Thiago B. Soares[1]

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[1] Doutorando (PPGL-UFSCar). E-mail: [email protected]

 

         Dentre as muitas contribuições que a filosofia moderna tem para com a filosofia como uma área do saber humano pode-se citar a de uma retomada da epistemologia do conhecimento, da indagação acerca da natureza humana, e não menos importante, o estudo da centralização do poder em uma mão, do monarca. Nesse sentido, a reconfiguração histórica é de fundamental importância, porquanto muitos foram os abalos que os dogmas do período moderno sofreram por conta de descobertas, formações sociais, revoluções, e aqui a reforma protestante fora crucial no que toca uma nova mentalidade emergente, no conjunto das profundas mudanças o desenvolvimento de tecnologias e a ampliação do ensino; não longe disso estava o fortalecimento de estados-nações que se afirmavam como potencias independentes, econômica, política e linguisticamente. É nesse panorama geral que a filosofia moderna irrompe com os laçosda filosofia fundamentalmente religiosa, num momento de profundas transformações científicas e sociais para apoderar-se dessas alterações, produzindo novos saberes inestimáveis para a humanidade.

            Todavia, este texto não visa de modo algum se esgotar na profundidade das fundações da filosofia da modernidade, que aqui deve ser compreendida em aproximação do século XVII ao XIX. Noutras palavras, não se trata de um trabalho exaustivo, mas, sim, de uma visita a pontos de relativa acuidade para melhor compreensão de alguns pensadores e seus temas, na medida em que tais são incontornáveis ao se estudarfilosofia nesse período, em filigrana, ainda mais quando se trata da filosofia contemporânea. É com certo custo que palmilhar-se-á alguns meandros particulares, a encetar pela concepção de estado centralizado.

            Nesse âmbito, NiccolòMachiavelli (1469 – 1527), ou em português, Maquiavel é um dos grandes responsáveis pelas mudanças nas ideias políticas, na medida em que pregava um estado fortalecido em uma mão, isto é, no monarca, que por sua vez, tinha a responsabilidade de manter a lei e a ordem a todo custo, sobretudo, para se manter como soberano. Esse pensador italiano prescinde do governo idealizado de Platão (427 – 347 a. C.), porquanto é pensando nas falhas humanas que escreve sua obra prima, a saber, “O príncipe” em que deixa bem claro sua razão estratégica em prol de não mais permitir que a religião seja imperante, já que ela deve ser utilizada pelo governo do senhor. Embora Maquiavel seja um dos precursores na forma de pensar o estado moderno cujo governante deve possuir total controle de seus “servos” e da nobreza, pois o príncipe está sobre ambos, sua visão de homem é relativamente negativa na medida em que o pressupõe como sendo fraco para decidir o melhor por si mesmo, então, necessitando da mão-de-ferro da alteridade máxima. Nas palavras do florentino, “Julgo, no entanto, que seja melhor ser impetuoso do que cauteloso, porque a sorte é mulher e, querendo dominá-la, é necessário bater nela e forçá-la” (MAQUIAVEL, 2008, p. 148). Em outras palavras, para manter o poder o príncipe deve ser invulnerável e para tanto não medir esforços e ser impetuoso sem se importar com  nada mais do que o poder. Portanto, os fins justificam os meios, ao passo que o objetivo não é só alcançar o poder, mas manuteni-lo. O homem, então, sai de seu estado puramente servil à religião para estar sob a tutela de quem o proteja enquanto é protegido.

            Nesse sentido, Thomas Hobbes (1588 – 1679) deixa em sua obra magna, a saber, o “Leviatã”, algumas teses fundamentais para a ideia de estado moderno em formação em sua época, de forma não distante de Maquiavel, porquanto ele considera que há necessidade de se instituir um poder absoluto para a garantia da paz, pois considera que o estado de natureza é uma guerra de cada um contra cada um. Desse modo, tal forma de governo é o meio do homem sair de seu estado de selvageria e poder exercer sua “liberdade” afiançada pelo soberano; nas palavras de Hobbes:

 

Durante o tempo em que os seres humanos vivem sem que nenhum poder comum lhe imponha um respeito imiscuído de pavor, sua condição é o que se chama guerra, uma guerra de todos contra todos (apud CAMUS et. al., 2010, p. 166).

 

Isso posto, pode-se dizer com propriedade que uma forma de governo centralizado é uma das características marcantes da idade moderna, e, ainda, que isso não ficou incólume à filosofia na medida em que não somente os pensadores supracitados deram suas participações valiosas no assunto.

            Com efeito, outro pensador que não se exime a discussão é Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778) ao desenvolver uma obra fabulosa,isto é, “O contrato social” em que, grosso modo, passa em revista por praticamente todas as formas de governos possíveis e as comenta com argúcia indelével, contudo precisando que a vontade geral é o único fundamento legítimo da política, assim:

 

Afirmo, portanto, que a soberania, não sendo senão o exercício da vontade geral, jamais pode alienar-se e que o soberano, que não é senão um ser coletivo, não pode ser representado a não ser por si mesmo; é perfeitamente possível transmitir o poder, não porém a vontade (ROUSSEAU, 2008, p. 42).

 

Fica nítida a concepção de governo para Rousseau, que a seu turno, difere de outros pensadores, mormente, quanto à acepção de homem, pois ele o considera naturalmente bom e a sociedade o corromperia, todavia, como não é viável se viver fora da sociedade organizada, há que se ter bem claro as formas desse contrato social a que todos estamos sujeitos.

            Outra figura emblemática do período moderno é René Descartes (1596 – 1650), ao realizar um questionamento fino sobre a verdade cujo leito é a dúvida metódica, que por sua vez, levará à indagação da existência humana, mas que terá uma resposta relativamente simples, porém com pressuposições fortes e alastrantes pela filosofia em diante; a famosa fórmula de Descartes, “Cogito, ergo sum”, implica em“Eu, eu sou, eu, eu existo, isto é certo. Mas por quanto tempo? Ora, enquanto penso, pois talvez pudesse ocorrer também que, se eu já não tivesse nenhum pensamento, deixasse de ser” (DESCARTES, 2004, p. 27). Em outras palavras, a dúvida deve trazer algum conhecimento, no caso de Descartes a primeira certeza que a dúvida traz é de que para se duvidar é preciso pensar, logo, existir para tanto. Por extensão, muitas outras indagações surgem, mas supostas verdades também. Assim, são os desmembramentos desse racionalismo, que pode ser tido antes como inatismo, entre eles o empirismo.

            Dessa feita, um defensor ferrenho do empirismo é David Hume (1711 – 1776), contudo, radicaliza-o ao ponto de chamar a ideia de substância de “nome geral”. Hume faz uma investigação exaustiva sobre o entendimento humano, chegando a asseverar que:

 

No entanto, embora nosso pensamento pareça possuir essa liberdade imensa, verificaremos, por meio de um exame mais meticuloso, que ele está verdadeiramente preso a limites muito reduzidos e que todo poder criador da mente não ultrapassa a faculdade de combinar, de transpor, aumentar ou diminuir os materiais que nos foram fornecidos pelos sentidos e pela experiência (HUME, s/d, p. 30-31).

 

            É impossível não notar a ferrenha determinação em provar que o conhecimento que temos não é senão adquirido pelos sentidos, por conseguinte, pelas experiências que se tem, noutras palavras, não se tem conhecimento a priori de algo ou do mundo. Nesse sentido, Hume está relativamente próximo de John Locke (1632 – 1704), que por sua vez, cria que a pessoa ao nascer era uma tabula rasa em que se imprimiam conteúdos conforme as experiências.

            Todavia, Immanuel Kant (1724 – 1804) levara uma forte peleja no viés entre racionalismo idealista e empirismo radical, então, construindo as críticas ao entendimento humano, mais especificamente, aos limites do saber. Grosso modo, Kant postulara que conhecer se dava pela experiência, no entanto, também pela razão cuja faculdade humana que nos distingue de todos os outros animais é inata. Portanto, Kant concebe um conhecimento a priori e um a posteriori que, em suma, seriam as vias de conhecimento possíveis. Para articular sobre esse aspecto de Kant, Fearn (2004, p. 109) afirma: “(...) o conhecimento puro é meramente o puro conhecimento humano, e o estudo de nossas faculdades é uma investigação da natureza das coisas no mínimo tão válida quanto um estudo direto do próprio mundo”.

            Visto isso, conhecer a realidade é nitidamente inevitável, não sem razão, na medida em que todos os seres humanos são cada qual a sua maneira, agentes do conhecer e pacientes conhecíveis. Sem embargo, não é difícil acreditar nas palavras de Protágoras: “o homem é a medida de todas as coisas”; haja vista que cada ser humano invariavelmente possui certo conhecimento de si e do mundo.

            Todavia, Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 – 1831), considerado o filósofo da transacionalidade por estar entre a idade moderna e a idade contemporânea, vai à contramão dos pensadores anteriores por criar um sistema complexo cuja base é a dialética desenvolvida por ele mesmo, consistindo na transformação da tese na antítese, que por seu turno, se torna em síntese (cf. HEGEL, 2008, p. 23). Hegel considera esse movimento histórico em que a consciência se altera no aspecto de ideia para chegar finalmente em espírito (numa concepção muito ampla em que a cultura alemã usa o termo Geist), melhor dizendo, ele é um dos poucos, para não dizer o primeiro, que aceita a ideia de fluxo contínuo de Heráclito de Éfeso (576 – 480 a. C. aproximadamente). É, nesse sentido, que Hegel é absorvido pelos filósofos como Marx, Nietzsche, Heidegger entre muitos outros.

            Portanto, alguns pensadores marcaram sem a menor sombra de dúvida o movimento moderno dentro da filosofia, uns com fins mais práticos, outros mais abstratos, contudo, todos certamente legaram ao conhecimento universal valiosas contribuições que não sessam de servirem de referência para novas produções nos múltiplos campos do saber, sobretudo, na filosofia.

           

REFERÊNCIAS

 

CAMUS, Sébastien [et. al.]. 100 obras-chave de Filosofia. Trad. Lúcia M. E. Orth. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

 

DESCARTES, René. Meditações sobre Filosofia Primeira. Trad. Fausto Castilho. Ed. bilíngue em latim e português – Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2004.

 

FEARN, Nicholas. Aprendendo a filosofar: do poço de Tales à desconstrução de Derrida. Trad. Maria Luiza Borge. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

 

HEGEL, G. W. Friedrich. A razão na História: Uma Introdução Geral à Filosofia da História. Trad. Beatriz Sidou. 3ª ed. São Paulo: Centauro, 2008.

 

HUME, David. Investigação sobre o entendimento humano. Trad. André Campos Mesquita. São Paulo: Editora Escala, s/d.

 

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. 3ª ed. Trad. Ciro Mioranza. São Paulo: Editora Escala, 2008.

 

ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. 2ª ed. Trad. Ciro Mioranza. São Paulo: Editora Escala, 2008.