Flexisegurança: Uma análise acerca dos seus limites no Direito Trabalhista Brasileiro sob a ótica e respeito ao princípio da proteção.[1]

 

João Alves Matias Neto[2]

Renata Cristina de Oliveira Lima[3]

Ana Carolina Cardoso[4]

SUMÁRIO: Introdução; 1 Conceito de Flexisegurança e sua globalização; 2 O princípio da Proteção e sua aplicabilidade nas leis trabalhistas; 3 Adaptação da Flexisegurança com o Direito Trabalhista brasileiro; 4 O princípio da Proteção e os limites em relação a Flexisegurança no Brasil; Conclusão.

RESUMO

O presente trabalho visa abordar sobre a flexisegurança fazendo uma analise a partir da proposta dinamarquesa sobre o conceito e os principais objetivos da Flexisegurança. Irão trazer conceitos da flexisegurança, sua globalização, junto com o princípio da proteção e sua aplicabilidade, a adaptação desse modelo com o direito brasileiro, fazer uma comparação entre o princípio da proteção com a Flexisegurança no âmbito brasileiro e por fim os limites estabelecidos pelo princípio da proteção em relação ao uso da flexisegurança.

Palavra-chave: Flexisegurança; Princípio da Proteção; Direito Trabalhista Brasileiro; Limites; Adaptação.

INTRODUÇÃO

O modelo de Flexisegurança criado na Dinamarca busca o equilíbrio entre a flexibilidade na relação trabalhista e a proteção ao empregado e empregador. Este modelo foi criado para combater os elevados índices de desemprego na Dinamarca, por conta dos seus resultados positivos se expandiu por toda a Europa que também enfrentava a mesma crise.

Sendo a Dinamarca um país que possui uma política efetiva de cooperação entre empresários e trabalhadores, que visa o interesse geral e estando em primeiro lugar no quadro de países que compõe a união europeia no quesito segurança e satisfação de emprego e analisando a real situação brasileira acerca do índice de desemprego.

Os princípios no ramo do direito são de extrema importância para as normas jurídicas, eles servem de base, fundamento para a sua criação, nenhuma norma poderá ser criada se for contra um princípio ou que não tenha raízes em nenhum princípio. O da proteção, é um dos principais no Direito do Trabalho, tem como objetivo a proteção e os limites estabelecidos nas leis trabalhistas. É necessário a sua abordagem no decorrer desse trabalho para que se tenha uma noção sobre a serventia do principio nas leis trabalhistas.

Quando se analisa o Princípio da Proteção se tem também a necessidade de analisar o confronto desse princípio com o modelo de flexisegurança, uma vez que torna-se fundamental proteger o ordenamento jurídico e as leis estabelecidas para que não exista um desequilíbrio nessa adaptação. 

A proposta do modelo dinamarquês e seus resultados positivos em todo o mundo, fez com que a Flexisegurança fosse adaptada no Brasil e principalmente por conta das as leis trabalhistas brasileiras. Essa adaptação engloba os efeitos, consequências, de como esse modelo foi absorvido e desenvolvido no decorrer de sua trajetória para utilização e aceitação nas relações trabalhistas, uma vez que já se tinha regras e procedimentos pré-estabelecidos para soluções dessas relações.

1. Conceito de Flexisegurança e sua globalização

Em decorrência da globalização houve um agravamento no desemprego nos últimos anos em todo o mundo. Com essa atual situação, nota-se a importância do direito do trabalho em se modernizar para que possa suprir as necessidades dos trabalhadores e gere uma proteção nas relações trabalhistas que ajudem a fugir dos problemas e principalmente do desemprego.

Eugénio Rosa (2007) explica o conceito da palavra flexisegurança da seguinte maneira:

“A palavra "flexigurança", tal como sucede com o "factor de sustentabilidade" é, segundo as ciências da comunicação, uma palavra-armadilha pois procura ocultar o seu verdadeiro objetivo que, no primeiro caso, é a liberalização dos despedimentos individuais e, no segundo caso, foi a redução das pensões. São também denominadas pelas ciências da comunicação "palavras-virtude" porque procuram associar, de uma forma enganosa, as palavras positivas "segurança" e "sustentabilidade" àqueles objetivos (liberalização dos despedimentos e redução das pensões), que nada têm a ver com elas.”

Ainda com os ensinamentos de Eugenio Rosa (2007), ele diferencia os dois tipos de flexisegurança ou flexibilidade criada na europeia logo quando surgiu esse modelo da seguinte forma:

“Existem dois tipos de flexibilidade: a interna e a externa. A primeira, ou seja a flexibilidade interna está associada à mobilidade funcional (a chamada polivalência), ou seja, ao poder da entidade patronal de atribuir ao trabalhador funções diferentes daquelas para as quais foi contratado; à mobilidade geográfica, ou seja, o poder da entidade patronal para mudar o trabalhador de instalações ou mesmo de região; e à mobilidade do horário de trabalho (a chamada "adaptabilidade), ou seja, o poder da entidade patronal para obrigar os trabalhadores a trabalharem para além das 8 horas diárias sem ter de pagar horas extraordinárias compensando-as com horas a menos realizadas em outros dias quando a empresa não necessitar. O alargamento da mobilidade funcional e da mobilidade geográfica é já permitida pelo Código do Trabalho, nomeadamente pelos artº 314 (nº2), 315 (nº3) e 316 (nº 2); e a mobilidade do horário de trabalho é também já permitida pelos artº 164 a 166 do Código do Trabalho. Só através da contratação colectiva é que se poderá limitar os poderes que o Código do Trabalho dá já às entidades patronais. Daí a importância da contratação colectiva para os trabalhadores e daí o interesse dos patrões e do governo, porque este recusa-se em alterar a lei, em que os contratos colectivos de trabalho cessem os seus efeitos (até a esta data já caducaram quatro CCT perante o silencio e a passividade geral).”

O desemprego vem a ser um fator fundamental na sociedade, pois atinge diretamente o núcleo familiar, desorganizando todo um projeto elaborado pelo trabalhador e sua família, trazendo desestabilidade e insegurança. De forma direta o desemprego vem a atingir também a economia nacional. Por esse ser um dos fatores de desestruturação econômica é que se torna importante a abordagem e a análise de políticas econômicas que venham a diminuir esses impactos ou até mesmo solucionar diretamente o problema, no caso deste trabalho no âmbito brasileiro que também vem sofrendo com o aumento na taxa de desemprego. Porém, é necessário que se tenha um equilíbrio entre essa flexibilização da segurança com as leis trabalhistas vigentes, uma vez que seria inconstitucional adotar um modelo econômico que venha a confrontar a legislação.

A flexisegurança consiste em um novo modelo dinamarquês do Direito Trabalhista que tende a buscar o equilíbrio entre a flexibilidade, existente no mercado de trabalho, e a proteção voltada aos trabalhadores, visando principalmente à segurança contra o desemprego que vem crescendo em todo o mundo. Possui como objetivo proporcionar maior quantidade e melhor qualidade de postos de trabalho de maneira que a relação trabalhista venha a facilitar as formas de contratação e a dispensa sem o ônus. Esse modelo foi elaborado com o intuito de combater aos índices elevados de desemprego existentes na Dinamarca e logo depois foi seguido por toda Europa pelo seu resultado positivo. (DALLEGRAVE NETO)

Em outras palavras a flexisegurança é a busca por um justo equilibrio entre a flexibilidade das modalidades de trabalho e a segurança das relações trabalhistas entre empregado e empregador de modo a proporcionar uma maior variedade e quantidade de postos de trabalho e de melhor qualidade. (AUTOR DESCONHECIDO)

Na visão de Liliana Chouco e Nnuno Brás (2008, p. 3) a flexisegurança seria um forma de melhorar as relações de trabalhos e as formas flexíveis:

Trata-se, sim, de facilitar a progressão dos trabalhares para melhores empregos, numa perspectiva de mobilidade ascendente e desenvolvimento óptimo de talentos. A flexibilidade diz também respeito a formas flexíveis de organizar o trabalho, capazes de rápida e eficazmente gerir novas necessidades produtivas e competências, bem como a uma maior facilidade de conjugar responsabilidades profissionais e privadas. A segurança, por outro lado, representa mais do que a garantia de manter um posto de trabalho: implica também dotar as pessoas das competências que lhes permitam progredir nas suas vidas profissionais e ajuda-las a encontrar novos empregos.

Na visão de Almeida (apud, BRIÃO, 2008) a flexisegurança seria uma maneira global de política, ou modelo econômico, do mercado de trabalho, que vem a relacionar disposições contratuais flexíveis, que facilite novas contratações e despedimentos. Essa proposta deve permitir que os trabalhadores pudessem procurar um novo emprego com uma segurança social eficaz no caso de desemprego.

2. O princípio da Proteção e sua aplicabilidade nas leis trabalhistas

Os princípios são tidos como “o elemento central da ordem jurídica, por representarem aqueles valores supremos eleitos pela comunidade que a adota, sendo, hoje, a sua característica mais marcante a normatividade, pois são vistos pela teoria constitucional contemporânea, como uma espécie do gênero norma jurídica, ao lado das regras jurídicas.” (RITT, p. 5)

Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello (2000, pg. 747-748) traz:

Princípio [...] é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico

Dentre os diversos princípios que compõe o direito do Trabalho, pode-se afirmar que o princípio da proteção é considerado um dos mais importantes e relevantes princípios Trabalhista Brasileiro e é tido como o principio base de todos o direito do trabalho.  A respeito desse principio e sua finalidade, SCANDOLIERI (2003, pg. 34) traz:

Muitos consideram que o Princípio da Proteção é um princípio maior dentro do Direito do Trabalho, diante de sua finalidade de proteger o trabalhador, que é visto com inferioridade diante do empregador. Vislumbra-se a necessidade da existência desse princípio na história, quando do advento da Revolução Industrial. Neste momento da história, quando surgiram as primeiras máquinas, não havia normas que protegessem os trabalhadores, por esse motivo, o que se viu foi o vilipendio e o abuso do ser humano, que sem direitos mínimos, submetiam-se a trabalhos desgastantes e prejudiciais à saúde para que pudesse ter alguma fonte de renda que os permitissem sobreviver, apenas.

Na Constituição Federal de 1988, é notável a presença do principio da Proteção nos artigos 6º ao 8º e também constante na Consolidação das Leis Trabalhistas(CLT) não “apenas nos primeiros artigos, está, na verdade, inserida em toda Consolidação. Apenas como exemplo, encontra-se, em outros dispositivos, normas que regulam a duração da jornada de trabalho, salário mínimo, férias, segurança do trabalho e anotações na CTPS, como se vislumbra do disposto do Título II do citado dispositivo legal. No Título III, existem normas específicas para profissões determinadas, protegendo a mulher e o trabalho do menor. No Título IV, há disposições legais sobre o Contrato individual de trabalho.” (SCANDOLIERI, 2003, pg. 42)

O principio da proteção se subdivide ou se expressaria de três formas distintas, são elas: A regra do in dubio pro operario foi transportada do in dubio pro reo; a regra da aplicação da norma mais favorável e a regra da condição mais benéfica 

A regra do in dubio pro operário é aquela que “possui a finalidade de proteger a parte, presumidamente, mais frágil na relação jurídica e, em se tratando de Direito do Trabalho, é possível presumir que a parte mais fraca é o empregado-credor. Diante disso, deverá ser aplicado de forma inversa o princípio vigente no direito comum” (LIMA, 1994, p. 81), ou seja, quando existir uma norma que poderá haver diversas interpretações, deve-se considerar a interpretação mais benéfica ao trabalhador

A regra da aplicação da norma mais favorável “pressupõe a existência de mais uma lei que rege um determinado fato ou situação, sendo que, apenas uma delas, aquela que mais favoreça o trabalhador, deve ser aplicada.” (SCANDOLIERI, 2003, pg. 49)

E por fim, a regra da condição mais benéfica “tem relação com a da norma mais favorável, porém pressupõe a existência de uma outra, anterior, concreta e reconhecida, que deve continuar sendo aplicada, caso seja a mais benéfica.” (SCANDOLIERI 2003, pg. 53). O mesmo autor que “o princípio da condição mais benéfica diz respeito a uma norma pré-existente, que foi substituída por outra nova e que traz condições menos favoráveis aos trabalhadores. Não existe um confronto de normas. Ocorre apenas, que uma norma, em regra, não pode retirar direitos do trabalhador. Daí prevalecer a condição anterior que, por sua vez, era mais benéfica ao empregado”.

Nesse sentido, PLÁ RODRIGUES (2000, p.107), o qual afirma que este principio se expressa nas seguintes formas:

 “a) a regra in dubio, pro operario. Critério que deve utilizar o juiz ou o intérprete para escolher, entre vários sentidos possíveis de uma norma, aquele que seja mais favorável ao trabalhador; b) a regra da norma mais favorável determina que, no caso de haver mais de uma norma aplicável, deve-se optar por aquela que seja mais favorável, ainda que não seja a que corresponda aos critérios clássicos de hierarquia das normas; e c) a regra da condição mais benéfica. Critério pelo qual a aplicação de uma nova norma trabalhista nunca deve servir para diminuir as condições mais favoráveis em que se encontrava um trabalhador. Desta exposição segue-se que se trata de três regras distintas, resultantes do mesmo principio geral, sem que se possa considerar uma regra subordinada ou derivada de outra.”

Em sentido contrario a divisão citada, DELGADO (2011, p. 193) afirma que “na verdade, a noção de tutela obreira e de retificação jurídica da reconhecida desigualdade socioeconômica e de poder entre os sujeitos da relação de emprego (ideia inerente ao princípio protetor) não se desdobra apenas nas três citadas dimensões. Ela abrange, essencialmente, quase todos (senão todos) os princípios especiais de Direito Individual do Trabalho”

3. Adaptação da Flexisegurança com o Direito Trabalhista brasileiro

Depois da adaptação da flexisegurança no Brasil várias normas foram modificadas, o que se observa é uma tendência de privilégios a negociação coletiva em detrimento do contrato individual. Também se evidencia o caráter de aumento da exploração do trabalhador que vem a sugerir uma inversão na lógica da preservação dos direitos desses trabalhadores por uma lógica que privilegia os aspectos econômicos. (GIROTTO, 2010 p. 31)

Segundo Luís Leonardo Girotto (2010, p. 30):

“A partir da década de sessenta, começaram a se manifestar as primeiras tentativas concretas de desconstrução do direito do trabalho, que através da desregulamentação pura e simples, quer, ainda, mediante a prescindência da tutela legal pela autonomia coletiva, que ainda pela atuação dos tribunais do trabalho, ao cancelar orientações antigas clássicas, informadas no direito do trabalho protetivo e compensador, dando lugar à orientações liberais, colidentes como tais princípios.”

No Brasil se manifesta a espécie heterônoma e em relação ao objeto é evidenciada pelo aspecto interno, como por exemplo, as medidas legislativas que incentivavam a flexibilização da remuneração e jornada de trabalho, e pelo aspecto externo como o desmantelamento de mecanismo protetivos contra despedida. E no que se refere aos fins manifesta-se como adaptação, e em sua maioria é evidenciado uma desregulamentação uma “re-regulação desconstituidora de direitos trabalhistas”.  (GIROTTO, 2010 p. 29)

A adaptação em nosso país ocorreu de maneira que a relação entre trabalhador e empresa estabelecessem suas regras sem qualquer subordinação ao Estado. Seria uma maneira de procurar a melhor forma e que se atente aos interesses de ambas as partes. Essa forma de relacionar está expressamente enunciado no artigo 444 da Consolidação das Leis do Trabalho da seguinte maneira “Art. 444- As relações de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis a às decisões das autoridades competentes”

Para Arnaldo Sussekind (1991 p. 91) em relação ao legislador sua intenção em proteção as leis trabalhistas seria:

“O legislador brasileiro, visando proteger o trabalhador contra os atos geralmente de má-fé, que tenham em mira evitar a aplicação de condições ajustadas no contrato de emprego, que lhe acarretam prejuízos diretos ou indiretos, declara a inexistência de tais atos, presumindo que, se praticados com a concordância do empregado, viciado foi o seu consentimento pela coação econômica ou hierárquica advinda da subordinação em que se encontra frente ao respectivo empregador.”

Cinthia Machado de Oliveira e Leandro Dorneles (2011 p. 22), ao se referir a flexibilidade a sua intenção seria fazer menção a forma de poder relacionar direitos e deveres entre as partes de maneira que fossem protegido todas as atitudes dessa relação, uma maneira de flexibilizar os procedimentos de trabalho com segurança para ambas as partes:

“Assim, quando se trata de flexibilização no sentido de suprimir direitos do trabalhador, tem-se inversão na lógica preservacionista desse ramo jurídico, fazendo da busca pelo correto delineamento do alcance do fenômeno flexibilização um tarefa complexa, tendo em vista não existirem regras positivadas que regulem ou impeçam a sua implantação em nosso ordenamento jurídico. Conforme exposto no capítulo anterior, o Direito do Trabalho caracteriza-se por ser o ramo jurídico formado pelo conjunto de normas jurídicas e instituições especializadas, que regula o trabalho humano prestado para outra pessoa, de forma pessoal, subordinada e não eventual, tendo por finalidade a proteção e a promoção da melhoria da condição social do trabalhador.”

4. O principio da Proteção e os limites em relação a Flexisegurança no Brasil

Diante da desigualdade real entre o empregador e o empregado durge o direito do Trabalho com intuito de regular as relações entre esses atores, promovendo uma igualdade jurídica entre as partes. O direito do Trabalho é formado por um conjunto de princípios, institutos e regras e possui um caráter atuante sobre a vida em sociedade, dela resultando e sobre ela produzindo efeitos, imprimindo certa direção à conduta humana, alterando, vedando ou sancionando práticas notáveis ou estimulando novas práticas voltadas à geração de empregos. (GIROTTO, 2010, p. 49)

De fato, o principio da proteção do trabalhador está diretamente ligado ao surgimento do Direito do Trabalho, durante a Revolução Industrial, quando o estado começou a intervir nas relações trabalhistas com o objetivo de proteger o empregado do fortalecimento dos detentores do capital, e tem o escopo de compensar a debilidade do trabalhador diante do empregador e assim permitir a igualdade entre as partes (CREPALDI, 2003, p. 25)

Como já visto anteriormente, a flexibilização do direito do trabalho está relacionada a possibilidade de as partes (trabalhador e empresa) estabelecerem, diretamente ou por meio de entidades sindicais, a regulamentação de suas ações sem total subordinação ao estado e assim buscar uma forma que favoreça os interesses de ambos, adaptando a legislação trabalhista. Essas normas regidos pelo relacionamento dos interessados, desde que não contrarias as normas estatais pode ser observada na Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 444 e 468, caput. In verbis:

Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.

Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.

Atualmente, na Justiça do Trabalho brasileira são notáveis decisões que levam a flexibilização, o que pode ser constatado por meio de suas jurisprudência e súmulas. Sobre isso, Araújo e Serafim (2011), afirma que “o grande desafio é saber qual o real alcance da flexibilização nas relações laborais, principalmente quando importar alteração in pejus para se evitar que abusos sejam cometidos e que direitos conquistados através de muitas lutas pelos trabalhadores sejam indiscriminadamente reduzidos ou mesmo excluídos do ordenamento jurídico.”. Os mesmos autores acrescentam que tem que “buscar uma compatibilização entre o capital e o trabalho para que se possa possibilitar o progresso econômico, contudo com máxima cautela para se evitar reduções ilimitadas e indiscriminadas suprimindo ou diminuindo direitos conquistados através de muitas lutas”

            Se tratando de norma de ordem publica e dos direitos mínimos dos trabalhadores é notável por meio de jurisprudências e decisões de tribunais que não é possível a flexibilização desses direitos. Como pode ser visto nas seguintes jurisprudências:

EMENTA:

“RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO ANTES DA LEI Nº. 11.496/2007, QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO ART. 894 DA CLT. I- EMBARGOS DE RECLAMADO – 1 – HORAS EXTRAS – INTERVALO INTRAJORNADA – NÃO CONCESSÃO – JORNADA DE 12 X 36 HORAS – AJUSTE EM NORMA COLETIVA – A jurisprudência da Corte tem como inválida cláusula de instrumento coletivo que macula norma de ordem pública, razão pela qual o ajuste da jornada de 12 x 36 horas por negociação coletiva não retira do empregado o direito ao gozo do intervalo intrajornada, assegurado no artigo 71, §4º, da CLT. Não conheço. (...)”

                Na decisão citada, verifica-se a negação da possibilidade de flexibilizar o intervalo intrajornada, considerando o artigo 71, §3º, da CLT, pois trata-se de uma norma de ordem pública que visa proteger a saúde do trabalhador.

EMENTA:

“EMBARGOS. HORA NOTURNA DE SESSENTA MINUTOS. CLAÚSULA COLETIVA. A norma insculpida no artigo 73, §1º, da Consolidação das Leis do Trabalho reveste-se de ordem pública, de notório caráter tutelar, visando ao resguardo da saúde do trabalhador, ante as condições adversas resultantes do trabalho noturno. Mesmo em se tratando de trabalho com, persistem as condições adversas, o que torna inafastável a observância da jornada reduzida. Não há, assim, como caracterizar no caso concreto, a alegada ofensa ao artigo 7°, XXVI, da Constituição da República, por se tratar, na hipótese, de aplicação de norma especial, de caráter público e, portanto, cogente. Por fim, a Orientação Jurisprudencial n°. 127 da SBDI-I do TST já assentou que, mesmo após o advento da Constituição Federal de 1998, a redução da hora noturna subsiste. Embargos conhecidos e providos.”

Nesse presente caso, houve a invalidade da norma coletiva que afastava a contagem reduzida da hora noturna na jornada do empregado. A argumentação tem base no limite da flexibilização das condições de trabalho, as quais sejam, as normas de ordem pública que visam à preservação da saúde do trabalhador.

A seguir, há uma decisão que não houve a permissão de flexibilizar os direitos trabalhista em descumprimento ao artigo 461, da CLT. Assim, percebe-se que ocorreu o respeito a isonomia, evitando práticas discriminatórias. Assim, a decisão preservou o direito do trabalhador a não discriminação.

EMENTA:        

“EMBARGOS EM RECURSOS DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI N°. 11.496/2007

EQUIPARAÇÃO SALARIAL PETROBRAS. PLANO DE CARREIRA. INEXISTÊNCIA DE CRITÉRIOS DE ANTIGUIDADE E MERECIMENTO. A ausência de critérios de antiguidade e merecimento constitui irregularidade insanável, uma vez que a lei condiciona a validade do quadro de carreira, como obstáculo à equiparação salarial, à observância destes critérios (art. 461, § 2° , da CLT).

Ainda que se considere que a chancela sindical validaria o quadro de pessoal organizado em carreira , à pretensão da reclamada opõe-se o fato de que a anuência do sindicato não dispensa a estrita observância da lei, como assinalam r, julgados da SBD-1/TST, sob pena de total esvaziamento da regra consolidada (art. 461). Recurso de embargos conhecido e improvido.”

Ademais, a Tribunal Superior do Trabalho, na súmula 366 preserva o Direito à limitação da jornada de trabalho e ao pagamento de horas extras ao estabelecer que deverá ser remunerado os minutos da jornada de trabalho que ultrapassarem 10 minutos. In verbis:

“Não serão descontadas nem computadas como jornada extraordinária as variações de horário do registro de ponto não excedentes de cinco minutos, observado o limite máximo de dez minutos diários. Se ultrapassado esse limite, será considerada como extra a totalidade do tempo que exceder a jornada normal.”

CONCLUSÃO

Portanto, a flexisegurança seria a forma de combinar as disposições contratuais flexíveis nas relações trabalhistas, no intuído não somente de regulamentar, como também se proteger os direitos resguardados pela constituição a ambas as partes. Essa proteção aos direitos e normas, não seria no sentido de seguir a riscas esses dispositivos, mas de maneira que fossem prático e principalmente flexível para simplificar as relações e não esquecendo a segurança entre essa relação, para que nenhuma das partes ficasse vulnerável a qualquer tipo de procedimento que houvesse prejuízo.

O Principio da Proteção consiste em um tratamento privilegiado do trabalhador, o qual irá atribuir vantagens a estes, porém irá impor obrigações ao empregador. Havendo com isso uma compensação entre a superioridade jurídica do trabalhador e a sua natural inferioridade na relação empregatícia.

No século passado, houve um questionamento acerca desse principio. Alguns doutrinadores defendiam a modificação das leis trabalhistas com a retração da proteção estatal e mais proteção dos trabalhadores por meios de sindicatos. Outros defendiam que a melhor forma de haver o equilíbrio seria pela atuação do Estado.

A partir do momento em que o Brasil adotou esse modelo dinamarquês, houve uma preocupação maior em adotar medidas que visem a flexibilidade com segurança da aplicação das leis trabalhistas nas relações de trabalho. Essas medidas foram adotadas com a intenção de combater o desemprego, a vulnerabilidade das normas jurídicas trabalhistas e também ao atraso no desenvolvimento econômico do país.

Diante de decisões e jurisprudências, é notório que poderá haver a flexibilização dos direitos trabalhistas nos casos que são previstos na Constituição Federal e também nos direitos que não estão previsto em lei, pois as partes tem ampla liberdade de negociar tais direitos. Porém, não há a possibilidade de flexibilização dos direitos que representam norma de ordem pública, assim como dos direitos mínimos dos trabalhadores. Há também a vedação da flexibilização quando ocorre a negociação coletiva que não apresenta concessões recíprocas, o qual irá caracterizar mera renúncia de direitos por parte dos empregados.

REFERÊNCIA

 

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BRIÃO, Andréa. O que é a flexisegurança. Disponível em: http://pauladireito.blogspot.com.br/2009/06/flexibilizar-com-seguranca.html Acesso em: 17 de fevereiro de 2014.

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[1] Paper da disciplina de Direito Individual do Trabalho

[2] Aluno do 7º período de Direito vespertino da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB

[3] Aluna do 7º período de Direito vespertino da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB

[4] Professora da disciplina de Direito Individual do Trabalho