Por: Laércio Becker, de Curitiba-PR

O Estado pode se meter em futebol? Trata-se de uma questão antiga. Na realidade, presente desde as primeiras décadas do esporte bretão no Brasil.

O grande historiador Capistrano de Abreu, em carta escrita em 19.05.1919, ao comentar a final do Campeonato Sul-Americano, demonstra ser contra a intromissão estatal:

“O grande acontecimento deste aldeão é o foot-ball. O Brasil só tem pela frente o Uruguai. Vencerá? Há para isto um estimulante forte. Um Guinle, creio que Arnaldo, cabo das sociedades desportivas, disseram-me, tomará a si a dívida de mil contos de um empréstimo feito no Banco do Brasil, se o triunfo nos assegurar o campeonato sul-americano. Nunca assisti a uma partida, não posso fazer idéia de como é, e os termos técnicos soam-me aos ouvidos como a mais arrevesada das gírias; mas, enquanto tudo for independente de socorros federais ou municipais, contará com minhas simpatias incondicionais o jogo do foot-ball.”

Em contrapartida, Gilberto Amado, em artigo publicado originalmente em 1921, no jornal O País, ao comentar as seguidas derrotas da seleção carioca para a paulista, dá a entender que prefere a intervenção estatal:

“Um prefeito moderno, menos jurídico e possuidor de um fraque menos pesado do que o Sr. Sá Freire, tomaria a sério a questão, entender-se-ia, antes de cada jogo, com os chefes dos diversos clubes, criaria uma fiscalização para a Liga Metropolitana, interessar-se-ia, enfim, pelo renome esportivo da cidade.”

Veremos, neste artigo, as primeiras manifestações de interesse de estadistas brasileiros pelo futebol. Especialmente nesse período em que, como bem expõe Victor Andrade de Melo, as autoridades davam maior atenção ao turfe e às regatas.

 

Essa relação entre esportes e estadistas, no Brasil, vem desde o Império. Basta lembrar que D. Pedro I e D. Leopoldina compareceram às corridas de cavalos realizadas em 31.07.1825, na enseada de Botafogo, como noticiou o Diário Fluminense (apud Carvalho):

“Domingo 31 do corrente, tiveram lugar, na praia do Botafogo, grandes corridas de cavalos, as quais SS. MM. II. [Suas Majestades Imperiais] se dignaram presenciar. A praia apresentava uma interessante vista, o grande número de cavaleiros, de seges e de embarcações faziam um todo aparatoso (...). Este divertimento, que já não é novo entre nós, pode ter um bom resultado para o Brasil, e vem a ser, que se nossos compatriotas com ele se entusiasmarem como fazem os ingleses, haverá mais cuidado do que até agora sobre as raças de cavalos, objeto que nos tem sido até hoje indiferente.”

 A tradição esportiva da família imperial foi seguida por D. Pedro II e D. Thereza Christina, que compareceram à primeira corrida de cavalos do Jockey Club, em 16.05.1869, e também à primeira do Derby Club, em 02.08.1885. Além de grandes incentivadores do turfe, também davam apoio ao remo, tanto que compareceram à primeira regata “oficial” do Rio de Janeiro, em 01.11.1851, cf. Charles Dunlop:

“Às 3 horas da tarde, a praia já estava cheia de espectadores e o mar coalhado de pequenas embarcações de todas as formas e feitios. Aguardava-se a chegada da Família Imperial, que prometera honrar a competição com a sua augusta presença no palacete do Visconde de Abrantes.

Pouco antes das 4 horas, seis bandas de música, embarcadas nos vapores, anunciaram a chegada de Suas Majestades Imperiais, tocando a um tempo o Hino Nacional.”

Mas e o futebol?

Como já dissemos no capítulo “Primeiros jogos”, de nosso livro Do fundo do baú, há quem diga que uma partida de futebol entre marinheiros foi jogada por tripulantes da corveta inglesa Criméia, num capinzal diante da residência da Princesa Isabel (atual Palácio Guanabara, vizinho ao Fluminense), em 1878. Se for verdade, bem que a Redentora poderia ter dado uma olhada. Ou seu consorte Conde d’Eu, primeiro sócio honorário do Jockey Club.

Só que há dúvidas se esse navio realmente aportou no Rio de Janeiro nesse ano, o que torna improvável a própria partida e praticamente impossível a hipótese de Isabel ser a primeira estadista brasileira (já que assumiu o governo em várias oportunidades) a ter contato com o futebol.

 

A preferência das autoridades pelo turfe e pelo remo prosseguiram nos primeiros governos da República. O Marechal Deodoro da Fonseca (1889-1891), p.ex., compareceu à inauguração do Hipódromo Nacional, em 1890. E Prudente de Morais (1894-1898) assistiu ao primeiro campeonato de remo do Rio de Janeiro, em 05.06.1898.

De Floriano Peixoto (1891-1894), o que se sabe é que seu filho José Floriano era um entusiasta do esporte nascente. Sócio do America e do Botafogo, praticante de remo, luta greco-romana, boxe e futebol, chegou a criar um time próprio, o Sport Club José Floriano, com o qual foi campeão de 1907 pela União Sportiva Fluminense.

 

Em nosso artigo “Barão do Rio Branco, Presidente de Honra do America”, já avaliamos a possibilidade de Campos Sales (1898-1902) ter sido torcedor do America FC. Na realidade, não conseguimos encontrar subsídios suficientes para tirar uma conclusão.

Como já dissemos naquele artigo, Manoel Ferraz de Campos Sales gostava de passar os dias em Santos e Guarujá (preferia beira-mar), onde era recebido em festa e onde acabou falecendo. Coincidência ou não, em Santos havia também um “veterano sportman” e amante do futebol, de nome Mario Ferraz de Campos, que participou da fundação do Santos FC. Parente? Considerando as coincidências de sobrenome e cidade, provavelmente sim.

Apesar ser lembrado nos brindes feitos após os primeiros jogos de futebol no Brasil (cf. vimos em nosso artigo “Somos todos fluminenses”), não consta que Campos Sales tenha comparecido a algum jogo. Há notícia de que foi convidado e aceitou comparecer a uma celebração esportiva no Rio Cricket AA (RJ), em comemoração à coroação do rei Eduardo VII, em 09.08.1902 – mas acabou faltando.

 

A impressionante biografia de Rodrigues Alves (1902-1906), escrita por Afonso Arinos, chega a citar o futebol, mas apenas como parte do contexto cultural em que se desenvolveu o seu governo:

“O futebol, paixão brasileira e glória mundial do Brasil, começara em 1905, com um clube de nome inglês, o Football Athletic Club, pelos lados da Tijuca e o carioquíssimo America, na sua provocante camisa rubra.”

Como se vê, há alguns pequenos equívocos: o futebol carioca não começou em 1905 (ver o capítulo “Primeiros jogos”, em nosso livro Do fundo do baú), o Football & Athletic e o America foram fundados em 1903 e 1904, respectivamente, e a camisa do America, até 1908, era preta. Mas tudo bem, esse breve parágrafo não arranha o valor da magnífica obra.

O que importa é que Rodrigues Alves e outras autoridades estiveram no campo do Fluminense em julho de 1905, quando assistiram a um jogo do tricolor contra o Paulistano. Sobre o assunto, diz Paulo Coelho Netto que:

“Era a primeira vez, no Brasil, que o chefe do Estado prestigiava, com sua presença, a realização de um jogo de futebol. Trazendo o apoio do governo para as suas competições, o Fluminense conseguia um êxito brilhatíssimo e prestava inestimável serviço à causa dos desportos.”

De fato, chama atenção a presença do Presidente da República num jogo recentemente implantado no país.

Cumpre lembrar que o Presidente virou nome de dois troféus disputados no futebol. De 1917 a 1920, havia uma “Taça Rodrigues Alves” que era disputada pelas seleções paulista e carioca – como vimos em nosso artigo “Sobre a unificação dos títulos brasileiros”. Notem que foi uma homenagem em vida, já que ele faleceu em 1919 – será que o ex-Presidente contribuiu com o troféu, como fez Afonso Pena? Homenagem póstuma foi a “Copa Rodrigues Alves”, disputada pelas seleções brasileira e paraguaia, em 1922.

 

Segundo seu biógrafo Américo Lacombe, Afonso Pena (1906-1909) gostava mesmo era de jogar xadrez. Mesmo assim, não ignorou o futebol. Em 31.07.1906, ele assistiu à primeira partida de um time estrangeiro em São Paulo. Perante a fina flor da alta sociedade paulista, que lotou o Velódromo, um quadro sul-africano aplicou 6x0 num selecionado paulista.

Apesar do “baile”, o Presidente deve ter gostado do espetáculo. Tanto que ofereceu um troféu, intitulado “Taça Brasil”, ao vencedor do primeiro Campeonato Brasileiro de Futebol, disputado em 1907 pelas seleções paulista e carioca. Duas vitórias (4x1 e 1x0) garantiram a São Paulo o direito à Taça Brasil, só que ela nunca foi entregue.

Há outro episódio que envolve o Presidente e o futebol, embora indiretamente. Em 01.11.1907, ele foi inaugurar o primeiro Posto Central de Assistência Pública Municipal, no Rio de Janeiro. Era para atendimento telefônico a emergências médicas: feridos, afogados e acidentados em geral. Às 14h, chegou Afonso Pena em seu Landau, acompanhado de outras autoridades. Uma banda de música tocou o Hino Nacional e o Presidente foi conhecer as modernas instalações, o centro cirúrgico, as três ambulâncias etc. Aqui termina a descrição de Charles Dunlop e começa a de Loris Baena Cunha, segundo o qual duas telefonistas tomaram os seus assentos para início dos trabalhos. Sob a vigia de Afonso Pena e de todas as outras autoridades, aguardaram mais de uma hora e nada de o telefone tocar.

Até que, por volta das 15h 30min, tocou o telefone, para alívio de todos os presentes. Esse primeiro pedido de atendimento foi para socorrer... um jogador de futebol que havia fraturado um braço e uma perna, num jogo no Cais do Porto. Sob aplausos de todos, médico, enfermeiro e motorista saíram de ambulância para socorrer o jogador. No meio do povo, alguém falou bem alto: “Tanto doente para atender e a ambulância foi socorrer um vagabundo...”

 

Sobre Nilo Peçanha (1909-1910), não encontrei notícias de interesse pelo futebol durante o exercício da Presidência da República. O que se sabe é que, depois, quando era senador, juntamente com o prefeito do Rio e outras autoridades, ele assistiu àquela que pode ser considerada a primeira partida noturna no Brasil. Foi um amistoso jogado no campo do antigo Jardim Zoológico de Vila Isabel, em 05.09.1914, às 21h (ver o capítulo “Primeiros jogos noturnos”, em nosso livro Do fundo do baú).

Cumpre lembrar que isso não significa que Peçanha tivesse algum apreço especial pelo futebol. Pelo menos, não encontrei nada em sua biografia nesse sentido. Provavelmente, o então senador só compareceu a esse pioneiro jogo noturno porque foi disputado por um selecionado de Campos dos Goytacazes, onde tinha sua base política.

Depois, em 1916, quando compareceu ao bairro para inauguração de obras, Nilo Peçanha foi homenageado pelo Merity FC, cf. O Imparcial, de 01.03.1916 (apud Pereira).

Posteriormente, em 1922, Nilo visitou o Fluminense em companhia do escritor Coelho Netto, como candidato à Presidência da República, cf. A Noite, de 20.01.1922 (apud Fernandez).

Mas isso não significa que o futebol não estivesse presente em sua família. Na década de 20, Cleveland Peçanha, parente de Nilo, fundou o América FC de Campos.

 

Há notícias de que Hermes da Fonseca (1910-1914), antes de ser Presidente, na qualidade de general, já assistia a jogos de futebol praticados por soldados num acampamento em Santa Cruz, cf. Gazeta de Notícias de 17.09.1906 (apud Pereira).

Durante o mandato de Presidente da República, consta que ele visitou o vizinho Fluminense (cf. Coelho Netto) e, principalmente, que assistiu a um amistoso entre o Botafogo e um combinado de jogadores portugueses dos clubes Lisboa, Benfica e Tiro e Sport, convidado pelo Glorioso para se apresentar no Brasil. Foi em 20.07.1913. O Marechal, acompanhado de todo seu Ministério, do embaixador português e outras autoridades, deve ter escolhido essa partida por ser a última dos portugueses no Rio de Janeiro.

O curioso é que o combinado lusitano vinha de duas derrotas (para uma seleção de jogadores ingleses do Rio e para um selecionado carioca) e um empate (com um selecionado brasileiro). Pois bastou o Presidente comparecer para eles obterem sua primeira vitória no Brasil: 1x0 sobre o anfitrião. Que pé-frio...

O resultado do amistoso pouco importa: foi uma grande honra para o Botafogo, sem sombra de dúvida. Coincidentemente, muitos anos depois, de 1977 a 1993, o alvinegro mandou seus jogos no Estádio Mané Garrincha, conhecido pelo nome do bairro em que se localizava: Marechal Hermes.

 

Sobre Wenceslau Braz (1914-1918), o que sabemos é que, sob sua gestão, o Ministro das Relações Exteriores, Lauro Müller, envidou esforços para unificação do futebol nacional (ver nosso artigo “Barão do Rio Branco, Presidente de Honra do America”).

Também foi graças à intervenção pessoal do Presidente que o selecionado brasileiro pôde viajar a preços módicos para a Buenos Aires, para disputar o 1º Campeonato Sul-Americano, cf. O Imparcial, de 29.06.1916, e Correio da Manhã, de 03.07.1916 (apud Pereira).

Após o fim do mandato, em 14.09.1921, Wenceslau ganhou o título de Presidente de Honra do America FC. Como dissemos em nosso artigo “Barão do Rio Branco, Presidente de Honra do America”, o título decorreu do apoio que ele sempre deu ao America. A propósito, também foi sócio honorário do Fluminense.

 

Quanto a Delfim Moreira (1918-1919), assim como Rodrigues Alves, também foi homenageado com nome de troféu. A “Taça Delfim Moreira” foi disputada durante sua gestão, em 1918 e 1919, entre as seleções carioca e mineira.

Sua atuação no que diz respeito ao mundo do futebol foi mais pronunciada, contudo, quando do Campeonato Sul-Americano de futebol, disputado no Rio de Janeiro, em 1919. Para início de conversa, Delfim compareceu na partida inaugural – do certame e das novíssimas arquibancadas do estádio do Fluminense: Brasil 6x0 Chile (pé-quente!), em 11.05.1919. Assim descreve Tomás Mazzoni (para mais detalhes, ver o capítulo “Primeiros estádios”, em nosso livro Do fundo do baú):

“O início do Campeonato foi honrado com a presença de S. Excia. o Sr. Presidente da República, que chegou ao local do match pouco antes do mesmo principiar, só se retirando depois do seu final.”

Para o autor dar destaque ao fato de que Delfim ficou até o final da partida, é possível inferir duas coisas. Primeiro, que não era incomum as autoridades saírem antes do jogo, em especial as que tinham pouca afinidade com o esporte. Segundo, que provavelmente Delfim tinha essa afinidade.

Um detalhe importante que deve comprovar essa hipótese é que, numa atitude inédita para um Presidente da República, ele decretou ponto facultaltivo nas repartições públicas, para que os funcionários públicos pudessem acompanhar a final do Campeonato, em 29.05.1919 – uma quinta-feira. Ao contrário do Maracanazo, não houve um Larajeirazo: vitória de 1x0 sobre o Uruguai, gol de Friedenreich, Brasil campeão.

 

Como Presidente eleito (em 12.04.1919) mas ainda não empossado, Epitácio Pessoa (1919-1922) fez uma discreta saudação ao título do Campeonato Sul-Americano: “saúdo em nome de toda a nação a vitória dos jovens desportistas brasileiros”. Foi o pontapé inicial de sua relação com o futebol.

O passo seguinte foi comparecer com outras autoridades à final do campeonato carioca, em 21.12.1919, no estádio das Laranjeiras. O Presidente já empossado chegou durante a partida preliminar, que foi interrompida, os jogadores formaram diante da tribuna de honra e a banda do Batalhão Naval tocou o Hino Nacional. O Fluminense goleou o Flamengo por 4x0 e a conquista do tricampeonato foi saudada com uma salva de 21 tiros de canhão, do alto do morro do Mundo Novo. Epitácio assistiu a tudo e só saiu do estádio depois de entregar onze medalhas de ouro aos jogadores.

Em junho de 1920, compareceu novamente ao estádio do Fluminense, mas dessa vez com a primeira-dama, para uma apresentação ao ar livre da ópera Aída, de Verdi, cf. A Rua, de 15.06.1920 (apud Fernandez).

Voltou ao estádio das Laranjeiras em 26.09.1920, juntamente com todo seu Ministério e outras autoridades, para acompanhar os reis Alberto I e Elizabeth, da Bélgica. Lá, assistiram a um grande desfile de esportistas dos clubes da capital, em homenagem ao famoso “rei-soldado”. Na realidade, a idéia era impressionar esse monarca que era admirador confesso do esporte em geral e do futebol em particular. Eis a minuciosa descrição que nos fornece Leonardo Pereira, com base em jornais da época:

“Da tribuna de honra, o rei Alberto e sua esposa assistiram a um desfile que se abria com a entrada no estádio de uma banda egípcia de clarins, ‘recordando uma passagem heróica das festas da Hélade’. (...) Com disciplina militar, a parada continuava com a entrada em campo das delegações de cada um dos clubes filiados à liga. À frente de todos apareciam, dando início ao desfile, as bandeiras brasileira, belga e da Liga Metropolitana – que sobrepunham-se às de cada clube, carregadas por seus respectivos representantes. Perfilados lado a lado e cumprindo as determinações da liga, marcharam frente ao monarca belga cerca de 1.500 atletas, que proporcionavam aos espectadores um espetáculo grandioso. (...) Tratava-se, enfim, de uma grande apoteose do esporte nacional, a que o monarca belga assistiu com atenção.

Para encerrar os festejos, acontecia uma disputa entre um selecionado escolhido entre os times de futebol da zona sul, vestido com as cores da Bélgica, contra um outro formado pelos times da zona norte, que vestia o uniforme da Liga Metropolitana. Presenciado por cerca de 35 mil espectadores, o sucesso do evento constituíra para a crônica esportiva da cidade ‘um verdadeiro acontecimento’, sendo aquela tarde qualificada como uma das ‘mais memoráveis para o sport nacional’. Impressionando espectadores que até então ‘nunca voltaram as suas atenções para o sport’, como o presidente Epitácio Pessoa, ele era para muitos a prova de que o futebol já seria no Brasil um ‘Estado dentro do Estado’.”

Obs.: a acusação que o jornal da época faz, de que Epitácio nunca havia dado atenção ao esporte, não procede, pois já havia duas demonstrações de algum interesse, como vimos acima.

Também em 1920, no salão nobre do Fluminense, Epitácio Pessoa entregou uma placa de prata ao primeiro medalhista olímpico do Brasil – o atirador Afrânio Costa, do tricolor.

Mais uma vez voltou ao estádio das Laranjeiras em 13.09.1922, para a solenidade de abertura dos Jogos Olímpicos Latino-Americanos, comemorativos do centenário da independência do Brasil. E é inconcebível que não tenha voltado para a abertura ou o encerramento do Campeonato Sul-Americano de outubro de 1922, novamente vencido pelo Brasil.

Com tantas participações em eventos esportivos, não é de estranhar que tenha virado Presidente de Honra da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), atual Confederação Brasileira de Futebol (CBF). E com tantas visitas ao Fluminense, que tenha virado sócio honorário do tricolor.

No entanto, Epitácio Pessoa será sempre lembrado por um episódio infeliz que já citamos em nosso artigo “Macacos, macaquitos e a Ponte Preta”. Tudo começou em 1920. Na volta do Campeonato Sul-Americano desse ano, a seleção brasileira foi fazer um amistoso beneficente com a seleção argentina, em Buenos Aires. Só que um jornal local estampou uma charge apresentando nossos jogadores como “macaquitos”. Então, por ocasião da convocação da seleção que voltaria à Argentina para disputar Campeonato Sul-Americano de 1921, em conversa reservada com o presidente da CBD, Oscar da Costa, Epitácio Pessoa teria exigido que só fossem convocados jogadores “rigorosamente brancos”. É claro que a CBD negou peremptoriamente que essa conversa tenha ocorrido, mas o estrago já estava feito e ninguém acreditou.

Segundo Waldenyr Caldas, eram dois os motivos que o moviam. Em primeiro lugar, como a chance de o Brasil vencer na Argentina era remota, se a seleção tivesse negros, o Presidente achava que os brasileiros brancos os responsabilizariam pelo fracasso. Em segundo lugar, ele disse querer evitar novas manifestações racistas dos argentinos e, assim, “preservar” a honra, a imagem e a dignidade do negro e do povo brasileiro, além de evitar algum incidente diplomático.

Ou seja, sob o pretexto de proteger o negro, de manifestações racistas de brasileiros e argentinos, o Presidente acabou monopolizando o racismo para si mesmo.

 

De Artur Bernardes (1922-1926), o máximo que encontrei foi que, em 1925, na volta da famosa excursão pela Europa, ao chegar ao Rio de Janeiro, a delegação do Paulistano foi recebida em triunfo, por fanfarras militares e pelo Presidente, que deu uma de tiete (leia-se: torcedor): cumprimentou cada um dos jogadores e chegou a lhes pedir autógrafos (cf. Brandão).

Em 1926, no Fluminense, ele discursou para os escoteiros tricolores, antes da excursão que fizeram a Belo Horizonte, cf. O Globo, de 11.01.1926 (apud Fernandez).

 

Washington Luís (1926-1930), justamente o último da chamada República Velha, foi o que mais demonstrou afinidades com os esportes em geral, inclusive o futebol. Antes mesmo de assumir a Presidência, quando ainda governava a cidade e o estado de São Paulo, ele se dizia um “prefeito-desportista” e depois “governador-desportista”. Isso porque sempre fez questão de cultivar uma imagem de pessoa atlética, que se envolveu e deu apoio oficial a eventos esportivos, p.ex., a Prova Estadinho, de atletismo, as “Regatas Washington Luís”, disputadas no Tietê, e os raids aéreos. Quando do 1º Campeonato Estadual de Luta Romana, ele premiou pessoalmente o vencedor dos pesos-pesados.

A seleção brasileira titular que conquistou o Campeonato Sul-Americano de 1919 tinha nove jogadores paulistas. Por isso, o então prefeito Washingon Luís patrocinou para eles uma festa de recepção absolutamente inédita, “acionando carros de bombeiros, bandas, lanceiros, guardas de honra, flores, luzes e foguetório” (cf. Sevcenko).

Em 1920, o então governador tentou – em vão – reverter a posição da Associação Paulista de Esportes Atléticos (Apea), que não queria ceder jogadores para o selecionado brasileiro que iria ao Chile para disputar o Campeonato Sul-Americano, em virtude do impasse que envolvia Fluminense e Paulistano, em torno da Taça Ioduran (sobre as razões desse veto da Apea, ver nosso artigo “Sobre a unificação dos títulos brasileiros”). Tempos depois, a Apea instituiu “Taça Dr. Washington Luís”, conquistada pelo Corinthians em 1929.

Em 1921, o governador compareceu à inaugração da luxuosa sede da Sociedade Hípica Paulista.

Quando o já ex-governador e candidato à Presidência estava em Paris, o Paulistano fazia a citada excursão pela Europa. Washington Luís não perdeu tempo: foi assistir ao jogo de estréia do time brasileiro, em 15.03.1925, uma goleada de 7x2 na seleção francesa, sob neve, perante assistência de peso, como o Príncipe D. Pedro de Orleans e Bragança, filho da Princesa Isabel, Raul do Rio Branco, que veio especialmente de Berna para o evento, e dizem que até Jules Rimet, entre outras autoridades. Antes de retornar ao Brasil, o presidente do Paulistano, Antonio Prado Jr., ofereceu à sua delegação um almoço de despedida, em que compareceu novamente Washington Luís, que recebeu uma lembrança.

Depois, já no exercício da Presidência da República, compareceu à inauguração da piscina do Paulistano, em 03.10.1926. Segundo Ignácio de Loyola Brandão, ele era um “amigo do clube” (pode-se dizer torcedor?). De terno, colete, gravata borboleta, chapéu e bengala, deu uma volta inaugural em torno da piscina (pelo lado de fora, é claro!) e batizou-a com champanhe.

No ano seguinte, em 21.04.1927, foi com cinco Ministros e outras autoridades à inauguração do estádio de São Januário. O maior estádio da América do Sul, naquela época. Emocionado, recebeu os aplausos e vivas de mais de 50 mil torcedores, durante mais de três minutos. Por isso, depois declarou à imprensa: “nunca recebi tantas palmas em minha vida; nem em minha terra”. Agradou aos cariocas e desagradou aos paulistas.

13.11.1927, na final do Campeonato Brasileiro de Seleções, em São Januário. Os paulistas abandonaram o jogo a 12 minutos do fim, quando empatavam em 1x1 com os cariocas, por discordarem da marcação de um pênalti. Washington Luís, que estava na tribuna de honra, ordenou que o jogo continuasse. Ao que o jogador Feitiço, da seleção paulista, respondeu que o presidente podia mandar lá em cima, mas cá embaixo quem mandava era ele. Resultado: o juiz mandou bater o pênalti assim mesmo e encerrou o jogo em 2x1.

Como vingança, diz a imprensa que o Presidente impediu a CBD de enviar uma delegação à Olimpíada de 1928, em Amsterdam, ao lhe negar verba. Segundo Storti e Fontenelle, teria dito: “O esporte é uma brincadeira de rapazes desvairados”. Desiludido com o futebol e já no final do mandato (que seria abreviado pela Revolução de 30), ele também não deu atenção à formação da seleção brasileira para a Copa de 1930.

Ou seja, por um caminho tortuoso, o Brasil voltou à não-ingerência (no caso, não-incentivo) estatal nos esportes. Ingerência e incentivo que seriam depois retomados por Vargas, num patamar bem superior, como veremos em nosso artigo “A futebolização da política”.

 

PS: confesso que a pesquisa que fiz para redigir este artigo decorreu de uma curiosidade. É que anda circulando pela internet uma lista de Presidentes e seus respectivos clubes de preferência. Ei-la:

  • Dutra – Flamengo
  • Vargas – Grêmio e Vasco (ou Flamengo, ver nosso artigo “Somos todos fluminenses”)
  • Café Filho – Alecrim (ver nosso artigo “Café Filho, o goleiro que virou Presidente da República”)
  • JK – Cruzeiro (ou América Mineiro) e Vasco
  • Jânio – Corinthians
  • Jango – Grêmio (ou Internacional, ver nosso artigo “Café Filho, o goleiro que virou Presidente da República”) e Vasco
  • Medici – Grêmio e Flamengo
  • Geisel – Botafogo (ver nosso artigo “Geisel, o botafoguense vascaíno”)
  • Figueiredo – Fluminense e Grêmio
  • Tancredo – América mineiro
  • Sarney – Sampaio Correia
  • Collor – CSA
  • Itamar – Sport Club de Juiz de Fora
  • FHC – Corinthians e Fluminense
  • Lula – Náutico, Corinthians e Vasco
  • Dilma – Atlético Mineiro e Internacional de Porto Alegre

 

O que chama atenção na lista é que não aparece nem um Presidente da República Velha. À primeira vista, porque isso não fazia parte das preocupações da elite política da época.

Considerando os fatos narrados acima, podemos agora incluir algum da República Velha? É tentador sugerir os seguintes nomes com as supostas simpatias:

  • Campos Sales – America carioca
  • Rodrigues Alves – Fluminense
  • Hermes da Fonseca – Botafogo
  • Wenceslau Braz – America carioca
  • Epitácio Pessoa – Fluminense
  • Artur Bernardes – Paulistano
  • Washington Luís – Paulistano e Vasco

 

No entanto, trata-se de mera especulação. O fato de comparecer com freqüência aos estádios das Laranjeiras e de São Januário não significa necessariamente que eram torcedores de Fluminense e Vasco. É que eram os maiores estádios da capital naquela época. Na realidade, presume-se que não eram necessariamente manifestações de apreço pelos clubes, mas mero aproveitamento político de espaços e oportunidades.

Quanto aos títulos honorários, também não significam muito em termos de identificação do time de preferência. P.ex., depois da República Velha, José Linhares (que assumiu interinamente a Presidência após a deposição de Vargas) foi sócio honorário do Fluminense. Mas isso não significa que fosse tricolor, pois o vascaíno Vargas foi Presidente de Honra do Fluminense, o flamenguista Dutra foi sócio honorário do tricolor, o flamenguista Medici foi Presidente de Honra do America carioca e o botafoguense Geisel foi Presidente de Honra do Vasco (ver nosso artigo “Geisel, o botafoguense vascaíno”).

 

Fontes:

ABREU, João Capistrano de. Correspondência. 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977. v. 3, p. 70.

AMADO, Gilberto. Assunto sério. In: PEDROSA, Milton (org.). Gol de letra. Rio de Janeiro: Gol, 1967. p. 162-3.

BRANDÃO, Ignácio de Loyola. Club Athletico Paulistano: corpo e alma de um clube centenário. São Paulo: DBA, 2000. p. 45-6, 51.

CALDAS, Waldenyr. O pontapé inicial: memória do futebol brasileiro. São Paulo: Ibrasa, 1990. p. 88-94, 100-4, 166.

CARVALHO, Ney O.R. Rio de Janeiro: um século e meio de turfe. Rio de Janeiro: Jockey Club Brasileiro, 1998. p. 21, 35, 37, 45, 56, 70.

COELHO NETTO, Paulo. História do Fluminense: 1902-2002. 2ª ed. Rio de Janeiro: Pluri, 2002. p. 24, 61-2, 74, 79, 86, 186.

CUNHA, Loris Baena. A verdadeira história do futebol brasileiro. Rio de Janeiro: ed. do autor, s/d. p. 21.

DUNLOP, Charles J. Rio antigo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rio Antigo, 1958. v. 1, p. 101-2; v. 3, p. 82.

FERNANDEZ, Renato Lanna. Fluminense Foot-ball Club: a construção de uma identidade clubística no futebol carioca. Dissertação (Mestrado em Bens Culturais e Projetos) – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Fundação Getúlio Vargas, 2010. p. 120-2.

FILHO, Mário (Rodrigues). O negro no futebol brasileiro. 4ª ed. Rio de Janeiro: Mauad, 2003. p. 158-60.

IORIO, Patrícia; IORIO, Vitor. Rio Cricket e Associação Atlética. Rio de Janeiro: Arte e Ensaio, 2008. p. 87.

LACOMBE, Américo Jacobina. Afonso Pena e sua época. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1986. p. 322.

LIMA, Oswaldo. Bairro do Caju. Rio de Janeiro: Cátedra, 1980. p. 41, 230.

MALHANO, Clara E.S.M.B.; MALHANO, Hamilton Botelho. Memória social dos esportes: São Januário – arquitetura e história. Rio de Janeiro: Mauad, 2002. p. 102.

MARINHO, Inezil Penna. História da educação física e dos desportos no Brasil. São Paulo: RT, 1952. v. 2, p. 24.

MAZZONI, Tomás. História do futebol no Brasil. São Paulo: Leia, 1950. p. 64, 66-7, 86-7, 124, 135, 137-8, 146, 170, 182-3, 189, 204-6, 218.

MELO, Victor Andrade de. Cidade sportiva: primórdios do esporte no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. p. 93 e ss.

MELO FRANCO, Afonso Arinos de. Rodrigues Alves. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1973. v. 2, p. 564.

OURIVES, Paulo. História do futebol campista. Rio de Janeiro: Cátedra, 1989. p. 146.

PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. Footballmania: uma história social do futebol no Rio de Janeiro, 1902-1938. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. p. 70-1, 96, 147, 155-8, 176-7, 234.

PEREIRA, Robson Mendonça. Washington Luís na administração de São Paulo (1914-1919). São Paulo: Unesp, 2010. p. 236.

SANDER, Roberto. Sul-Americano de 1919. Rio de Janeiro: Maquinária, 2009. p. 49, 73.

SANT’ANNA, Leopoldo. Supremacia e decadência do futebol paulista. São Paulo: Instituto Ana Rosa, 1925. p. 72.

SANTAFÉ, Hélvio. Ídolos do esporte: a história do esporte de Campos. 2ª ed. Campos: Grafimar, 2006. p. 127-8.

SCHPUN, Mônica Raisa. Beleza em jogo: cultura física e comportamento em São Paulo nos anos 20. São Paulo: Senac, 1999. p. 48, 55, 69, 72.

SEVCENKO, Nicolau. Futebol, metrópoles e desatinos. Revista USP, São Paulo, nº 22, p. 36, jul./ago. 1994.

SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 55, 70.

STORTI, Valmir; FONTENELLE, André. A história do campeonato paulista. 2ª ed. São Paulo: Publifolha, 1997. ref. ano 1927.

TORRES, Cesar R. Jogos Olímpicos Latino-Americanos de 1922 – Rio de Janeiro. In: DACOSTA, Lamartine (org.). Atlas do esporte no Brasil. Rio de Janeiro: Shape, 2005. p. 812-3.