Quando se fala em gestão escolar ou educacional, em geral nos vem à lembrança os modelos administrativos. Quase que de imediato nos lembramos de expressões ou conceitos como: gestão participativa, autonomia escolar, flexibilização da gestão. E tudo isso nos leva à algumas indagações como: Por que nosso sistema escolar ainda enfrenta problemas tanto gestionários como didático-pedagógicos? A causa do baixo rendimento escolar de nossos alunos se explica a partir dos modelos administrativos? Planejando, avaliando e recebendo apoio financeiro as escolas conseguirão resolver seus problemas? Ou direcionar dinheiro às escolas é só mais uma forma de mascarar o verdadeiro problema? Qual seria, então esse problema?

Olhando para a história constatamos que, principalmente a partir da década de 1970, começou-se a refletir sobre a administração escolar e sobre o papel do diretor. "Ao observar que não é possível para o diretor solucionar sozinho todos os problemas e questões relativos à sua escola, adotaram a abordagem participativa fundada no princípio de que, para a organização ter sucesso, é necessário que os diretores busquem o conhecimento específico e a experiência dos seus companheiros de trabalho". (LÜCK, 2000, p.19). E a autora afirma em seguida que as teorias da gestão escolar podem ser divididas a partir de duas bases: uma psicológica e outra social. As de base psicológica podem ser consideradas como de "modelo cognitivo" e "modelo afetivo"; as teorias de base social partem do "modelo de democracia" e do "modelo da consciência política".

Também é verdade que já houve tempo em que as escolas podiam ser consideradas reflexos do sistema autoritário de governo. Isso mudou, principalmente a partir da atual legislação, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96) que menciona a preferência pelo modelo democrático e participativo da administração escolar. O artigo terceiro, inciso VIII da LDB, sobre os princípios do ensino no Brasil fala na: "gestão democrática do ensino público". Essa gestão democrática, como prevê o artigo 14, deve ter por base a participação tanto dos profissionais da educação, como da comunidade. E a LDB diz mais. No artigo 15 podemos ler: "Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira"

Do ponto de vista legal, portanto, estão completamente superados eventuais vestígios de autoritarismo.

Nossa questão, portanto é: como se efetivará a gestão democrática? Qual sua relação com o planejamento, o financiamento e a avaliação?

Começamos dizendo que deste ponto de vista a gestão escolar ou educacional pode ser entendida como o caminho, o modelo e as posturas envolvidas e desenvolvidas para gerir o sistema escolar ou as escolas. Para essa gestão é que a lei prevê a necessidade de ser democrática com crescente autonomia. Trata-se portanto de um movimento de alteração das relações de poder, do papel do Estado e dos atores sociais. Embora esteja falando a partir do modelo português, o que diz João Barroso, aplica-se à nossa realidade: "essa alteração vai no sentido de transferir poderes e funções do nível nacional e regional para o nível local, reconhecendo a escola como um lugar central de gestão e a comunidade local (em particular os pais e alunos) como um parceiro essencial na tomada de decisões" (BARROSO, 2003, p. 13)

Isso nos leva a mais uma indagação: em que consiste essa autonomia?

O sistema de ensino público, mesmo concedendo autonomia às instituições escolares, ainda mantém a supremacia legislativa e normativa: é o poder público que contrata e mantém os professores e demais funcionários das escolas; o dinheiro aplicado nas escolas vem do poder público. Mesmo no ensino superior, em instituições que mantêm fundações ou outras instituições para captação de recursos, o poder público mantém a normatização de funcionamento, além do quadro funcional. Na iniciativa privada não é diferente: o poder publico mantém constante e severa vigilância. Portanto a autonomia não é absoluta, pois acima das instituições de ensino permanecem as instituições do Estado. Neste caso para que aconteça a autonomia ela precisa ser construída mediante sintonia de interesses e pela crescente possibilidade de diálogo entre o poder público, a sociedade civil e a comunidade escolar. A gestão democrática e participativa se constrói, portanto, pela sintonia desses três vértices do triângulo dos interessados.

Neste caso nem a gestão democrática é algo pronto, nem a autonomia um ponto de chegada e definitivo. Mas se trata de um processo construído no cotidiano das ações.

Mas existe um outro lado da autonomia que pode soar um pouco mais problemático. Por que o poder público, ou o Estado, alimenta a gestão democrática? Por que quem detém o poder estaria abrindo mão dele?

É o mesmo João Barroso quem nos responde a partir de uma breve análise do conceito de "territorialização" e da autonomia consentida. A territorialização consiste numa diversidade de processos que "vão no sentido de valorizar os poderes periféricos, a mobilização dos actores e a contextualização da acção política". (2003, p. 14). E o autor continua, dizendo que: esse processo "tem por pano de fundo um conflito de legitimidade entre o Estado e a sociedade, entre o público e o privado, entre o interesse comum e os interesses individuais, entre o central e o local" (2003, p. 14).

Dentro desse processo, diz esse autor, podem existir mecanismos promovendo uma espécie de privatização da escola pública; ou uma forma do poder central transferir para as periferias os problemas aos quais não sabe ou não pode resolver; pode manifestar-se, também, como mecanismo de controle indireto. São efetivamente riscos que se corre, e que são previsíveis dentro da ideologia ou do modelo de um Estado que se assente no neoliberalismo. Mas, ao mesmo tempo, pode-se ver nesse processo o resultado de mobilizações de atores sociais locais, apropriando-se de espaços antes controlados exclusivamente pelo poder central. Em outras palavras, o que se percebe é a permanência dos conflitos, mas agora não de forma explosiva e sim dialogada, democratizada... não se pode dizer que as novas tendências de gestão superam os conflitos e contradições da sociedade capitalista, mas que abre espaço para o diálogo, acenando para uma perspectiva democrática do universo educacional. E com isso voltamos à afirmação da democratização do ambiente educacional.

Agora se pode perguntar: esse processo de democratização e de ampliação da autonomia educativa é positivo ou problemático para a sociedade? A reposta vai depender da análise do fenômeno, respondendo a estas indagações: trata-se de uma forma de transferir problemas insolúveis para a comunidade? Ou trata-se de um avanço da mobilização dos atores sociais?

O que podemos observar, concretamente é que, a partir de um processo de gestão democrática, a comunidade escolar – particularmente os gestores – é levada a melhor planejar o cotidiano escolar. Planejamento não só das ações pedagógicas, mas também dos processos financeiros e das relações com os pais e alunos. Dentro desse processo a escola tem condições de ultrapassar seus próprios muros.

Também se pode dizer que a partir dessa perspectiva o Estado, por meio de vários programas, direciona dinheiro para as escolas – e aqui estamos pensando, especificamente,nas escolas públicas estaduais. Esse dinheiro é administrado não somente pelo diretor e demais funcionários das escolas, mas por uma equipe gestora da qual também participam pais e alunos – essa equipe, recebe diferentes denominações: APP, APM, Caixa Escolar.... O processo participativo ocorre, não só pela recepção e distribuição do dinheiro, mas num processo anterior, quando pais, alunos e membros da escola opinam sobre como e onde deve ser aplicado o dinheiro que virá. Portanto, a previsão, o planejamento, é anterior à remessa. O dinheiro chega às escola, sim, mas a partir de planejamento.

Estamos, pois, diante de um novo modelo gestionário da ação escolar. Um modelo que democratiza a participação, que demanda planejamento, que, a partir do planejamento, consegue gerir e aplicar a verba destinada à escola. Podemos, inclusive, admitir que haja menor risco de desvio de verbas, o que seria assunto para outra discussão, evidentemente. Também podemos admitir que esse modelo pode ser um mecanismo que esteja ocultando a incapacidade ou a má vontade do centro do poder; pode ser uma manifestação da manipulação exercida sobre os atores sociais. Mas também pode ser mais uma conquista da mobilização social. E, talvez, havendo mais mobilização, haja mais conquistas...

Prof. Ms Neri P. Carneiro

Filósofo, Teólogo, Historiador.

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1- BARROSO, João. O reforço da autonomia das escolas e a flexibilização da gestão escolar em Portugal. In.FERREIRA, Naura. S. C. (org) Gestão Democrática da Educação: atuais tendências, novos desafios. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2003. p. 11-32

2- BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm

3- BRASIL. Lei 9394/96, de 20 de dezembro de 1998, Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.Brasília: Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l9394.htm

4- LÜCK, Heloísa. Et al. A Escola Participativa, o trabalho do gestor escolar. 4 ed. Rio de Janeiro: DP&A. 2000