Há uma locução latina que traduz bem o que nós esperamos dos políticos. “Res, non verba”, ou seja, “fatos, não palavras”. Ações, não promessas.

 

Nesse sentido, pouco importa se Geddel Vieira Lima se expressa melhor que Jaques Wagner, e vice-versa. Importa que, uma vez eleitos para a administração pública, desempenhem com eficiência suas funções, de modo a garantir mais qualidade de vida para os baianos. Em outras palavras, que trabalhem mais e falem menos. 

 

Obviamente que, se o político consegue aliar a capacidade de gerenciar com a de discursar, ele será um homem público não só útil à sua comunidade como também querido pelo seu povo.

 

Neste momento me vem à mente um nome crucial da política baiana – Otávio Mangabeira.

 

(Em Itanhém, onde passei minha infância e adolescência, existe uma Praça Otávio Mangabeira, que, por motivos óbvios, já foi popularmente conhecida como ae tornou a dhecida como Praça do Mercado e, agora, Praça da Rodovi Praça do Mercado e, depois, se tornou a Praça da Rodoviária. Vivi momentos decisivos naquela pracinha. No entanto, só anos mais tarde, tomei conhecimento da biografia do político que dera nome àquele logradouro tão marcante na minha vida e na vida de muitos itanheenses.)

 

Por tudo que fez pelos baianos, Otávio Mangabeira pode ser classificado como um político completo nos dois sentidos – nas ações e nas palavras. Hoje em dia, infelizmente, ele é mais lembrado por suas palavras, pela maneira provocativa e descontraída com que definia a Bahia, do que pelas ações que empreendeu em prol da sua terra natal como vereador, deputado, senador, governador ou ministro.

 

Ele governou a Bahia de abril de 1947 a janeiro de 1951 – após ter sido exilado pelo ditador Getúlio Vargas, a quem fez oposição sistemática –, e seu governo é considerado um dos mais progressistas da história da Bahia. Para se ter uma ideia, Mangabeira atraiu as maiores inteligências baianas para compor seu secretariado: Anísio Teixeira (Educação), Albérico Fraga (Interior e Justiça), Nestor Duarte (Agricultura), dentre outros.

 

Uma prova da visão progressista dele? Seu governo concretizou o maior e mais revolucionário projeto educacional do Brasil. Trata-se do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, mais conhecido como Escola Parque, idealizado pelo educador Anísio Teixeira para uma educação em tempo integral. Essa iniciativa pioneira inspiraria, anos depois, projetos como IAC e CIEPS.

 

No entanto, essa parte da biografia do engenheiro, homem público que dedicou mais de 50 anos de sua vida  à política, professor e democrata irredutível se perdeu no tempo – embora, ironicamente, o Centro de Memória da Bahia tenha catalogado mais de dez mil documentos do ex-governador.

 

Infelizmente, por um equívoco (ou será comodismo?) das novas gerações, o grande baiano acabou reduzido à condição de “filósofo da baianidade”. E, atenção, não pelas tantas obras que escreveu, tais como Voto da saudade (1930); Pelos foros do idioma (1930); Tradições navais do Brasil (1930); As últimas horas da legalidade (1930); A situação nacional (1956), entre outras, que lhe valeram uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Muito pelo contrário. O título em questão se deve a frases como: “Pense num absurdo, na Bahia tem precedente”; ou “A Bahia está tão atrasada que, quando o mundo se acabar, os baianos só vão saber cinco anos depois”.

 

O título de “filósofo da baianidade” não passa, portanto, de uma brincadeira de mau gosto ou, na melhor das hipóteses, de uma referência bem-humorada ao frasista inspirado que também foi Otávio Mangabeira, sem detrimento do homem que tinha como marca a firmeza de caráter, a clareza de pensamento e a confiança inabalável nas instituições democráticas.

Em tempo: Otávio Mangabeira é avô materno de Mangabeira Unger, este, sim, um filósofo na acepção da palavra (leciona filosofia do direito em Harvard) que “fala com sotaque, mas não pensa com sotaque, como muitos políticos brasileiros”.

 

(A. Zarfeg)