Hemingway e o café

Remexendo no passado, descobri um livrinho de leitura do curso ginasial uma historinha prosaica sobre o café. Contava que os pastores no Oriente estranharam que suas cabras ficavam agitadas durante a noite depois que comiam umas frutinhas vermelhas de um arbusto.  Assim, um esperto pastor resolveu fazer a infusão dos graus triturados com uma pedra. Não ficou grande coisa, mas o efeito da cafeína era poderoso, mantendo os pastores acordados.  Alguns grãos foram jogados na fogueira e ao queimarem, exalaram um delicioso aroma. Foi aí o pulo do gato para a torrefação e moagem do que seria tempos depois a bebida mais popular do mundo, sinônimo de desjejum ou motivo para encontros, desencontros, grandes negócios e decisões de estado.

Foi no século XIX que o cultivo do café chegou ao Brasil, trazido por um sujeito chamado Palheta que fez a primeira experiência de cultivo no Estado do Pará. Mas foi em terras paulistas e fluminenses que o cafeeiro encontrou o melhor lugar para se propagar e depois se tornar o principal produto de exportação do país, chegando a fazer parte das grandes decisões políticas, como a famosa “Café com Leite” em que os mineiros, produtores de leite, revezavam com os paulistas, produtores de café, o comando do país até a Revolução de 1930, quando um gaúcho, criador de bois, resolveu acabar com a brincadeira, amarrando o seu cavalo no obelisco do centro do capital do país.

Um tio conheceu no extremo oeste de São Paulo, o velho carcamano chamado Jeremias Lunardelli, ajudando-o a conquistar seus grandes latifúndios por aquelas bandas lá pelos anos 20 do século passado. No final da parceria, meu tio ficou com uma grande área de mata virgem que a transformou na velha fazenda São Vicente do Pau d´Alho, onde ele plantou milhares de pés de café. Foi nessa fazenda que pela primeira vez vi um cafezal  com seus frutinhos adocidados. Muitas das minhas férias escolares foram passadas nessa fazenda, onde curtia o fogão a lenha, o pão assado em forno de barro e o doce de leite que a minha prima e madrinha Vicença  preparava como ninguém. Era por lá que meu avô me levava para apanhar mamões no meio do cafezal.  Ele, um homem alto, me levantava até o topo do mamoeiro me indicando qual deveria ser colhido. Ainda hoje me recordo do medo que me dava aquela altura nos meus cinco anos de idade. Naqueles tempos lá ainda não havia luz elétrica e os lampiões a querosene eram utilizados na iluminação. Na grande mesa de jantar com dois lampiões saboreávamos as galinhas de angola cozidas ao molho pardo que eram criadas no quintal da fazenda. Para abatê-las, meu tio usava uma velha espingarda, abatendo-as da varanda da casa. Depois do jantar ouvíamos as velhas histórias de família, entre elas as aventuras do meu tio boiadeiro e coisas do tempo da escravidão, contadas por meu avô.  Dormia-se cedo no campo e apenas meu avô ficava mergulhado em seus livros sob a luz de um lampião até mais tarde.

Estava em São Vicente quando amanhecia, o galo cantava e o gado mugia. O aroma inesquecível do café se espalhava pela casa estimulando todos a acordarem para a primeira refeição. O leite chegava da mangueira trazido num grande galão pelo seu Joaquim, um velho peão da fazenda, manco de uma perna. Como era bom aquele café, saboroso e gostoso como na propaganda do velho Café Seleto.

Naqueles tempos nem imaginava que o café produzido pelos meus parentes ganhavam o mundo, sendo servidos nos velhos cafés parisienses, onde o escritor Ernest Hemingway passava horas escrevendo e saboreando uma bebida fria para enrolar o tempo. Mas visitar Paris e não tomar meia dúzia de cafés enquanto se passeia pelas suas ruas,  praças e museus é um sacrilégio, apesar dos preços exagerados e com a qualidade a deixar desejar de muitos deles. Um Nespresso na cidade Luz não sai por menos de cinco Euros, que seria um absurdo nos tempos de Hemingway, Fitzgerald, Picasso entre outros.

Mas Hemingway e seus companheiros de literatura, enquanto tomavam café e escreviam, não imaginavam como  era produzido. Sob o escaldante sol que abrasava o oeste paulista milhares de trabalhadores vindos da Itália, Espanha, Portugal e de diversas regiões do Brasil trabalhavam sob condições subumanas para abastecer os mercados do mundo todo. Assim, um bom café carregava os sonhos e esperanças de pessoas que nunca apareceram nos romances e contos da geração da belle époque.