Amélia era uma esposa e mãe dedicada. Fazia de tudo para agradar o marido Ariosto e as três filhas. Acordava antes de todos, para deixar o café pronto para a família. À noite, depois que todos já dormiam, ela descia ao porão para verificar se um armário que lá mantinha fechado, não fora violado. Subia então ao quarto do casal, quando colocava a chave embaixo do travesseiro. Durante o dia levava-a no bolso do avental.. Naquele domingo, perdeu-se dormindo. Ao acordar, o marido roncava. Ao mesmo tempo, ouviu um barulho que vinha do porão. Procurou a chave no lugar habitual, mas não a encontrou. Desceu assustada. Lá chegando percebeu o armário aberto e suas filhas abrindo uma caixa. A mais velha tirou um hábito que estava dentro e perguntou se a mãe tinha sido freira. Amélia pediu que sentassem. Iria contar-lhes a história daquele hábito. E iniciou seu relato, falando sobre o convento de Carmelitas, que todos na cidade conheciam. Como as freiras fizeram votos de pobreza, viviam da caridade alheia. Tanto ela como Ariosto costumavam ajudá-las, levando alimentos e cobertores para o inverno. Fazendo uma pausa, para recuperar o fôlego, a mãe continuou relatando que um dia, quando chegaram ao convento nas visitas mensais, foram recebidos por uma noviça desconhecida chamada Angélica. Era muito jovem e bela. O pai não tirava os olhos dela. Notei que estava perturbado. Foi amor à primeira olhada. Percebi e depois ele me confirmou. Fiquei cismada, mas pensei que fora só um entusiasmo. Não foi. O homem se consumia nas chamas da paixão. Chegou a pedir-me que intercedesse junto à Angélica, para que ela aceitasse ter um romance com ele. Como eu o amava muito e não queria perdê-lo, concordei. Na esperança de que satisfeito o desejo, se desencantaria com ela e voltaria a ser o marido com o qual eu havia casado. Ilusão! Ele e a noviça fugiram da cidade e desapareceram. Eu mantendo a esperança de que voltaria logo. O tempo foi passando e vocês crescendo sem pai. Quando minhas expectativas se esvaíram, a tristeza me devorou. As saudades eram grandes. Chorava, não comia, não dormia. Até pensei em suicídio, mas não o cometi por amor a vocês. Uma sexta-feira de manhã bateram à porta. Ao abri-la, vi uma senhora com aspecto de maltratada. Envelhecida e triste. Não reconheci. Era Angélica que se ajoelhou aos meus pés. Entregando-me uma caixa, disse: “desculpe dona, mas só Deus poderá perdoar todo o mal que lhe causei. Seu marido teve por mim, apenas uma paixão. O amor verdadeiro sempre foi pela senhora. Ele sugou tudo que pôde de mim. Depois me mandou embora, sem nada, dizendo que me odiava. Por minha causa deixara o seu verdadeiro lar. Na caixa que lhe entrego está o meu hábito. Ele era a pureza na minha vida. A senhora é a única pessoa digna de ficar com ele. Foi tudo que me restou.” Levantando-se, saiu pela porta. Nunca mais eu soube dela. Amélia sorriu, dizendo para as filhas: agora que vocês já sabem toda história, iremos esquecer o hábito e doá-lo para o convento. Vamos subir antes que o pai acorde e estranhe a nossa ausência. Themis