOMES

 

OCUPAÇÃO

 

OBSERVAÇÕES

 

João de Almeida Coelho

Coronel Reformado

Atual Juiz Municipal (?)

T homas Silveira de Souza

Cirurgião (?) Reformado

Tem o impedimento de sua profissão, porém já tem servido interinamente este lugar sem que tenha escusado

João Francisco Cidade

Negociante

Pode ter impossibilidade de residir permanentemente no Districto com prejuízo de seos interesses; porém já tem servido por espaço de hum anno Juizado de Órffãos da Cidade.

Manoel Antonio da Luz

Major de Milícias

Atual Juiz de Órffãos e por isso sem escusa (?)

José Antonio do Cesta Frade

Lavrador

Porém tem uma residencia continua na cidade e tem sido por veses Juis de Pas desta Capital e possui esse impedimento

Policarpo José de Campos

Major Reformado

Parece não tem impedimento tem provido já por veses este lugar no Juis de Paz

José Antonio da Costa Fraga

Proprietário

Idem

Domingo Luiz do Livramento

Negociante

Parece ter impedimento de residir permanentemente no Districto com prejuízo dos seos interesses = Tem  sido Navrador da Câmara

Francisco de Souza Fagundes

Lavrador

Parece não ter impedimento

Marcos Antonio da

Silva Mafra

Negociante

Parece ter impossibilidade de residir permanentemente no Districto com prejuiso dos seus interesses. He Navrador da Camara.

José Maria da Lus

Idem

Idem

Manoel Marques Gumiaras

Idem

Idem

Januário Correia Fernandes

Idem

Idem

Francisco Duarte Silva

Idem

Tem mesma impossibilidade acima

Manoel Francisco (?) Neto

Idem

Idem

José Pereira Sarmento

Major Reformado

Parece não ter impedimento tal que impossibilite; e tem taes os quesitos da Lei.

Alexandre Januário da Silva

Empregado aposentado

Idem

Estevão Brocardo de Mattos

Idem

Idem