FÚRIA DE TITÃS E O CONCEITO DE DEUS
Ramiro de Oliveira Junior ? Prof. da Rede Pública Estadual do PR.
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Saiu recentemente em DVD a refilmagem do clássico de 1981, Fúria de Titãs. Minimamente comparando, pois é o que justamente não nos cabe aqui, esta versão é enormemente, em efeitos visuais, superior ao primeiro, e que visivelmente o herói Perseus é inspirado em outro guerreiro grego, só que este dos games: o vingativo e brutal Kratos, do vídeo game God of Wars, já na sua terceira aventura. Na versão antiga, que tinha Sir Lawrence Olivier no papel de Zeus e os efeitos especiais eram em stop motion (aquele das massinhas!), Perseus aceita os presentes dos deuses e vai cumprir sua missão. O destino são os deuses que traçam, os homens apenas aceitam, curvam-se e cumprem. Nesta versão os homens estão descontentes com os deuses e resolvem que já é hora de parar de se curvar e obedecer (...e eis aqui um outro assunto filosófico, pois no filme anterior não era conveniente colocar desobediência aos "deuses", porém agora...mas para um outro momento!). E neste meio a família adotiva do herói é morta e ele quer vingança (começam as coincidências com o jogo), promete destruir Hades (no jogo é Zeus! E lógico, quem cruzar seu caminho!), não aceita os presentes dado pelos deuses, numa clara renúncia a ajuda divina, colocando o homem responsável por si mesmo, e acima de tudo matar a cria dos deuses, o monstro Kraken (no game é só matar Zeus!).
Quando aparece um fanático religioso (Ô praga!) vociferando que foram abandonados por Zeus e que as orações devem ser dirigidas a Hades, que aparentemente está mais ativo que Zeus (qualquer semelhança com Deus e o Diabo é mera coincidência!) o povo acredita (e não é quase sempre assim?), Zeus começa a ficar cada vez mais fraco, pois já não tem a sua porção diária de oração-adoração-vitamínica. Os homens não mais direcionam suas preces a Zeus, ele começa a ser esquecido e consequentemente vai ficando mais e mais fraco. Mas enquanto as orações não são dirigidas a Zeus é Hades quem as aproveita e fica cada vez mais forte.
OK! Até aqui poderíamos retirar vários elementos, que feitas as suas devidas análises, poderíamos discutir, mas o que nos interessa no momento é a questão do "direcionamento das orações". Apenas pense por um momento: algo ainda existiria se deixarmos de falar e pensar nele? A resposta pode ser sim. Se deixarmos este papel em uma gaveta e nunca mais olharmos para ele ou falarmos sobre ele, com toda a certeza ele, a gaveta e a própria mesa ainda existirão, e este exemplo serve para qualquer coisa. Porém, qualquer coisa como objeto sensível, empírico, algo objetivo que posso vivenciar tocar, mensurar, medir, sentir. Mas o que dizer de "algo" subjetivo? Um conceito, por exemplo? Da mesma maneira que "criamos" conceitos, também podemos "descria-los". Usando claramente o exemplo do filme, Zeus começou a enfraquecer e provavelmente morreria (?) se as preces continuassem sendo direcionadas a seu irmão, enquanto Hades se fortalecia.
Usemos a imaginação numa situação hipotética: por uma hipótese incrível e inacreditável, se deixássemos de pronunciar, falar, divulgar ou ensinar o conceito "Deus"? Se meu filho nascesse hoje, se o seu também e todos que nascessem de agora em diante nunca mais fosse falado sobre este conceito (lembrem-se, é uma hipótese!), não houvesse divulgação, ninguém mais comentassem, não mais fosse ensinado nas escolas. Este conceito não deixaria de existir? Se nós não mais tivéssemos contato com o conceito Deus ele provavelmente não mais existiria, deixaria de ser familiar e cairia no esquecimento. E nem podemos falar em esquecimento, pois não existiria mesmo, no sentido real da palavra para as futuras gerações que ao virem não terão sequer lapsos desse conceito. Lógico que poderíamos ser platônicos e dizer que mesmo não mais falando do "objeto" (no caso, conceito!) ele ainda existiria como "forma", como "idéia", lá no mundo perfeito da inteligibilidade, e sendo lá mais perfeito, ele existiria sim, ainda mais do que aqui, no mundo sensível. Mas não somos, ou ao menos estamos sendo aristotélicos (no sentido empírico mesmo!) neste momento e tratando do mundo real e concreto, do mundo natural, onde o conhecimento se dá e existe, de onde posso falar com toda a certeza e extrair dados para formular minhas teorias e hipóteses.
Poderíamos dizer então que o conceito "Deus" necessita muito mais de nós, de nossas preces e lembranças do que nós dele, e que se por uma hipótese imaginável deixássemos de falar, proclamar, ensinar e com o tempo pensar, este conceito calmamente deixaria de existir, definharia pouco a pouco e morreria. Simples assim.
Sim! O tal filme é perigoso!