RICARDO GUALBERTO ROCHA 

 

GUARDA CIVIL MUNICIPAL 

O Policiamento Municipal no paradigma dos Direitos Humanos

 



Belo Horizonte -MG

Setembro de 2020.

 

 

GUARDA CIVIL MUNICIPAL

O Policiamento Municipal no paradigma dos Direitos Humanos

 

 

Ricardo Gualberto Rocha¹

 

 

RESUMO

 

Esta pesquisa, tem por principal premissa a importância e a necessidade da aproximação da polícia junto à comunidade, por meio de ações e condutas que valorizem os Direitos Humanos, de forma a resgatar a confiança do cidadão para com as atividades policiais, relacionamento que foi há muito tempo prejudicado pelas condutas truculentas e repletas de violações. A pesquisa objetiva ainda, demonstrar que Direitos Humanos e atividade policial são plenamente compatíveis e devem andar lado a lado no dia a dia profissional.  A abordagem realizada é em âmbito municipal, desta forma, o trabalho da Guarda Civil Municipal é analisado no objetivo de compreender a característica da corporação como polícia comunitária; a pesquisa se justifica pela relevância em compreender a importância da atuação do órgão municipal de segurança pública, como instrumento de consecução do direito fundamental à segurança. A pesquisa é de caráter bibliográfico, e extrai ideias e informações relevantes para obtenção de resultados que demonstrem que a aproximação dos órgãos de segurança pública e a comunidade é a alternativa mais viável para que o Estado alcance a tão almejada paz social.

 

Palavras Chave: Direitos Humanos, Policiamento Comunitário, Eficiência

 

 

 

 

 

1.INTRODUÇÃO

 

A discussão no campo da segurança pública não é algo novo, nas últimas décadas os elevados índices de violência urbana e a deficiência dos métodos tradicionalmente adotados pela polícia militar para combater a escala de violência tem sido tema recorrente em toda mídia, nesse sentido, inúmeras alternativas aparecem de todos os lados, especulações e sugestões que ainda não foram capazes de solucionar o problema, a solução parece porem estar além de muitos ideais militares, pois, os discursos autoritários sobre “lei e ordem” parece não mais funcionar.

O padrão de conduta diante da condição social do homem são elementos norteadores da convivência social; no decurso da história da humanidade, houve diferentes sistemas de normas sociais que sempre buscaram criar um padrão nas relações humanas, nesse contexto histórico da socialização, a atuação policial e os institutos dos direitos humanos sempre caminharam em lados opostos, na atualidade porém, diante da mudança do comportamento humano e pelo destaque dado aos direitos humanos pela Carta Magna, surgiu a necessidade de uma mudança consistente nas práticas adotadas pelas corporações policiais.

O presente estudo destaca o caminho percorrido pelos direitos humanos, como forma de demonstrar que os direitos humanos são garantias históricas, que mudam ao longo do tempo adaptando-se às necessidades sociais de cada época e discute a atual concepção de segurança pública e a necessidade de uma filosofia que trate os direitos humanos e a prática policial como amigas inseparáveis e não mais como rivais, sentimento de oposição criado pelo militarismo.

No Brasil, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, novos ideais foram inseridos em nosso Estado Democrático de Direito, a partir daí, com o fim do regime militar, os direitos humanos passaram a ser olhados com outros olhos e o policiamento recheado de ações truculentas e com uso desproporcional da força foi aos poucos sendo rejeitado com mais força pela sociedade, que mais presente nos assuntos sociais ganhou mais voz e representação, ainda assim o distanciamento entre polícia e cidadão permaneceu existente, de certa forma, o militarismo ainda que abolido se enraizou na conduta militar de muitos oficiais.

O presente trabalho cientifico, aborda os Direitos Humanos sobre a ótica do poder de polícia, abordando os aspectos da abordagem policial junto à sociedade e a característica da sociedade contemporânea que exige uma atuação policial que esteja intimamente interligada ao anseio da sociedade, trazendo os aspectos relacionados ao policiamento comunitário e discutindo assim, a importância do policiamento municipal como promessa de uma nova filosofia de direitos humanos nas condutas policiais.

Por serem as guardas municipais organizações de âmbito regional, seus agentes estão intimamente mais ligados aos munícipes, o que oferta à instituição uma característica de polícia comunitária, por ser um órgão de segurança pública relativamente novo, em vista da polícia militar, a sociedade não tem para com a guarda municipal o mesmo olhar que tem para com as outras forças policiais, dessa forma a instituição consegue aproximar-se da comunidade com mais facilidade e permanecer nela, desenvolvendo seu trabalho de prevenção primária da violência, o que permite uma abordagem mais efetiva e um resultado mais sólido.

Indo ao encontro de um policiamento que esteja intimamente ligado aos princípios dos direitos humanos, a atividade da guarda municipal é analisada de forma a estudar se a sua filosofia está realmente de acordo com os anseios da sociedade.

Através da metodologia bibliográfica o estudo extrai dados de pesquisas, mostrando que não há mais espaço para o policiamento tradicionalmente adotado e enraizado militarmente, no atual contexto social, a problemática em questão da supressão dos direitos humanos sobre a atuação policial ou vice versa, deve ser analisado, afim de que ambos institutos possam andar lado a lado.

A metodologia aplicada à pesquisa é bibliográfica, extraindo conceitos, definições, apontamentos e dados de doutrinas, trabalhos científicos e das normas de nosso ordenamento jurídico.

2.DESENVOLVIMENTO

 

2.1 Direitos Humanos e Polícia Militar 

 

Em 1789, com a abolição da monarquia absoluta e o estabelecimento da primeira República Francesa, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi adotada pela Assembleia Constituinte Nacional como o primeiro passo para o escrito de uma constituição para a República da França. No documento, foi garantido sobretudo que todos os cidadãos franceses deveriam ter direito à liberdade, propriedade, segurança e resistência à opressão. Inicia-se ai, o caminho a ser percorrido pelos Direitos Humanos.

Segundo Castilho (2012, p. 13), entende-se que os Direitos Humanos de maneira ampla representam “o conjunto das atividades realizadas de maneira consciente, com o objetivo de assegurar ao homem a dignidade e evitar que passe por sofrimentos”. Bobbio (2004, apud BORGES, 2013), referenda que “os Direitos Humanos são derivados da dignidade e do valor inerente à pessoa humana, tais direitos são universais, inalienáveis e igualitários”.

 Todos, tem o direito de exercer sua dignidade humana, devendo portanto ser garantido o gozo dos direitos inerentes à pessoa humana, não podendo, aliená-los ou renunciá-los, para que esse direito fosse garantido, houve porem um grande percurso histórico, como é o caso da Segunda Guerra Mundial, marco de 1939 até 1945 em que cidades por toda a Europa e Ásia estendiam–se em ruínas e chamas; milhões de pessoas foram mortas, outras ficaram sem lar.

Em abril de 1945, representantes de cinquenta países se reuniram em San Francisco cheios de otimismo e esperança. O objetivo da Conferência das Nações Unidas na Organização Internacional era formar um corpo internacional para promover a paz e prevenir futuras guerras, deixando expresso em seus artigos primeiro à terceiro, que o exercício da dignidade humana é universal, sendo irrelevante o perfil (sexo, raça, cor, cultura) daquele que a pleiteia. Vejamos:

 

Art. 1º - Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

Art. 2º - Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.

Art. 3º - Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal (ONU, Declaração Universal dos Direitos do Homem, 1948).

 

De acordo com Bobbio (2004) Os Direitos humanos são derivados da dignidade e do valor inerente à pessoa humana, tais direitos são universais, inalienáveis e igualitários. Em outras palavras eles são inerentes a cada ser humano, não podem ser tirados ou alienados por qualquer pessoa; sendo destinados e aplicados a qualquer indivíduo em igual medida, independente do critério de raça, cor, sexo, idioma, religião, política ou outro tipo de opinião, nacionalidade ou origem social, propriedades, nascimento ou outro status qualquer.

Para se conhecer ao certo o caminho percorrido pelos Direitos Humanos, é preciso rever alguns pontos da história mundial, mas ainda mais necessário ao entendimento é conhecer o caminho percorrido pelos Direitos Humanos em nosso país, principalmente numa época em que a ausência desses direitos foi bastante acentuada.

No Brasil, antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, o regime era militar, época de diversos abusos aos direitos inerentes à pessoa humana, em especial pela classe policial, no exercício do seu poder de polícia em busca do padrão de conduta social adequado à época.

Foi com a Divisão Militar da Guarda Real da Polícia da Corte, criada por D. João IV no ano de 1809, que as forças militares passaram a ter atribuições policiais, sendo que na pacata Rio de Janeiro do século XIX, a principal função desse contingente inicialmente formado por 128 homens, era coibir a capoeira, erradicar os terreiros de candomblé e as rodas de samba. Nitidamente, a polícia brasileira que inicialmente foi composta por portugueses nascidos na Índia, nasceu inimiga da população, na medida em que servia apenas para exercer a repressão, o que era procedido de maneira extremamente violenta.

O regime autoritário instalado no Brasil em 1964 buscou estruturar um Estado que tivesse capacidade de exercer uma repressão eficaz aos opositores e que pudesse trazer a maior parte da população para o apoio às ações do governo. Na dinâmica de conflitos que vivenciou o Brasil no período de 1964 a 1985, as estratégias dos donos do poder incluíam a propagação de um medo aos “inimigos da pátria”, impondo os mais brutais acontecimentos sob a forma de violência, censura, repressão, exílio, prisão e diversas outras formas de coerção da sociedade.

Helena Weber (2000) explica o processo de funcionamento de um regime político segundo o pensamento gramsciano: nessa linha, as formas de controle político dão-se tanto através da força e da coerção física quanto através do controle e dominação ideológicos. Nesse sentido, o uso exclusivo de ações repressivas não é suficiente para manter um Estado, em algum momento ele tem de conquistar a legitimidade e obter o consenso do conjunto da sociedade, em particular das classes subalternas.

A violação à Declaração Universal de Direitos Humanos durante a ditadura era evidente, já que os militares abusavam deliberadamente da força violenta e repressora. O fim do regime militar foi concretizado somente em 1985, quando Tancredo Neves foi eleito presidente do país. Esse fato colocou um ponto final em uma história de 21 anos de uma ditadura militar violenta, repressiva e controladora.

A Ditadura Militar chegou ao fim, mas será mesmo que ela foi abolida de forma integral da cultura policial?  o que acontece na realidade, é que houve a permanência de resquícios autoritários nos mais diversos âmbitos da nossa sociedade, principalmente em relação à segurança pública, situação que somada a insegurança e violência características dos tempos atuais, acabou permitindo a manutenção do modelo de polícia militarizado e, consequentemente, do padrão de atuação violento.

De acordo com Soares (1997), os enfrentamentos atuais para a construção da democracia no Brasil passam, necessariamente, pela ética e pela educação para a cidadania.  Por duas décadas, o Brasil esteve envolvido em um sistema ditatorial (1965 a 1985). Nesse período, direitos básicos foram cerceados. Serviram à manutenção da ditadura militar as forças policiais do país, as quais atuaram como aparelho repressor do Estado.

Quando se fala em resquícios autoritários, o que se objetiva dizer, é que a cultura organizacional da Policia Militar guarda em sua essência características da época do militarismo, mudar uma cultura organizacional não é fácil, é preciso que toda organização esteja em sintonia, e ainda mais, é preciso que o corpo gerencial queira essa mudança.

Para entender o conceito da palavra cultura, Horton & Hunt (1980) enfatiza que a cultura é entendida como tudo o que pode ser socialmente aprendido e disseminado pelos integrantes de uma determinada sociedade. O indivíduo recebe cultura como parte de uma herança social e, por sua vez, pode moldá-la, adaptá-las as mudanças, e ao seu tempo assim tornando uma herança entre gerações vindouras. Sendo dessa maneira, tudo aquilo que é aceito e repassado pelas pessoas através de suas vivências, experiências e tradições.

Existe portanto, na Policia Militar uma cultura organizacional que ficou marcada pela Ditatura Militar, ainda nos tempos atuais, é possível perceber, nas condutas de alguns policiais, em suas práticas funcionais, o reflexo dessa época de ausência de Direitos Humanos.

É necessário, de toda forma, ressaltar, que a Policia Militar tem resguardado o seu espaço na sociedade, precisando apenas reavaliar sua filosofia organizacional para banir o que restou da época em que o militarismo sobressaia os direitos sociais. A corporação possui uma vasta experiência no campo da segurança pública, o que a coloca na linha de frente na prevenção ao crime. Certo porém, que a instituição Policia Militar foi aos poucos perdendo o contato mais próximo e necessário com a sociedade, o que através de novas políticas de segurança pública pode ser reavido.

 

2.2 As Guardas Municipais 

 

Não é uma tarefa fácil abordar o contexto histórico das Guardas Municipais no Brasil, uma vez que é escasso o material de pesquisa sobra as instituições municipais de segurança pública, o material relativo ao tema é em grande maioria voltado para contar a história das polícias militares, o que torna as guardas municipais carentes de um acervo histórico.

No Brasil, o Regimento de Cavalaria Regular da Capitania de Minas Gerais, criada no ano de 1775 é considerada a predecessora da Guarda Municipal. Em 1809 com a vinda da Família Real Portuguesa foi criada a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia, embrião da Guarda Municipal do Rio de Janeiro, sua função era policiar a cidade em tempo integral, tornando-se desde o início mais eficaz que os antigos Quadrilheiros, que eram os defensores normalmente escolhidos pela autoridade local.

As Guardas Civis Estaduais, foram corporações policiais existentes até 1970, sua destinação era exercer um policiamento ostensivo uniformizado, em conjunto com a Polícia Militar. Com o golpe militar que objetivou implantar um controle rígido sobre as corporações policiais, as Guardas Civis foram extintas.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, as Guardas Municipais foram reestruturadas, a Carta Magna facultou aos municípios a criação das Guardas Municipais, para proteção de seus bens, serviços e instalações; como é o caso de Belo Horizonte, que no ano de 2003 por meio da lei nº 8.486 criou a Guarda Patrimonial. A capital mineira porem é um exemplo de que as Guardas Municipais não mais se restringem ao disposto na Constituição Federal; buscando o melhor resultado social, a melhor opção para o povo e a melhor alternativa plausível para a melhoria do nosso policiamento, a instituição expandiu sua atuação, passando a denominar-se Guarda Civil Municipal, rompendo com sua visão unicamente patrimonial.

A Carta Mãe manteve incompleto o artigo que dispõe sobre a função das Guardas Municipais, permitindo diversas interpretações sobre a real destinação das guardas municipais. Para sanar o vício constitucional, foi publicado no ano de 2014 a Lei 13022 que institui normais gerais para as guardas municipais, caracterizando as guardas municipais como instituições de caráter civil, uniformizadas e armadas com a função de proteção preventiva, ressalvadas as competências da União, dos Estados e do Distrito Federal.

Por serem as guardas instituições de âmbito municipal, cada chefe de município dá à sua corporação a sua característica própria, restando porém, a obrigação de seguir os limites impostos pela Lei 13022, o que diferencia é que cada instituição caminha em passos diferentes quanto ao seu desenvolvimento e seu reconhecimento; guardas municipais mais antigas como as do Estado de São Paulo já possuem uma estrutura firme, reconhecida e aplaudida pela sociedade.

Na cidade de Belo Horizonte, o modelo de atuação da Guarda Civil Municipal segue as determinações da Lei Federal 13.022, que atribui às Guardas Municipais a função de desenvolver ações de prevenção primária à violência, na cidade é possível observar o trabalho da instituição em diversos cenários da capital, em Unidades de Pronto Atendimento, Centros de Saúde, Escolas, grandes eventos como carnaval e festa junina, jogos de futebol e logradouros públicos; essa forma de atuação leva os agentes da Guarda Municipal aos locais que a comunidade mais precisa, como forma de atuação preventiva, a instituição tem mostrado que segurança pública não precisa se caracterizar pelo uso desproporcional da força, mas sim pela permanência junto à sociedade.

Com um efetivo de 2.057 agentes e no processo final de contratação de outros 500 profissionais, a corporação da capital mineira é apta ao manuseio de armas de fogo, ainda assim, dados locais mostram que não há registros de ocorrências com vítimas fatais em ocorrências atendidas pela instituição. O dado é capaz de nos mostrar que é possível trabalhar a marginalidade sem produzir violência.

Sendo o Brasil, um país onde as pessoas clamam por segurança pública mais justa e eficiente, as guardas municipais tem se mostrado uma boa opção no alcance da confiança do povo nos seus órgãos de proteção e na melhora desta problemática social, resta porém, o rompimento de alguns obstáculos, na atualidade muitos representantes do Estado são oficiais reformados, militares que trabalharam em época em que a atuação policial era mais rígida, a cultura dessas pessoas é característica enraizada, para muitos desses oficiais as guardas municipais representam uma barreira, acostumados a ocupar o espaço da segurança pública os antigos militares tentam manter a Policia Militar como personagem única na seara da segurança pública o que dificulta a introdução de uma nova cultura nesse campo da sociedade.

Ainda que enfrentando algumas dificuldades, as guardas municipais tem demonstrado que o policiamento comunitário expressa uma filosofia organizacional orientada para a divisão de responsabilidade, nesse viés, o cidadão é personagem ativo no processo de fazer segurança pública, é criado portanto uma afinidade maior entre o agente e a comunidade, por ser um órgão de segurança pública que está diariamente presente em logradouros e próprios municipais, através do policiamento preventivo.

Para (SOUSA, 2013) essa nova abordagem no campo da segurança pública redefine o papel da sociedade, de forma que cada membro da comunidade se veja como personagem na busca constante da redução da criminalidade.

Para se compreender o papel das guardas municipais no campo da segurança pública é necessário discorrer sobre o poder de polícia que essas instituições possuem, na segurança pública, o poder de polícia está limitado aos órgãos públicos de segurança, como bem determinou a Constituição Federal de 1.988 em seu artigo 144, que especificou o nosso sistema de Segurança Pública e declinou seus órgãos e em seu paragrafo oitavo estabeleceu que os municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

A Carta Magna reservou ao município a sua participação no processo de segurança pública, fato que inegavelmente gerou e ainda gera grandes discussões, uma vez que, alguns alegam a inconstitucionalidade da atuação das guardas municipais nesse processo, tal alegação porém, conflita com o texto constitucional, pois houve § 8º, do art.144 a permissão para que os municípios constituíssem sua força policial, a discussão nesse aspecto parece se resumir portanto, à vaidade.

As guardas municipais representam hoje o que muitos autores denominam de policiamento comunitário, a corporação está presente nos principais próprios municipais, zelando pela segurança de seus usuários, assim como em praças e ruas, através do policiamento preventivo, protegendo assim, os direitos humanos fundamentais e garantindo o exercício da cidadania e das liberdades públicas, atuando preventiva e permanentemente, no território do município

O fato das Guardas Municipais serem de âmbito municipal, restringe o seu trabalho nos limites do município, diferentemente da Policia Militar que tem caráter estadual, mas longe de ser um obstáculo, a municipalidade das Guardas Municipais permite que essas corporações consigam acompanhar de perto a realidade das comunidades, é nos municípios que os problemas de eclodem e ali, bem perto da comunidade que o guarda municipal se faz presente, conhecendo de perto a realidade do munícipe, seus problemas e seus anseios; essa aproximação rompe com a trajetória de uma polícia estadual que age com o excesso de força e esquece que prevenir é melhor do que usar a violência depois que a criminalidade já expos a sua face; é preciso agir antes que o crime aconteça, mas para isso, é preciso prevenir e criar ações que permitam uma maior aproximação da sociedade para com a força policial, essa é a característica das guardas municipais, um serviço de segurança pública municipal que valoriza a regionalidade e a aproximação entre polícia e cidadão.

Bem verdade é que as Guardas Municipais existentes em alguns lugares já fazem o policiamento ostensivo e preventivo, assim como também em diversos municípios os componentes desses órgãos possuem porte de arma de fogo, enquanto em alguns municípios menores não possuem, evidenciando a necessidade de uma melhor organização, que seja mais ampla e efetiva e que unifique as características das guardas municipais, o que depende de uma mudança Constitucional quanto às suas atribuições com a consequente efetividade do poder de Polícia para todos seus componentes, pois a realidade existente em São Paulo ou Belo Horizonte não é a mesma encontrada em diversas outras guardas municipais, o que favorece a discussão sobre a função das guardas municipais, pois não há uma homogeneidade entre essas instituições.

Ainda que enfrentando o obstáculo que foi gerado pela subjetividade contida no artigo 144 da Constituição Federal, as Guardas Municipais tem ganhado espaço na esfera da segurança pública com repercussão nacional, como a publicação da Lei Federal 13.022 e a publicação do Livro Azul das Guardas Municipais lançado recentemente pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, ambas conquistas fortalecem a segurança pública em âmbito municipal.

Aos poucos o Estado vai se aproximando da sua função constitucional e nessa busca de eficiência o Poder Público vai reconhecendo que para a sociedade não há distinção entre essa ou aquela corporação, o que os munícipes esperam é ver os seus direitos protegidos e garantidos, através de uma segurança pública que entenda e respeite as características da regionalidade para a prevenção da criminalidade.

2.3 A importância da sociedade na segurança pública

 

A Constituição Federal de 1988 trouxe uma inovação terminológica no que tange à responsabilidade pela segurança pública; colocando-a conforme preceitua o caput do art. 144 da Carta Magna, como dever e responsabilidade de todos. Isto significa que todos os cidadãos brasileiros são responsáveis pela segurança de toda a sociedade.

A sociedade portanto, deve se sentir responsável em também buscar a paz social e pôr fim a suas mazelas sociais; o cidadão tem o poder e dever de opinar nas políticas de segurança pública que lhe são impostas.  Quem está apto a esclarecer os problemas de uma comunidade a não ser aquele que faz parte dessa comunidade?

Como bem esclarece Cardoso (2009) A polícia é vulnerável e não consegue arcar sozinha com a responsabilidade que impõe a segurança pública, sendo assim, a comunidade deve ser vista como personagem promotora da segurança e da ordem, juntamente com a polícia.

A polícia brasileira ou a sociedade não são culpadas pela decadência da segurança pública, as autoridades governantes são as principais responsáveis pelo descontrole do atual cenário criminal, pois optaram por um critério de repressão em lugar da prevenção, prevenir traz inúmeros bons resultados, a repressão por sua vez, gera violência ao invés de reduzi-la.

Bittner (2003) afirma que as sociedades modernas não podem prescindir da polícia. Para o autor, a autorização conferida à polícia para o monopólio do uso da força é explicado a partir dos anseios pela construção da paz por meios pacíficos e pela abolição de todas as formas de violência da estrutura de suas relações sociais. Dessa forma, torna-se contraditório que a polícia utilize a violência na mediação de conflitos em uma sociedade contemporânea.

Estratégias policiais que funcionaram no passado, não são mais eficazes, o policiamento ostensivo foi uma estratégia policial que funcionou em determinada época, hoje, porém, não são capazes de gerar sensação de segurança na comunidade, as novas formas de relacionamento, o mundo globalizado, fizeram com que a sociedade e o cidadão se tornassem mais exigentes e conscientes da necessidade de uma sensação de segurança proativa.

Na busca pela construção de uma nova consciência, deve-se dar ênfase ao papel da sociedade na segurança pública, fato previsto no artigo 144 da Constituição Federal, para isso, os programas de policiamento comunitário se tornam ferramentas indispensáveis para se estreitar as relações entre a polícia e a sociedade.

Não há como definir uma única causa para o alto índice de criminalidade no Brasil, fatores como a miserabilidade, a exclusão social, a omissão do Poder Público, são apenas alguns dos diversos fatores sociais que eclodem a criminalidade, de  toda forma, o modelo  capitalista imposto pela globalização, leva a sociedade a ser cada vez mais individualista, resultando na concentração de renda e na desigualdade social, o que inevitavelmente faz aumentar os assaltos, os assassinatos e os crimes de todas as espécies.

Nesse contexto, as comunidades locais tem um papel importantíssimo, são quase sempre nelas que o poder paralelo multiplica a sua atuação, é no interior das comunidades que os jovens são iniciados na vida do crime, fruto da pobreza e da marginalização, se nesse cenário, o Estado conseguir ser mais atuante, ele criará ações sociais voltadas para esse público, de forma a inserir de forma estratégica o Poder Público nos assuntos locais e através da regionalidade as policias municipais poderão criar ações de socialização e de aproximação junto à comunidade; quando os cidadãos se sentem personagens ativos no contexto da municipalidade, se torna mais fácil conseguir abertura para o diálogo e para a participação efetiva da sociedade, mudando assim a visão que a comunidade como um todo tem das forças policiais.

O contexto familiar influencia diretamente no contexto da segurança pública, pois a violência familiar contribui muito para o crescimento da violência, pois o exemplo dos pais tem relação direta na formação dos filhos, pois esses, tendem a perpetuar a agressividade vivenciada em âmbito familiar. Taxas elevadas de violência contra a mulher, contra crianças e adolescentes, dentro do própria lar, são indícios dessa realidade, assim como o aumento do número de ocorrências policiais que possuem adolescentes como autores das práticas delitivas.

Perante essa face da onda de violência, a sociedade pede por ações que sejam efetivas, não por soluções passageiras, aquelas típicas eleitorais, mas por uma política séria e comprometida com o social.

Dessa forma, um novo paradigma surge como esperança, um novo modelo que preze pelo envolvimento comunitário, através de políticas descentralizadoras e efetivo alinhamento dos órgãos de segurança pública, em âmbito federal, estadual e municipal, mas que seja valorizada a municipalidade, pois é nos municípios que a criminalidade se eclode.


3.CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Os estudos sobre polícia e direitos humanos no Brasil não tem alcançado a abrangência necessária, pois em sua maioria se baseiam no estudo da polícia estadual, de forma que demonstram a atuação do órgão durante o percurso do tempo e sua conduta nas infrações aos direitos constitucionais, mas não oferecem um estudo metodológico de todas as forças policiais.

 O tema referente aos direitos humanos aparece nos trabalhos brasileiros que estudaram empiricamente a cultura policial, principalmente na época da ditadura militar, mas a maioria dos trabalhos apresentam dificuldade em relacionar as atuações policiais adotadas no passado, com as práticas atuais, não há uma análise que envolva o todo existente hoje nas estruturas policiais, pois a atuação do município na segurança pública é demasiadamente carente no campo da pesquisa.

Esse artigo procurou contribuir no preenchimento dessa lacuna, discutindo assim, o papel das Guardas Municipais na prática de uma segurança pública garantidora dos direitos fundamentais dos seres humanos, discutindo também onde se encaixa atualmente a representatividade da Policia Militar numa sociedade que não mais seguem regras moldadas pelo abuso de poder.

O estudo mostrou que a instituição Policia Militar, ainda carrega uma cultura arcaica, que precisa necessariamente se transportar para uma época onde o relacionamento polícia e cidadão é sinônimo de comunhão e não de medo ou de repressão. Nesse contexto, o papel do município como ferramenta garantidora dos direitos humanos ganha representatividade, e ainda que o artigo 144 da Constituição federal gere discussões sobre o papel das Guardas Municipais, o que se observa é uma vaidade enraizada nos profissionais da área militar que ainda tentam manter o burocrático e a rigidez, quando a atualidade clama por mudanças efetivas e flexibilidade.

O estudo mostrou ainda, que o policiamento comunitário em qual se encaixa as Guardas Civis Municipais, é a promessa mais viável para mudar o atual cenário social da segurança pública, pois, é nas comunidades que os fatores criminais se desenvolvem com maior intensidade, um policiamento mais próximo da sociedade é portanto uma maneira mais efetiva de prevenir e de reduzir a criminalidade, o que se busca e se espera porém, não é a exclusividade de uma atuação isolada e sim um trabalho em conjunto, em que todas as forças se unam num propósito coerente de intervenção social.

O presente artigo demonstrou, que os direitos humanos e a prática policial podem e devem andar em comunhão, na continua busca de garantir a todos os plenos direitos constitucionais, se numa época esses direitos foram negligenciados, a realidade atual demonstra que o reflexo dessa ausência pode durar muitos anos numa sociedade fragilizada. Conclui-se portanto, que todos, Estado, Policia e sociedade, devem em conjunto trabalhar esse cenário de forma ética, humana, coesa e efetiva.



  1. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BITTNER, egon, Aspectos do trabalho policial. Trad. de Ana LuisaAmêndola Pinheiro. São Paulo: Edusp, 2003.

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho; apresentação de Celso Lafer. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

BORGES, Yara Gonçalves Emerik. A atividade policial e os direitos humanos. Ambito Jurídico. Disponível em:. Acesso em: 22 abr. 2020.

CASTILHO, Ricardo. Sinopses jurídicas – direitos humanos. 2. ed. 3. vl. São Paulo: Saraiva, 2012.

HORTON, P. B.; HUNT, C. L. Sociologia. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1980.

MACHADO, E.P.; NORONHA, C.V. A polícia dos pobres: violência policial em classes populares urbanas. Sociologias, Porto Alegre, n. 7, June, 2002. pp. 188-221.

MUNIZ, J. Ser policial é, sobretudo, uma razão de ser. Cultura e cotidiano da PMERJ. Rio de Janeiro, 1999. Tese (Doutorado) – Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro.

OARES, M. V. B.. Educação, Democracia e Direitos Humanos . In: Jornal da Rede. São Paulo: Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos. Maio de 1997.

WEBER, Maria Helena. Comunicação e espetáculos da política. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2000.