FUNÇÃO SOCIAL DO INSTITUTO DA POSSE

 

 

 

 

 

 

Geraldo Lucas do Amaral Júnior[1]

 

 

 

 

Resumo: A função social da posse não foi expressamente prevista pelo ordenamento jurídico brasileiro. No entanto, diante de sua importância, doutrinadores vêm admitindo sua existência. Para melhor entender este instituto foi necessário distingui-lo da propriedade, bem como entende-lo deste sua origem , com ênfase na sua evolução histórica e social. O Código Civil de 2002 trouxe relevantes alterações nesse âmbito, o que apenas reforçou a ideia de que a função social da posse esta ligada intimamente à questão da dignidade humana sedimentada pela Constituição Federal de 1.988. Faz-se ainda necessário resaltar que função social não deve ser tida como limitadora nem dos direitos inerentes a propriedades nem aqueles inerentes ao instituto da posse.

Palavras-chave: Posse. Função social. Dignidade da pessoa humana. Inovações Código Civil 2002.

Sumário: 1 Introdução – 2 Propriedade – 3 Breves considerações sobre a função social da propriedade - 4 Posse – 5 Origem da Posse – 6 Efeitos da posse – 7 Função Social da Posse – 8 Conclusão

 

 

 

 

 

 

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

A função social no âmbito dos institutos jurídicos tem sido alvo de crescimento nos estudos, vez que trata de matéria nova introduzida pelas recentes alterações do nosso ordenamento jurídico.

Um das mais conhecidas aplicações da função social, hoje, talvez recaia sobre o direito de propriedade, previsto expressamente pela Constituição Federal promulgada em 1.988, mas tal instituto já vem sendo introduzidos nas Constituições desde o século XX, quando foi positivada a primeira vez pela Constituição de WEIMAR.

A conceituação de função social da propriedade evoluiu com o próprio direito relacionado a fatores sociais, sendo outrora denominada como limitação desse direito, o que hoje não é mais admitido, sendo colocada como requisitos a serem cumpridos pelos proprietários, mas com maior nuance a coletividade, deve não só estar na sociedade, mas para com ela cooperar.

No entanto, admite-se a função social em outros direitos tutelados pela Constituição, sendo uma questão controvertida a sua existência no âmbito da posse, até porque as teorias predominantes deste instituto, Savigny e Ihering, acabaram se tornando incompatíveis com as alterações qeu este instituto sofreu ao longo do tempo.

Assim, o tema deste artigo traduz na busca de resposta para o questionamento da existência da função no instituto da posse.

Tal definição se faz importante, vez que visa melhor entender o instituto e suas peculiaridades.

Resumindo, a função social da posse é uma abordagem diferenciada da função social da propriedade, na qual não apenas se sanciona a conduta ilegítima de um proprietário que não é solidário perante a coletividade, mas se estimula o direito à moradia como direito fundamental de índole existencial, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. Cumpre perceber que a função social da propriedade recebeu positivação expressa no Código Civil (art. 1.228, § 1º), mas o mesmo não aconteceu com a função social da posse. Contudo, a ausência de regramento no direito privado em nada perturba a filtragem constitucional sobre este importante modelo jurídico, pois o acesso à posse é um instrumento de redução de desigualdades sociais e justiça distributiva. (ROSENVALD, 2005, p. 42)

2 PROPRIEDADE

Segundo Sílvio de Salvo Venosa a propriedade, ao contrário da posse, não tem a mesma facilidade intuitiva de percepção, a posse sendo preexistente ao direito, como fato natural, converte-se em fato jurídico, e assim é protegida.

Antes nas sociedades primitivas, não existia o senhor ao qual a um pedaço de terra pertencia, ou seja, a terra era um pertence coletivo de todos os membros da tribo onde estes moravam, plantavam, criavam e cultivavam a terra. Não existia o animus domini de apenas um integrante da tribo de ser o dono daquele pedaço de terra.

Com evolução dos tempos, houve a necessidade de criação de leis que definiam a propriedade, e com a criação do Código de Napoleão, cria-se a concepção individualista da propriedade que preceitua a propriedade é o direito de gozar e dispor das coisas do modo mais absoluto, desde que não se faça uso proibido pelas leis ou regulamento.

Segundo Cunha Gonçalves, o direito de propriedade é aquele que uma pessoa singular ou coletiva efetivamente exerce numa coisa determinada em regra perpetuamente, de modo normalmente absoluto, sempre exclusivo, e que todas as outras pessoas são obrigadas a respeitar.

O nosso ordenamento jurídico não define o conceito de propriedade, ele prevê os poderes do proprietário em seu artigo 1228 ao dispor que o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

Trata-se do mais completo dos direitos subjetivos, segundo Washington de Barros Monteiro, constitui o direito de propriedade o mais importante e o mais sólido de todos os direitos subjetivos, o direito real por excelência, o eixo em torno do qual gravita o direito das coisas.

Assim sendo, o direito de propriedade recai sobre as coisas corpóreas e incorpóreas, sendo que quando recai sobre coisas corpóreas tem o sentido de domínio, mas com uma ampla compreensão da necessidade sócio econômica da propriedade.

3 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

A ideia de função social da propriedade remonta do século XX, mas só veio a ser positivada com a Constituição de WEIMAR, sendo a partir daí inserida pelos legisladores nas Constituições.

A função social visa utilização da propriedade de forma a não atender apenas interesses individualistas, mas também direitos coletivos.

A expressão função social procede do latim functio, cujo significado é de cumprir algo ou desempenhar um dever ou uma atividade. Utilizamos o termo função para exprimir a finalidade de um modelo jurídico, certo modo de operar um instituto, ou seja, o papel a ser cumprido por determinado ordenamento jurídico. (ROSENVALD, 2006, p.200)

No Brasil a função social da propriedade foi instituída através da Constituição Federal promulgada em 1988, através do disposto no artigo 5°, XXIII[2], e artigo 170, III[3].

A atribuição de uma função social à propriedade está inserida no movimento da funcionalização dos direitos subjetivos, que, desde o final do século XIX, vem promovendo a reconstrução de institutos centrais do direito moderno, tais quais a propriedade e o contrato. A funcionalização vai tentar encontrar um denominador comum entre o conflito de interesses entre particulares e a coletividade. Mas, como a coletividade – comunidade /família – não tem poderes de coerção, a relação se estabelece entre Indivíduo e Estado. (FILHO, p.15)

Nelson Rosenvald vai mais além e admite a função social em outras áreas do Direito, afim de justificar sua razão, vejamos:

Realmente, a evolução social demonstrou que a justificação de um interesse privado muitas vezes é fator de sacrifício de interesses coletivos. Há muito, não mais se admite que a satisfação de um bem individual seja obtido “às custas da desgraça alheia”. Portanto, ao cogitarmos da função social, introduzimos no conceito de direito subjetivo a noção de que o ordenamento jurídico apenas concedera merecimento à persecução de um interesse individual, se este for compatível com os anseios sociais que com ele se relacionam. Caso contrário, o ato de autonomia privada é concedido pelo sistema com a condição de que sejam satisfeitos determinados deveres perante o corpo social.

Assim, a função social há de ser encontrada naquelas posições jurídicas merecedoras de tutela pela Constituição[4].

Por fim, tem se que o direito de propriedade é uma complexa relação jurídica, atribuída a um titular, razão pela qual deve ser este direito regulado, através de limites a serem fixados, bem como objetivos sociais, visando o legislador frear o egoísmo humano, valorizando se a fraternidade em detrimento de uma igualdade meramente formal entre proprietários e não proprietários.

A função social é um poder-dever do proprietário de dar ao objeto da propriedade determinado destino, de vinculá-lo a certo objetivo de interesse coletivo. Não pode ser encarada como algo exterior à propriedade, mas como elemento integrante de sua própria estrutura. Os limites legais são intrínsecos à propriedade. Fala-se não mais em atividade limitativa, mas conformativa do legislador. Como resume Pietro Perlingieri, a função social não deve ser entendida em oposição, ou ódio, à propriedade, mas “a própria razão pela qual o direito de propriedade foi atribuído a determinado sujeito” (Introdução ao direito civil constitucional, 2. Ed. Rio de Janeiro, Renovar, 1999, p.22)

O novo Código Civil de 2002 ainda prestigia a função social com previsão de proteção a flora, a fauna e diversidades ecológicas, do patrimônio cultural e artístico, da água e do ar.

Assim, a função social não esta mais arraizada no conceito de limitação da propriedade, mais deve ser tida como comprimento de requisitos para seu alcance, sendo nítidos na Constituição a maioria deles, onde, vale ressaltar, abarca a função social da propriedade urbana[5] e rural[6].

4 POSSE

Para Savigny, é o poder que uma pessoa tem de pretender uma coisa com a intenção de tê-la para si e defende-la contra a intervenção de outrem.

Savigny sustenta que para existir a posse necessita-se de dois elementos essenciais: CORPUS E ANIMUS. Corpus é o elemento físico, o contato com a coisa, animus é a vontade de obtê-la para si. Ou seja, para ser possuidor não basta deter a coisa, requer também vontade de detê-la, isto é, como proprietário ou com vontade de possuí-la para si. Esta teoria é denominada subjetiva.

Isoladamente, estes elementos não constituem a posse. Se não existir o elemento físico, teremos apenas a vontade de possuir, não tendo nenhuma repercussão no ordenamento jurídico. Se existir somente o elemento físico, faltando o animus, teremos mera detenção, que é posse natural, mas não jurídica.

Para Ihering, corpus é a possibilidade material de dispor da coisa, porque nem sempre o possuidor tem a possibilidade física dessa disposição e animus é um elemento subjetivo e difícil de ser provado. O possuidor tem a conduta de dono, e seu animus está integrado no conceito de corpus. Este possuidor tem o direito, tanto é que nosso ordenamento pátrio adotou a teoria de Inhering e protege a relação com a coisa. Quando não houver esta proteção, o que existe é mera detenção.

O Código Civil de 2002, não conceitua o termo posse, mas apenas define os termos caracterizadores de um possuidor, ao dispor no artigo 1196 que considera possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.

Assim a caracterização da posse prescinde do exercício de atos, bastando em qualquer hipótese a existência do poder sobre o bem. O titular da posse tem o interesse em conservá-la e protege-la de outrem mantendo consigo o bem numa relação de normalidade capaz de atingir a sua efetiva função socioeconômica.

5 ORIGEM DA POSSE

A origem da posse é uma questão obscura, onde a ciência jurídica está longe de alcançar uma solução satisfatória e definitiva.

Existem dois grupos que se diferenciam nas teorias para esta definição. Um grupo das teorias subjetivas, no qual se integra a de Friedrich Karl Von Savigny, e o outro as teorias objetivas, onde predomina Rudolf Von Ihering.

A teoria adotada por Savigny destaca que os romanos costumavam a distribuir aos cidadãos parte das áreas que conquistavam nas guerras e reservava para as cidades a parte restante. Com as constantes vitórias as áreas destinadas a abertura de novas cidades foram ampliando, e tornando-se improdutivas. Para resolver este problema os romanos resolveram dividir estas áreas em pequenos lotes denominados possessiones, e atribuídas aos cidadãos, a título precário, não podendo estes reivindicar a respectiva defesa deste, como o titular da propriedade, mas, não podendo deixa-los indefesos, criou-se um processo especial chamado de interdito possessório[7].

Segundo Ihering a posse tornou entidade própria e autônoma e em virtude disso começou a sofrer um processo reivindicatório. Em um primeiro momento, antes que a ação de reivindicação chegasse ao juízo, podia o pretor conferir a posse da coisa em litígio para qualquer uma das partes, mas o contemplado não desfrutava de qualquer regalia. Instaurado o processo as partes deveriam produzir provas de seus direitos, com o tempo, o juízo dúplice transformou-se em juízo simples, recaindo então exclusivamente sobre o autor o ônus probandi.

No início do século passado surgiram novas teorias, dando ênfase ao caráter econômico e à função social da posse, sendo denominadas teorias sociológicas, nas quais merecem destaque as de Perozzi, na Itália; de Saleilles, na França; e de Hernandez Gil, na Espanha[8].

As teorias sociológicas são contribuições de juristas sociólogos que acabaram por dar novos números à posse, fazendo-a adquirir a sua autonomia em face da propriedade.

A essas novas teorias, que dão ênfase ao caráter econômica e a função social da posse, aliada à nova concepção de direito de propriedade, que também deve exercer uma função social, como prescreve a Constituição da Republica, constituem instrumento jurídico de fortalecimento da posse, permitindo que, em alguns casos e diante de certas circunstancia, venha a prepondera sobre o direito de propriedade (GONÇALVES, 2011, p. 56).

A teoria social da posse, desenvolvida por Perozzi, reafirma a teoria de Ihering sustentando que os homens ao alcançar um certo grau de civilização, abstêm-se de intervir arbitrariamente numa coisa que aparentemente não seja livre. Assim, justifica-se a teoria admitindo um comportamento passivo do homem com relação à posse.

Outra teoria que se destaca pela importância que produziu no mundo jurídico é a da apropriação econômica de Saleilles, que dispõe sobre a independência da posse em relação ao direito real.

Por seu turno, a teoria da apropriação econômica de Saleilles preconiza a independência da posse em relação ao direito real, tendo em vista que ela se manifesta pelo juízo de valor segundo a consciência social considerada economicamente. O critério para distingui a posse da detenção não é o da intervenção direta do legislador para dizer em que casos não há posse, como entende Ihering, mais sim o de observação dos fatos sociais: ha posse onde há relação de fato suficiente para estabelecer a independência econômica do possuidor. (GONÇALVES, 2011, p. 57).

Assim, as teorias sociológicas tiveram grande importância e direcionaram o ordenamento jurídico brasileiro para uma concepção social da posse, a qual foi reafirma na Constituição Federal de 1988 e pelo Código Civil 2002.

6 EFEITOS DA POSSE

A posse merece proteção e nesse sentido o ordenamento brasileiro traz vários mecanismos que a possibilitam.

Washington de Barros Monteiro disciplina que o motivo da proteção possessória encontra-se na relação existente entre o próprio fato da posse e a pessoa que possui e o classifica como o primeiro e mais importante efeito da posse[9].

A proteção possessória não se trata de um tema pacificado entre os doutrinadores e nem do tema principal deste trabalho, motivo pelo não aprofundaremos nos estudos, mas não poderia deixar de citar o posicionamento das teorias subjetiva e objetiva.

Para SAVIGNY, a posse é tutelada como repressão à violência.

(...)

Já para IHERING, a proteção concedida à posse representa indispensável complemento da propriedade. Em atenção a esta é que se introduziu a proteção possessória. Efetivamente, esclarece IHERING, a utilização econômica da propriedade tem por condição a posse. A primeira sem a segunda seria um tesouro sem a chave para abri-lo, uma árvore frutífera sem a escada necessária para colher os frutos. (MONTEIRO, 2011, p. 54)

Ainda, para Caio Mário da Silva Pereira a tutela do Direito associa intimamente o fundo e a forma, por tal arte, que, sem esta, sofre a própria substância, e sacrifica-se na sua essência o sistema defensivo. Considera a posse um destes institutos onde a unidade e fundamental à existência da técnica de proteção nesse sentido justifica:

A peculiaridade desse direito esta em que se acha permanente e indissoluvelmente ligada à situação de fato. Qualquer distúrbio que sofra esta, afeto-a na própria essência. Tai a conveniência de que a lei, que define o direito, conceda desde logo a sua tutela, no reconhecimento de que, faltando a defesa que assegura ao possuidor aquela exteriorização da conduta análoga à do proprietário, o que vem a sacrificar-se é o próprio direito, e sucumbira a posse. Em consequência, cabe a lei de fundo – Código Civil – conceder e definir desde logo ao possuidor o direito de agir contra o turbador ou esbulhador. (MONTEIRO, 2011, p. 54)

A proteção possessória pode ser exercida através da legítima defesa, pelo desforço imediato ou, ainda, através ações possessórias.

A legítima defesa e o desforço imediato, previstos no §1º do artigo 1.210 do Código Civil[10], tratam-se de autotutela, sendo que a primeira é cabível quando o possuidor se acha presente e é turbado no exercício de sua posse, neste caso, a lei lhe permite reagir, fazendo uso de defesa direta e moderada; o segundo é aplicado no momento do esbulho. Vale ressaltar que, essa autotutela deve ser exercida incontinentemente e de forma proporcional à agressão, reação indispensável para retomada da posse, sob pena de responder criminalmente e/ou civilmente, pelos excessos cometidos.

As ações possessórias, também chamados interditos proibitórios, objetivam resguardar a posse esbulhada, turbada ou ameaçada e encontra-se reguladas no Código de Processo Civil, Livro IV, Titulo I, Capitulo V, que institui como ação possessória a manutenção de posse, a reintegração de posse e o interdito possessório. No entanto, aquele que pretender defender sua posse, pode utilizar de outras ações, tais como: ação de dano infecto, nunciação de obra nova, imissão de posse, etc. Mas, estas não são consideradas ações possessórias, vez que o Código de Processo Civil não traz um rol enumerativo, mas taxativo quanto aos tipos de ações possessórias.

Nas ações possessórias não cabe arguir a propriedade da coisa e nem interessa tipo de posse (justa ou injusta) e, segundo César Fiuza, possuem três características importantes disciplinadas pelo Código de Processo Civil: a) ações dúplices – artigo 922 do CPC[11]; b) ações fungíveis – artigo 920[12] e, c) possibilidade cumulação de pedidos – artigo 921[13].

 

 

7 FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE

 

Diferentemente do direito de propriedade a função social da posse não foi regulamentada pela Constituição Federal de 1988, nem foi expressamente disciplinada pelo Código Civil de 2002, apesar de relevantes inovações trazidas por este instituto.

A definição social se faz necessária, diante do preceito maior da posse que é considerada um instituto jurídico que vem satisfazer uma necessidade, individual ou coletiva; é a utilização de um bem segundo sua destinação econômico-social.

Assim, a função social da posse permite uma visão mais ampla do instituto de sua utilidade social, de sua autonomia diante de outros institutos jurídicos como o direito de propriedade.

Apesar de derivar apenas dos princípios constitucionais, a função social da posse não se torna inferior àquela derivada da propriedade, mesmo por que o art. 5° da Lei de Introdução do Código Civil (Decreto-Lei nº 4657, de 4 de setembro de 1942) já prescreve ao intérprete o atendimento dos fins sociais e as exigências do bem comum.

A Constituição Federal estabelece enfaticamente, em seu art. 5°, XXII, ser “garantido o direito de propriedade”, mas não traz um dispositivo semelhante à posse. A disciplina e a tutela jurídica da posse se dão indiretamente, na medida em que representa a concretização do principio da função social da propriedade, mesmo por que a posse é historicamente anterior à própria noção de propriedade. (GAMA, 2008, p. 64).

Sobre a existência dessa função social da posse, ainda, diverge os doutrinadores que defendem correntes diversas, dentre elas: a função social da posse esta implícita naquela destinada à propriedade; a função social da posse deriva dos direitos; não se admite função social à posse, pois alem não ser parte expressa na Constituição não existe relação jurídica entre o possuidor e o bem.

Por fim, ainda tem aqueles que caracterizam a função social da posse como instrumento recente que veio satisfazer uma necessidade social e econômica.

Para Cesar Fiúza (2010, 909) a função social da posse é aparência da função social da propriedade, merecendo maior destaque apenas naqueles casos que o possuidor não é proprietário, tratando esta como princípio da dignidade humana.

Inicialmente pode-se dizer que a posse vem atender o princípio da dignidade da pessoa humana. Esta afirmação será trabalhada no decorrer da pesquisa, em momento oportuno. E, os motivos pelo qual a posse é exercida estão fundamentados na posse trabalho e na posse moradia, pois é nestas ramificações da posse que vislumbramos melhor a função social da posse. Por isso pode-se dizer que a função social da posse não é limitação ao direito de posse. É sim, exteriorização do conteúdo imanente da posse, permitindo uma visão mais ampla do instituto, de sua utilidade social e de sua autonomia diante de outros institutos jurídicos como o do direito de propriedade. A posse possui como valores sociais a vida, a saúde, a moradia, igualdade e justiça.

Em base tal entendimento na valorização da posse-trabalho, implementada pelos  art. 1238, parágrafo único[14]; 1242, parágrafo único[15]; e 1228, §§ 4º e 5º[16], todos do Código Civil de 2002. Ponto de grande inovação que não podemos deixar de dar destaque.

Como é notório, prevêem o parágrafos únicos dos arts. 1.238 e 1.242 a redução dos prazos para a usucapia extraordinária e ordinária, respectivamente, nos casos envolvendo bens imóveis. Na usucapião extraordinária o prazo é reduzido de 15 (quinze) para 10 (dez) anos; na ordinária de 10 (dez) para 5 (cinco) anos. Em ambos os casos, a redução se dá diante de uma situação de posse-trabalho, nos casos em que aquele que tem a posse utiliza o imóvel com intuito de moradia, ou realiza obras e investimentos de caráter produtivo, com relevante caráter social e econômico. Entendemos que essas reduções estão de acordo com a solidariedade social, com a proposta de erradicação da pobreza e, especificamente, com a proteção do direito à moradia, prevista no art. 6º da Constituição Federal. A função social da posse também está presente no tratamento da desapropriação judicial por posse trabalho, prevista no art. 1.228, §§ 4º e 5º, do novo Código Civil, sobre o qual comentaremos a seguir.

Assim, a função social do instituto da posse é estabelecida pela necessidade social, pela necessidade da terra para o trabalho, para a moradia, ou seja, para as necessidades básicas que pressupõe a dignidade do ser humano[17].

 

 

 

8 CONCLUSÃO

A função social do instituto da posse não é matéria expressamente prevista no ordenamento jurídico brasileiro, mas inegável sua importância seja para melhor entender esse instituto seja para melhor definir suas limitações.

O ordenamento pátrio, embora não expresse literalmente que a posse tem uma função social a ser respeitada, deixa claro, em vários institutos, que não há como negar sua funcionalização. Isto é claro no redimensionamento do usucapião do Código Civil de 2002, bem como na Constituição Federal, nos meios alternativos de utilização de bens e no atendimento à dignidade da pessoa humana. Por outro lado, seguindo doutrina expendida na Alemanha e refletida no Tribunal Federal Constitucional, o reconhecimento desta proteção às posições subjetivas de direito público por meio da garantia fundamental da propriedade encontra seu principal alicerce na estreita vinculação entre o direito de propriedade e a liberdade pessoal, no sentido de que ao indivíduo deve ser assegurado um espaço de liberdade na esfera patrimonial, de tal sorte que possa formatar de maneira autônoma sua existência. (FILHO, p. 18)

Extrai-se da Constituição Federal de 1.988 que a função social da posse pode ser tida como instrumento de promoção da dignidade humana, quando cumpre seus objetivos.

O Código Civil de 2002 trouxe inovações que caracterizaram de forma mais marcante a função social da posse, seja pela destinação ao trabalho ou moradia, inclusive em instituto já sedimentados como a usucapião e a desapropriação.

Assim, conclui-se pela importância da definição da função social da posse, seja através dos princípios constitucionais ou interpretações das inovações trazidas pelo Código Civil de 2002, mas em espécie alguma deve ser confundida com aquela destinada à propriedade, uma vez que são institutos distintos que produzem efeitos diversos no mundo jurídico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

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DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 4. Direitos das Coisas. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 667.

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TARTUCE, Flávio. Função Social da Posse da Propriedade e o Direito Civil Constitucional. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/7719/a-funcao-social-da-posse-e-da-propriedade-e-o-direito-civil-constitucional>. Acessado em: 05 maio 2012.

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MONTEIRO, Washington de Barros. MALUF, Carlos Aberto Dabus. Curso de Direito Civil. Direito das Coisas. 41. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 588 p.



[1] Acadêmicos do curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC, campus Bom Despacho/MG.

[2] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

[3] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

III - função social da propriedade;

[4] LOUREIRO, 2007, p. 1046

[5] Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

§ 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.

§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento,      sob pena, sucessivamente, de:

I - parcelamento ou edificação compulsórios;

II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

[6] Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

 

[7] GONÇALVES, 2011, p. 48

[8] GONÇALVES, 2011, p. 49

[9] MONTEIRO, 2011, p. 54

[10] § 1o O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.

[11] Art. 922. É lícito ao réu, na contestação, alegando que foi o ofendido em sua posse, demandar a proteção possessória e a indenização pelos prejuízos resultantes da turbação ou do esbulho cometido pelo autor.

[12] Art. 920. A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela, cujos requisitos estejam provados.

[13] Art. 921. É lícito ao autor cumular ao pedido possessório o de: I - condenação em perdas e danos; Il - cominação de pena para caso de nova turbação ou esbulho; III - desfazimento de construção ou plantação feita em detrimento de sua posse.

[14] Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

[15] Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.

Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.

[16] Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

(...)

§ 4o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.

§ 5o No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.

[17] ROSA, p. 6