Fotografar hoje em dia é brincadeira. Qualquer celular é capaz de fazer bons registros de pessoas, viagens, encontros, desencontros e inúteis paisagens. Antes da popularização das câmeras fotográficas, fazer retratos era coisa para profissionais e as famílias faziam os seus registros em estúdios, com fundo decorado e iluminação apuradíssima. Mas havia também os velhos lambe-lambes que percorriam ruas e praças para registrar imagens.

O que será da fotografia? Com as câmeras digitais e celulares fazemos centenas ou milhares de fotografias, mas quase ninguém as revela em papel. Com o tempo poderão até desaparecer. Quem poderá garantir que daqui a cem anos poderemos acessar fotos que ficaram guardadas em câmeras digitais, computadores que ficaram obsoletos? É uma incógnita. A tecnologia coloca hoje os registros feitos em celulares em “nuvem”, mas se ocorrer um ataque de hackers que apague tudo? A história das imagens poderá ser perdida para sempre.

De tempos em tempos minha mãe pegava toda a tropa bem arrumadinha e lá íamos fazer um retrato no japonês que ficava na Rua Manoel Coelho, perto da estação. Mandava fazer várias cópias e as enviava para os parentes do interior com as dedicatórias nos versos. “Aceite esse retrato como prova do nosso afeto e amizade”.  Mas também se recebia retratos, com as mesmas dedicatórias. Outro dia expiando um velho álbum de família encontrei figuras desconhecidas que ninguém mais sabia quem eram. Só minha mãe, se viva estivesse, seria capaz de decifrar. Num dos retratos aparecia um bigodudo com cara de árabe. Era o Mané Turco, que de turco não tinha nada. Era o sírio Mamede Abdul, um velho amigo da família que ganhava a vida como mascate na região Noroeste de São Paulo. Tinha também um japonês, amigo inseparável do meu pai na juventude, Ishiso Mishikawa, que teve a paciência de ensinar um pouco do idioma do Sol Nascente para o meu velho, desde que ele lhe ensinasse português.

Meu sonho era ser fotógrafo. Achava o máximo ser profissional da fotografia. Mas era preciso, primeiramente ter um câmera fotográfica, o que realizei com o salário do meu primeiro emprego. Era uma Olympus Trip com a qual gastava os tubos para comprar filmes e revelá-los. Era só alegria. E muita emoção em tirar fotografias e depois curtir a ansiedade para ver o resultado. Levava uma semana até a retirada do pacote para a alegria ou tristeza, dependendo da qualidade das imagens.

Um jornalista e fotógrafo, Carlos Clementino Lacerda, ao ver as minhas primeiras fotografias fez uma análise crítica, mostrando onde eu havia acertado e onde errei feio. Tinha mais erros do que acertos. Mas ensinou-me elementos básicos de enquadramento, foco, luz, fundo etc. Por fim desisti de ser fotógrafo, pelo menos profissionalmente. Mas dois amigos, Edélcio Thenório e Sonia Nabarrete resolveram viver de fotografias e montaram um estúdio em São Caetano, o Inay.  Ele estudante de Letras e ela de jornalismo. Cada um com sua câmera registravam casamentos, festas, batizados e outras milongas até que num casamento de uma família burguesa, as duas câmeras falharam, não saindo uma só foto para o registro do evento. Uma tragédia.

Como dizer para os nubentes que não tinha nenhuma foto? O negócio foi inventar uma história bem trágica para sensibilizar os noivos e familiares. Um assalto à mão armada que naqueles tempos ainda assustavam. Explicaram aos clientes que os meliantes levaram tudo, câmeras, flashes, tripés, carteiras, casacos etc. Foi uma tristeza para os dois lados. Não sei como a história foi resolvida, mas imagino que os noivos, padrinhos e familiares voltaram à igreja só para as fotografias retroativas. Essa história era contada aos cochichos entre os amigos mais próximos, pois se a verdade chegasse aos noivos poderia gerar até um processo por danos morais. Hoje, depois de tanto tempo, se souberem, provavelmente mostrariam largos sorrisos com a história, caso ainda lhes tenham sobrado os dentes.

A experiência que teria sido cômica se não tivesse sido trágica, desanimou os dois com a atividade empreendedora.  Thenório virou bancário e a Sônia Nabarrete continuou fotografando, mas para ilustrar as suas reportagens como jornalista de um jornal local.

Aliás, é bom registrar que foi o Edélcio Thenório que me orientou na aquisição da minha primeira câmera reflex, Asahi Pentax, que estreei quando nasceu minha única filha.  Coloquei o filme colorido de 36 poses e preparei o coração para as grandes emoções - o nascimento e as fotografias.  Cliquei mãe e filha desde as primeiras horas, a saída do hospital, a chegada em casa, a primeira mamada etc. Mas ao abrir a câmera descobri tardiamente que o filme havia escapado. Depois de um mês, nenhuma foto da filha. Hoje penso que a minha tragédia foi pior do que a do casamento burguês, que de uma forma ou outra acabou sendo resolvida.

De todo modo a fotografia tradicional ou digital ainda é uma arte, pois o olhar da câmera é o olhar do artista. Ele ou ela podem ver coisas que as pessoas comuns não veem. Dizem que o diabo está nos detalhes de tudo, mas em fotografia é o olhar de artista que está lá.