I

Há dois momentos distintos do tratamento da noção de “instituição” no trabalho de Foucault. No início dos anos sessenta, em História da Loucura na Idade Clássica e em o Nascimento da Clínica, é uma “problemática de institucionalisação” que é posta em jogo. Ele demonstra como a psiquiatria e a medicina clínica constituem-se pela objetivação científica e institucionalisante da loucura bem como um olhar gasto sobre a morte. As instituições são então estruturas concretas que funcionam como fato corresponde às práticas de repressão ao nível discursivo normalisador da doença mental e da clínica. É precisamente esta correspondência das práticas ao discurso da instituição que Foucault vai por em questão durante os anos sessenta e seis, introduzindo na apreensão das instituições disciplinares (escolas, prisões, usinas, casernas, hospitais) a análise da “microfísica do poder”. Isto irá permitir-lhe introduzir uma lacuna entre a racionalidade do discurso que mantém a instituição sobre ela mesma e a racionalidade do exercício efetivo de seu funcionamento que vai conduzir a uma “problematização das instituições”, que nos interessam aqui ao confrontar outras três problemáticas ou três modos de abordar a instituição do que Foucault demarca-se: a problemática sociológica (Durkheim), a problemática jurídica (Hobbes) e a problemática revolucionária (Althusser). A problematisação das instituições visam fazer aqueles que elas assujeitam capazes de se transformar, ao fazer destacar-se os pontos possíveis de ataque. A originalidade de Foucault consiste em demonstrar que os pontos ancorados no poder ancorados não coincidem com os normas (eles são de tipo social, jurídico ou ideológico) visados pelas instituições.

II

Neste segundo momento dos anos sessenta e dois, Foucault articula um triplo deslocamento cara à cara que denominamos de noção de instituição, tomando sua terminologia, uma “problematização da instituição”, isto é indissociavelmente uma cenário em questão teórica desta noção e um cenário em crise prática das instituições efetivas. A descrição da noção de instituição que entretém então o trabalho de Foucault é de aparência paradoxal. Foucault não parece investigar as instituições – as usinas, escolas, casernas e prisões em Vigiar e Punir, a família em A Vontade de Saber – tudo reafirma sem cessar a necessidade de recusa metodológica da problemática da instituição, ao lograr desta uma microfísica do poder: “Somos muito anti-institucionalista”, ao anunciar em um de seus cursos dados no Collège de France em 1973, O Poder Psiquiátrico (2003, p.34): “o que eu proponho este ano, é fazer aparecer a microfísica do poder, antes da análise da instituição”. Analisar as técnicas de poder em pequena escala é mais que a finalidade do coletivo institucional, a posição do corpo do estudante – “da ponta do dedo do pé ao índex” (1975, p.178-179) – prescrito pelo mestre em vista de adquirir o bom gesto da escritura, mais que o papel educativo da escola na formação moral do cidadão. Mas, note-se o deslizamento inicial que aclara nas palavras mesmas de Foucault entre o anti-institucionalismo do “somos muito anti-institucionalista” e o “pré-institucionalismo” do “antes a análise da instituição”. É necessário fazer compreender que a abordagem sobre a instituição não é o objeto de estudo de Foucault, mas, em um segundo momento, que ela está, contudo no horizonte. O paradoxo desaparece si virmos que as instituições são o ponto de “cristalização” das relações de poder e não seu ponto de “ancoragem”: “Não há nada de importante das instituições nas relações de poder. Mas sugere-se que é necessário analisar mais as instituições a partir das relações de poder e não o inverso; e que é o ponto de ancoragem fundamental disso, mesmo se elas predem os corpos e se cristalizam em uma instituição, é um olhar para baixo”. (Foucault, 2001b, p. 1058)

III

Neste primeiro deslocamento de Foucault cara à cara com o que ele denomina “a problemática da instituição” ou “o institucionalcentrismo” que põe a instituição como objeto de  análise (2004a, p. 120-121). Há a necessidade de um deslocamento metodológico: partir de uma microfísica das relações de poder para analisar as instituições.IV

Este primeiro deslocamento é justificado pela hipótese segundo a qual a noção de instituição é homogenia ao direito. Foucault é historicista e nominalista: o poder é “o nome que se atribui a uma situação estratégica complexa em uma dada sociedade” (1976, p. 123); ele explica, em A Vontade de Saber, que as grandes instituições políticas do Antigo Regime – a monarquia, o Estado com seus aparelhos – estão presentes como instâncias jurídicas capazes de arbitrar, segundo o princípio do direito, n multiplicidade de poderes relacionadas com a servidão e a vassalidade “com o caráter triplo de constituir-se como elemento unitário, de identificar sua vontade à lei e de exercer-se através dos mecanismos de interdição e de sanção” (ibid., p. 114). Desde então, “nas sociedade ocidentais, o exercício do poder formula-se sempre no direito” (p. 115). O direito é devido a “linguagem do poder”, ao “código segundo o qual ele apresenta-se e prescreve como ele mesmo pensa” (p. 116), embora nesta representação jurídica do poder não é “adequada ao modo segundo o qual o poder é exercido e se exerce” (p. 116) e que ele existe “como mecanismos de poder muito nobres que são irredutíveis à representação do direito” (p. 117). A codificação jurídica do poder mascara também seu exercício real, que tem como efeito impedir as possibilidades de uma luta estratégica eficaz. Este exercício real do poder, é, para Foucault, o “biopoder” enquanto suposta técnica dos homens enquanto corpos vivos, mesmo se ele subsiste nas formas de poder de tipo jurídico. Desde que as instituições, enquanto aparelhos do Estado ou organizações burocráticas, se espetacularizaram como estruturas concretas do exercício do poder jurídico que, em definitivo, oculta a realidade do poder, ele deveria operar um segundo deslocamento, desta vez para as razões históricas, a partir de “técnicas disciplinares” e de “técnicas de controle” que se generalizam ao longo do século XVIII.

V

Este segundo deslocamento implica em assumir as conseqüências em um terceiro. Se as instituições são os pontos de “cristalisação” de técnicas de poder que não cai na representação do direito, a luta política contra eles não pode construir-se seguindo a linguagem jurídica, isto tudo implica também na pausa como ponto de vista da reforma – modificação da lei interna do direito mesmo – como uma revolução – reversamente ao direito existe e constituição de um direito novo. O ponto de vista adotado por Foucault é este da transformação: “(...) que muitas vezes pareceu-me que entre o tradicional reformismo e a revolução, um não fornece os meios para pensar o que poderia levar a uma transformação”, ele diz de sua crítica ao sistema punitivo (2001b, p. 1456). A transformação exige a inauguração e a identificação do sistema de racionalidade própria às técnicas de poder subjacentes às instituições afim de expor a falha para a afirmação de uma outra racionalidade. Ao fim do século XVIII, a prisão revela, por exemplo, modos de exercício legado do direito de punir da produção de um meio de “delinqüência” alcança como a gestão diferenciada de um ilegalismo massivo específico às classes populares, assegurando o duplo objetivo da neutralização política do ilegalismo das lutas revolucionárias e da dissimulação, pelo contrário, do ilegalismo burguês.

VI

Do deslocamento metodológico da instituição à microfísica do poder, e o historicismo do direito ao “biopoder”, articula-se um deslocamento político do duplo reforma/revolução à transformação.