Joacir Soares d'Abadia[2] e Ricardo M. L. Corado Valente[3]

A peculiaridade da mensagem cristã em seu aspecto definitivo e absoluto diante da universalidade da vontade salvífica de Deus ofertada a todos os homens requer a compreensão dos termos: história da salvação e história da revelação.

O homem é um ser histórico, um sujeito de transcendência. Somente o homem pode ser considerado um ser histórico. E a história é lugar, o evento de transcendência uma vez que nela está o homem como figura central. Deus continuamente age na historia da humanidade de um modo salvífico, ao passo que até seu ato criador já é início de sua vontade salvífica. Para Karl Rahner todo acontecimento histórico é história da salvação.

A auto-doação de Deus, a sua auto-oferta em que Deus se comunica ao homem é dada enquanto possibilidade, podendo a salvação ser acolhida ou não pelo homem. O homem faz, existe e se percebe a si mesmo na história. E tudo isso porque vive a relação de transcendente na história. O homem não é atemporal, ele é ser histórico e sujeito transcendente e ambos os aspectos são inseparáveis.

A história da salvação não se limita a um evento religioso. Onde há história coletiva e individual do gênero humano há história da salvação, uma vez que existe uma séria e operante vontade salvífica de Deus ofertada a todos os homens. Para Rahner o cristão não pode limitar a história da salvação a revelação vetero e neotestamentária. Ela é coexistente: tanto a salvação quanto a revelação. "Não há ação salvífica de Deus no homem que não seja ao mesmo tempo ação salvífica do homem" (RAHNER, 1904, p. 175). Deus não salva o homem sem a sua participação: "Deus é o Senhor soberano de seus desígnios. Mas, para a realização dos mesmos, serve-se também do concurso das criaturas. Isso não é um sinal de fraqueza, mas da grandeza e da bondade do Deus Todo-Poderoso. Pois Deus não somente dá às suas criaturas o existir, mas também a dignidade de agirem elas mesmas, de serem causas e princípios umas das outras e de assim cooperarem no cumprimento de seu desígnio" (Catecismo § 306). Ele é chamado a acolher ou recusar o plano salvífico de Deus. A salvação, diz Rahner, jamais acontece sem o envolvimento das pessoas e sem o envolvimento de suas liberdades.

A história universal do mundo significa história da salvação. Essa história da salvação é, em razão disso, história a partir de Deus. Mas quem pode encontrar a salvação? Para Rahner a pessoa que não se fecha para Deus no último ato de sua vida e liberdade por pecado livre e pessoal, pelo que seja real e subjetivamente culpada e de cuja a responsabilidade não pode equivocar-se. Essa pessoa encontra a salvação.

O homem tem a possibilidade de encontrar a Deus na história de diversos modos através da revelação natural e sobrenatural. É impossível negar isso, pois a compreensão cristã da existência opina que na prática se deve dar pôr assegurado que a vida moral inteira de uma pessoa entra no campo da atividade salvífica sobrenatural, e que a observância da lei moral natural é em si mesma salvífica, e não é só pré-condição e conseqüência extrínseca. Uma atividade salvífica sem fé é impossível, afirma Rahner, a fé sem encontro com Deus que se revela pessoalmente a si mesmo é contradição nos termos.

Há também em destaque aquelas pessoas enquanto portadoras originárias dessa comunicação reveladora de Deus. Elas são reconhecidas como profetas. São concebidas como indivíduos nos quais a auto-explicação da experiência transcendental sobrenatural e da sua história acontece em ações e palavras. O profeta não é nada mais do que o crente que logra expressar corretamente sua experiência transcendental de Deus. Está na natureza do homem que sua própria auto-explicação humana e sobrenatural venha a se efetuar na história da comunicação inter-humana. Desta forma, pode-se afirmar com veemência que o homem é sempre homem com outros homens.

É possível estruturar toda a história da revelação? Ao que responde Rahner, faz nos perceber que é impossível estruturar de maneira teológica mais precisa esse período pré-bíblico e imanente longe de genuína história de salvação e revelação.

A graça santificante e justificante constitui a elevação que diviniza o homem, da qual Deus concebe algo distinto de si, mas entrega-se a si mesmo e sustenta o ato de sua recepção. O homem é divinizado pela graça e não deificado, isto é, ele não passa a ser deus, mas é elevado a autocomunicação. Essa divinização resulta em contato com o agir salvífico de Deus.

Na história da revelação se faz um com os homens, Ele atua por meio da Palavra encarnada. A história da revelação acha seu clímax absoluto quando a autocomunicação de Deus pela união hipostática na encarnação de Deus na realidade espiritual criada de Jesus atinge seu ponto alto insuperável para ele, e, em conseqüência, para nós. E isso ocorre na encarnação do Logos, pois aí o que vem a ser expresso e comunicado – o próprio Deus – o modo de expressão, a saber, a realidade humana de Cristo em sua vida e em seu estado definitivo.

Portanto, a história da salvação é coexistente a historia da revelação. Deus quer a salvação de todos os homens. Essa vontade salvífica de Deus é manifestada sob formas diversas na história, seja no cristianismo revelado ou não. A história da salvação é a vontade salvífica ofertada a cada homem, em cada acontecimento histórico, que resulta na aceitação ou recusa de cada pessoa humana diante da autocomunicação de Deus.



[1] Resumo do tópico do livro "Curso fundamental da fé" de Karl Rahner.



[2] Estudou Filosofia e cursa Teologia no SMAB. Foi finalista no concurso internacional de filosofia da Revista Antorchacultural em 2007 e 2008. Em 2007 Com a obra "Riqueza da Humanidade..." e em 2008 com a obra "Opúsculo do conhecer". tem vários artigos publicados em Jornais tanto de Brasília como de Formosa Goiás; além de manter mensal a coluna "Filosofando" do jornal "Alô Vicentinos".

[3] É formado em Administração pela Unb. Fez Filosofia e cursa Teologia no SMAB.