HERMANOTEU E MICALATÉIA: ESTUPRO OU OBRIGAÇÃO CONJUGAL?

 

1 DESCRIÇÃO DO CASO

 

Micalatéia viva em uma cidade do interior do Maranhão. Era casada com Hermanoteu. Casou-se ainda muito novinha, com cerca de 16 anos. Hermanoteu era mais velho, à época do casamento havia completado 33 anos. Micalatéia foi obrigada a casar por conta de uma gravidez, mas ela não queria muito. Apesar de tudo ambos viviam juntos sem maiores problemas. De família abastada, Hermanoteu dava tudo o que Micalatéria pedia. Viajavam sempre que podiam para lugares no estrangeiro e, além disso, o marido bancava todos os estudos de Micalatéia, a qual começou a cursar a faculdade mais cara da região, sem qualquer oposição por conta do marido. Nessas perspectivas, Micalatéia se sentia bastante feliz com o casamento. Ocorre que, quase toda noite, Hermanoteu desejava manter relações sexuais com Micalatéia. Por muitas vezes, no entanto, ela não desejava, até se esforçava para não fazer; mas tanto o sentimento de que era esse um papel a desempenhar, quanto a perseverança de Hermanoteu a faziam ceder aos desejos do seu esposo. Sempre depois de uma relação nessas condições, Micalatéia virava e dormia, sentindo-se bastante triste e não satisfeita. Quando cursava a faculdade, Micalatéia assistiu a uma palestra sobre violência contra a mulher. Desde essa palestra decidiu oferecer denúncia contra Hermanoteu, acusando-o de estupro. O processo foi instaurado e o juiz condenou Hermanoteu. Na dosimetria da pena, o juiz considerou todas as circunstâncias judiciais favoráveis e ainda insistiu no ponto de que a circunstancia judicial denominada “comportamento da vítima” era favorável a Hermanoteu, pois Micalatéia deveria ter oferecido mais resistência aos atos sexuais e não esperado tanto para apresentar a denúncia, além do que Hermanoteu era seu marido. Assim, esta restaria uma das causas de diminuição da sua pena base, ao mínimo.

2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

 

2.1. Descrição das Decisões Possíveis:

 

  • Possibilidade de decorrer consequências da decisão do Juiz;
  • Falta de razoabilidade na denúncia de estupro contra Hermanoteu;
  • O acerto do Juiz ao ter considerado a circunstância judicial “comportamento da vítima” como favorável a Hermanoteu.

2.2. Argumentos Capazes de Fundamentar Cada Decisão:

 

2.2.1.      Como foi explicitado na sinopse, o Juiz determinou o mínimo da pena base após considerar todas as circunstâncias judiciais favoráveis. Sendo assim, na primeira fase do sistema trifásico, a pena ficou em 6 (seis) anos, haja vista que o é o menor período de reclusão disposto no Art. 213, do Código Penal, onde está situado o crime de estupro, o qual Hermanoteu foi condenado.

Na segunda fase, serão levadas em conta as situações agravantes e atenuantes, conforme preconiza o Art. 61 e Art. 65, do Código Penal. Em análise a essas condições, percebe-se que, em caráter agravante, o Hermanoteu, ora Réu, se enquadra na alínea “e” do Art. 61. Na perspectiva das situações atenuantes, não se encaixa em nenhuma. Por fim, na última fase do sistema trifásico, são analisadas as causas de aumento e diminuição da pena. Em vista ao presente caso, é possível aplicar o fator atenuante contido no Art. 21 do Código Penal, que dispõe:

Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. 

Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.

Através disso, é possível argumentar que Hermanoteu desconhecia que estava cometendo algum ato ilícito, tendo em vista que sua esposa sempre consentia no final e o mesmo não usava de nenhuma violência, quer seja física, quer seja psicológica.

Portanto, decorre, sim, conseqüências, visto que considerando como circunstância favorável, a aplicação da pena base se aproximará do mínimo previsto legalmente.

2.2.2            É sabido que casamento é a união legal entre um homem e uma mulher, que têm como objetivo constituírem uma família e reconhecer o efeito de estabelecer comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.

Conforme Gonçalves (2002, p. 2)

“Quanto à natureza jurídica, o casamento, na concepção clássica, também chamada de individualista, é uma relação puramente contratual, resultante de um acordo de vontades, como acontece nos contratos em geral. A doutrina institucional, também denominada supra-individualista, sustenta que o casamento é uma grande instituição social, a ela aderindo os que se casam. A terceira corrente, a eclética, constitui uma fusão das anteriores, pois considera o casamento um ato complexo: um contrato especial, do direito de família, mediante o qual os nubentes aderem a uma instituição pré-organizada, alcançando o estado matrimonial”

Diante dessa relação, os indivíduos adquirem responsabilidades que implicam na convivência entre ambos e na permanência do casamento. Tanto que para Venosa (2003), na convivência sob o mesmo teto está à compreensão do débito conjugal, a satisfação recíproca das necessidades sexuais. Embora não constitua elemento fundamental do casamento, sua ausência, não tolerada ou não aceita pelo outro cônjuge, é motivo de separação. Não pode, porém, o cônjuge obrigar o outro a cumprir o dever, sob pena de violação da liberdade individual. A sanção pela violação desse dever somente virá sob forma indireta, ensejando a separação e o divórcio, e repercutindo na obrigação alimentícia.

Apesar disso, é importante frisar que se o homem forçar sua mulher a manter relações sexuais contra a sua vontade, ainda que dentro do casamento, se caracteriza o crime de estupro, pois a relação sexual tem que ser consentida por ambos.

Conforme preceitua Damásio de Jesus (2000, p. 96):

“Entendemos que o marido pode ser sujeito ativo do crime de estupro contra a própria esposa. Embora com o casamento surja o direito de manter relacionamento sexual, tal direito não autoriza o marido a forçar a mulher ao ato sexual, empregando contra ela a violência física ou moral que caracteriza o estupro. Não fica a mulher, com o casamento, sujeita aos caprichos do marido em matéria sexual, obrigada a manter relações sexuais quando e onde este quiser. Não perde o direito de dispor de seu corpo, ou seja, o direito de se negar ao ato sexual (...). Assim, sempre que a mulher não consentir na conjunção carnal e o marido a obrigar ao ato, com violência ou grave ameaça, em princípio caracterizar-se-á o crime de estupro, desde que ela tenha justa causa para a negativa”

Isto tudo foi explanado para que se entendesse o contexto de um casamento onde ocorre o estupro. Todavia, como narrado na sinopse, o Hermanoteu em nenhum momento obrigou sua esposa a manter relações sexuais com ela. Ele apenas “perseverava” como preceitua a sinopse. Sendo possível cogitar que essa perseverança se dava por meio de carícias ou pedidos carinhosos, já que está mais que comprovado que Hermanoteu era um bom marido e desejava o bem de Micalatéia.

Diante desses fatos, é clara a falta de razão da esposa, ora Autora, já que a mesma não foi coagida a manter relações sexuais e errou a achar que o seu incômodo era fator determinante para acusar Hermanoteu de estupro.

2.2.3.         É notório o espaço que a mulher vem ganhando a cada dia no contexto jurídico e social do País. Algumas delas mediante os protestos recorrentes e a criações de alguns bordões como “Não Mereço Ser Estuprada”. Todavia, algumas ponderações precisam ser feitas no caso supracitado.

Como narrando na sinopse, Micalatéia era feliz no casamento, portanto, é lógico supor que ela externava essa felicidade para o seu marido, que por sua vez acreditava que a sua mulher o amava profundamente, reconhecendo o bom companheiro que ele era. Nesse contexto, ele acreditava que manter relações sexuais com sua esposa era perfeitamente coerente, ainda mais que ela não demonstrava nenhum esforço pra que isso não ocorresse e nem comentou sobre nenhum incômodo. Sendo, portanto, válido aceitar a circunstância de comportamento favorável.

2.3 Descrições dos Critérios e Valores (Explícitos e/ou Implícitos) Contidos em cada

Decisão Possível.

Podemos perceber que a crescente onda de reivindicações femininas – perfeitamente justas – acaba que se ultrapassando algumas esferas e gerando confusões como a do case. Todavia, é importante que os legisladores criem um equilíbrio a fim de manter o convívio entre homens e mulheres.

REFERÊNCIAS

 

 

GONÇALVES, Carlos Roberto, Direito civil: direito de família. 8. ed.São Paulo: Saraiva, 2002.

JESUS, Damásio E de. Direito penal. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

VENOSA, Sílvio Salvo. Direito Civil: direito de família. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003.