Folia no Museu Goeldi.

                -- A gente vai ter só quinze segundos para atravessar para o outro lado” – sentenciou cronometricamente o pequeno Marco Chafariz.

                -- Quantos poraquês tem no lago? – Indagou completamente por fora o Toninho Tonto.

                -- Rapaz. São vários. Não tenho a menor ideia de quantos. Uns dezoito, mais ou menos – conjecturou Marco Chafariz.

                O grupo era formado por cinco rapazes. Moleques com a idade média de 13 anos. Estavam reunidos à sombra de um pé de Guajará, a árvore mais antiga, localizada em frente da jaula das onças.

                -- Reparem que tem aqueles cipós descendo até o chão...

                -- É a “escada de jabuti” – informou o esperto Zé do Açaí.

                -- Vamos ter que subir por eles?

                -- Não, não é nada disso. Quem “sobe” nele só é o jabuti... Corrigiu Marco Chafariz.

                -- Bem do lado dele, existem aqueles cipós que são verdadeiras cordas. São aqueles ali – mostrou apontando com o dedo.

                -- A gente pode usá-los para passar do lago para a ilha. Da ilha para o outro lado será com as nossas pernas... Apareceu finalmente a opinião do Pedro Mucura.

                -- Mas é exatamente lá que os poraquês costumam descansar depois da comida... – disse preocupado o Zé do Açaí

                A reunião vez por outra era interrompida pelos urros da onça-pintada, que mesmo enjaulada, fazia arrepiar os cabelos dos rapazes. Imediatamente se calavam, como se assim o felino parasse de emitir o seu esturro gutural.

                -- Se um, apenas um, daqueles peixes elétricos encostar-se na perna de um de nós, será um choque de mais de seiscentos volts!—sentenciou Argemiro, o que se dizia especialista em peixes produtores de energia elétrica.

                -- Todos já entenderam a missão? – perguntou Marco Chafariz.

                -- Entendi sim. – Disse Toninho Tonto, quase ao mesmo tempo que o Zé do Açaí, o Pedro Mucura e o Argemiro.

                A chuva das duas horas da tarde tinha começado e fez com que a reunião, que estava para findar, ser transferida para o pátio da Rocinha. E pra lá foram.

                -- Tem um detalhe. Todos devem pular o muro sem serem vistos pelo Mundó. Ele está uma fera com a gente, desde a última que aprontamos com o macaco-punheteiro... – retomou o diálogo o Zé do Açaí.

                -- Não se preocupem com isso. Eu sei como despistá-lo. Vou pedir pra Mariquinha Irerê levar um pão-doce com refresco de cupuaçu pra ele, lá no portão de entrada. Fico na guarda na esquina. Quando ela chamar por ele, a gente se prepara. Ok? – arrematou confiante Argemiro.

                -- Então, tá fechado. Amanhã, quer chova, quer faça sol, às nove da manhã a gente se encontra na esquina da Alcindo com a Independência. Dispersaram-se.

                No outro dia, lá estavam os cinco rapazes-moleques -- ou seriam moleques-rapazes?

Argemiro levava um pão-doce embrulhado em papel manteiga. O refresco era da Mariquinha, que fazia ponto no portão de entrada, vendendo raspa-raspa.

                -- Ei Mundó! Vem cá! Tenho uma merenda pra ti – chamou Mariquinha Irerê.

                Mundó que catava umas frutas de taperebá pelo chão se dirigiu até a prestativa Mariquinha.

                -- Vamos pessoal! – gritou Toninho Tonto.

                -- Ahhhhôôô... ahhhhôôô... – o grito do Tarzan, ou melhor, de cinco Tarzans ecoou no ar do Museu. A bicharada se alvoroçou. A cutia-dourada ficou imóvel e depois desembalou pela trilha. O macaco guariba-preta interrompeu a acrobacia que fazia no alto da Castanheira. A arara-canindé pôs-se a taramelar. O jacaré-açu, que pegava sol, mergulhou rapidamente n’água. O bando de tartarugas-da-Amazônia e tracajás-do-Rio-Negro acompanharam, por sua vez, seus inimigos naturais no banho fora de hora. Momentos depois, a tarefa estava cumprida. O grupo de rapazes-moleques se espalhou pela vegetação densa do parque.

Mais uma folia no Museu Goeldi.

"Esta história baseia-se em fatos reais, para mim contados pelo saudoso e querido Dr. Félix (José Carlos Félix de Oliveira, advogado) morador nas cercanias do Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, Pará, que me ensinou a evolução dos peixes de pele e na década de 1990 me salvou a pele da perseguição política da faculdade onde eu trabalhava. Meu eterno reconhecimento!"