Por: Laércio Becker, de Curitiba-PR

Na Copa de 2014, a torcida brasileira consolidou um momento marcante: o canto do Hino Nacional a cappella, i.e., sem o acompanhamento instrumental, que a Fifa limita a 1min e 30s. É emocionante, sem dúvida. A pátria em chuteiras, a plenos pulmões.

Aí, um amigo me pergunta: mas será que sabem o que estão cantando? Calei-me envergonhado, pois pensei: e eu lá sei o que estou cantando? A primeira resposta que nos vêm à mente é: claro que sim, oras... Mas será, mesmo?

Pois bem, ao caminhar depois de Brasil 4x1 Camarões, enquanto ouvia as vuvuzelas, tentei pensar no significado da letra do hino. E fui, mentalmente, verso a verso, estrofe a estrofe, pensando: caramba, como é difícil! E a dificuldade não é tanto vocabular, mas sintática.

Sim, é claro que tem algumas palavras de uso pouco freqüente. É a evolução da língua. Perdemos o “lábaro”, mas ganhamos o “lepo-lepo”. Mesmo assim, de muitas delas, se não todas, pode-se intuir o significado a partir do contexto. No entanto, a sintaxe toda retorcida, repleta de inversões, torna qualquer análise sintática um exercício de paciência digno de Jó.

Tudo isso é plenamente explicável. Joaquim Osório Duque Estrada escreveu a letra em 1909. Era a belle époque, tempo de uma literatura preciosista para uma elite esnobe: um parnasianismo de vida longa. Não era de se esperar outra coisa. O curioso é ver a letra tornar-se oficial em 1922 (Decreto nº 15671/22), justamente o ano da Semana de Arte Moderna, que ridicularizaria esse tipo de poesia. Mas essa irônica coincidência também é explicável: era a comemoração ao centenário da independência.

De qualquer modo, há uma boa justificativa para as dificuldades que a letra apresenta para o brasileiro médio de hoje (e, talvez, até mesmo da época): a necessidade de adaptação à melodia, composta por Francisco Manuel da Silva no séc. XIX. Ao longo do Império, algumas letras foram escritas, mas fora do ritmo da música, às vezes acumulando sílabas numa nota, outras vezes estendendo uma mesma sílaba por mais de uma nota. A letra de Duque Estrada, reconheça-se, não padece desse mal: sua métrica ajusta-se à música (seja à melodia, seja ao ritmo) como uma luva, sem acumular nem estender sílabas e, sobretudo, colocando as sílabas tônicas nas notas mais fortes. A preocupação do poeta com esse aspecto fica clara quando se vê os últimos ajustes que fez na letra. O resultado é uma letra ritmicamente perfeita. Mas essa perfeição teve um preço, que foi pago pela sintaxe rocambolesca.

Então, para meu próprio uso, resolvi, por assim dizer, “retificar” a sintaxe do Hino. É claro que não cabe na música, mas apenas para compreensão. As palavras que incluí constam entre colchetes. E, entre parênteses, o significado das desusadas.

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