Autor: Baltazar Mugabe, licenciado em ensino de História e mestrando em Ciências Políticas e Estudos Africanos na Universidade Pedagógica. 

Nota Introdutória

Ao se desenvolver este tema pretende-se defender a ideia de que a Crítica Hountondjiana representou um avanço à Filosofia Africana. Para a fundamentação desta ideia desenvolve-se três (3) subtitulos , o primeiro é referente à critica feita pelo Hountondji à etnofilosofia, o segundo trata do pensamento critico à crítica de Hountondji e por fim o terceiro debruça-se sobre o contributo da Crítica Hountondjiana à etnofilosofia para o avanço da Filosofia Africana. Em relação ao primeiro, será arrolada uma serie de críticas que Hountondji levanta sobre os trabalhos que ele considera serem etnográficos ou antropológicos desenvolvidos com aqueles que os cognomina etnofilosofos. No segundo, trataremos de apregoar as críticas que a sua crítica à etnofilosofia foi alvo e por fim demonstrar que o pensamento crítico de Hountondji desempenhou um papel fundamental para o desenvolvimento da filosofia africana. Para a elaboração do presente trabalho têm-se como base a consulta bibliográfica, onde são consultadas diversas obras, artigos, e publicações, disponíveis nas bibliotecas e nas mediatecas, de modo a selecionar a partir duma leitura crítica os conteúdos pertinentes para o mesmo.       

Crítica Hountondjiana à Etnofilosofia

Antes de tecermos qualquer ideia sobre o pensamento filosófico africano na visão de Hountondji importa primeiro descrever os caminhos por ele trilhados no mundo filosófico. Residente em Benin, Paulin J. Hountondji nasceu em Abidjan, Costa de Marfim, estudara na École Normale Supérieure, uma das mais prestigiadas instituições de ensino do mundo, afirma Castiano (2010, 97-98) que, esta escola produziu alguns dos cérebros mais brilhantes do nosso tempo como por exemplo Merleau-Ponty, Jean-Paul Sartre, Raymond Aron,Althusser. Trabalhou em contextos diferentes que estimularam o seu pensamento e a sua carreira académica: nas universidades do Benin, da Alemanha, da França e Zaire. Começou sua carreira acadêmica na França, ensinando na Universidade de Besançon de 1967 até 1970. Sua preocupação principal, no entanto, não era simplesmente ensinar filosofia, nem mesmo praticar a teoria crítica do neo-Marxismo, mas apresentar à África um conhecimento filosófico apropriado aos problemas de desenvolvimento. Portanto, Hountondji retornou rápido à sua terra natal, preenchendo cargos universitários primeiro no Zaire (atual Congo), e a partir de 1974 na Universidade Nacional de Benin, em Cotonou, director do Centro Africano de Estudos Avançados em Porto-Novo (Benin) e foi ministro da Educação, então Ministro da Cultura e da Comunicação 1990-1993.                                                                                      

 Enquanto esteve no Zaire, na Universidade Nacional em Lumumbashi, Hountondji começou seu trabalho como um "filósofo ativista." Em 1972, ele fundou o Jornal Africano de Filosofia, e em 1973 ele se tornou o secretário-geral executivo do Conselho Inter-Africano de Filosofia. Seu propósito nesses empreendimentos era dupla[1]: primeiro, promover uma comunicação continental entre os filósofos e portanto ajudar a profissionalização da disciplina na África; e segundo, para desenvolver o seu próprio conhecimento em filosofia como crítica e científica. Ele já tinha começado a articular esse conhecimento em uma série de palestras e artigos que, depois de revistos e complementados formara a base de Filosofia Africana: Mito e Realidade.

Para iniciarmos a interpretação sobre o pensamento critico de Hountondji à etnofilosofia é essencial iniciarmos por o perguntar o que entende de etnofilosofia e de filosofia africana como recomenda Castiano (ibid:98). Para ele:

A etnofilosofia, afirma-se como a descrição de uma visão de mundo inexpressa, implícita, que jamais existiu, a não ser na imaginação do antropólogo. A etnofilosofia é uma pré-filosofia disfarçada de metafilosofia, uma filosofia que, ao invés de apresentar sua própria justificação racional, se instala preguiçosamente por trás da autoridade de uma tradição e projeta suas próprias teses e crenças naquela tradição (HOUNTONDJI apud SANTOS 2016:103).

Ao concordar com a definição de Hountondji, Santos (2016:103) explica que, “toda a produção da etnofilosofia consiste na projeção dos valores e da maneira de pensar dos próprios autores sobre o material recolhido a partir das formas de organização da vida e da cultura dos povos africanos”. Entende Hountondji apud Castiano (ibid:99) Por filosofia africana “o conjunto de textos, especialmente o conjunto de textos escritos por africanos e considerados como sendo filosóficos pelos seus próprios autores”.

Estas definições marcaram o inicio de um grande debate (crítica) no seio da filosofia africana, primeiro por considerar os trabalhos desenvolvidos por Tempels, Kagamé, Mbiti e outros, longe de estarem a prestar um serviço no domínio da filosofia, justificando Hountondji que são no fundo “etnógrafos com a pretensão de ser filósofos[2]. A outra problemática que opõe Hountondji a os que apelidou de entnografos, esta ligada à definição da própria filosofia africana, onde para ele um texto mereceria estar nas prateleiras da filosofia africana se os autores cumprissem duas condições básicas: serem africanos (uma definição geográfica) e terem a pretensão de escrever um texto «filosófico»[3]. Apesar de alguns como Mbite, Tempels, Kagamé, etc reúnirem uns dos requisitos (texto “filosófico?” e no titulo dos seus livros o termo filosofia africana) o que Castiano usa como argumento reivindicador para a pertença destes ao mudo dos filósofos africanos, Hountondji nega admitir os textos destes como filosóficos, por os considerar uma mera discrição de crenças, mitos, fantasias, etc; anti-filosóficos, descaracterizando o ideal critico da filosofia e naga o seu caracter generalizador do pensamento das populações (etnias) africanas. Este posicionamento encontra sustento na interpretação feita por Nguenha:

Hountondji começa por constatar, que desde há trinta anos, existe um incremento constante e contínuo de uma literatura filosófica africana. Ora para ele, o problema de fundo da filosofia africana reside essencialmente na análise laboriosa destes textos, que temos à disposição, e não nos mitos, no pensamento implícito ou no circulo misterioso das nossas almas. Por conseguinte, a filosofia como a vê Hountondji, não é etnológica (sistema de pensamento implícito), mas literatura (conjunto de textos). (NGUENHA, 1993:90)

Hountondji nega ainda a coletivização do pensamento como o descreve os etnofilosofos, ignorando o pensamento individual. Esta visão é considerado por Hountondji como o cita Castiano (2010:102) de «mito do unanimismo primitivo»: a crença de que nas sociedades primitivas, ou seja, nas sociedades não-ocidentais, toda a pessoa está quase sempre de acordo com a outra. Como consequência, segue-se que nestas sociedades não pode haver nunca crenças ou filosofias individuais, mas somente sistemas colectivos de crenças. A palavra ‘filosofia’ é então usada para designar cada sistema de crenças.

Desta forma entramos no fervor das criticas de Hountondji a aqueles que ate então se consideravam filósofos, mas que na verdade desenvolviam trabalhos etnográficos ou antropológicos e de filosofia nada tinham. Esta visão Hountondjiana, apesar de ter sido muito criticada encontrou adeptos pela forma como o mesmo soube a defender. Assevera Castiano que:

No entanto, Hountondji, pelo menos no domínio da sua pretensão, tinha razão: ele queria libertar a filosofia africana das amarras da tradição oral, do tradicionalismo, isto é, do hábito de uma filosofia africana que, logo à sua nascença e à semelhança da tradição, só transmite consenso. Queria impedir o desenvolvimento de uma filosofia africana que, no seu entender, estava prestes a crescer com uma imagem anti-filosófica e contraditória com a própria definição de filosofia: uma que não contém em si mesma a possibilidade de debate crítico em torno dela própria, de uma filosofia de «todos os africanos». (CASTIANO, 2010:100)

Apesar do próprio Hountondji no seu livro 2 (segunda edição da sua obra African Philosophy, 1996)[4] ter reconhecido o papel fundamental da oralidade no oficio da filosofia africana, não quer com isso admitir as mitologias, fantasias, costumes tradicionais dos changanas, senas, tsuas, etc, como filosofia. Explica Nguenha (1993:91) citando Hountondji que a tradição oral tem tendência a favorecer a consolidação do saber num sistema dogmático e intangível; enquanto o registo através do arquivo tem a vantagem de possibilitar, a transmissão de um individuo ao outro, de uma geração a outra, a crítica do saber. É na verdade com base na atitude crítica que Hountondji aconselha a qualquer africano que pretendesse escrever textos filosóficos a partir da oralidade que deveria se apoiar. Ao insistir no método critico para o desenvolvimento dos trabalhos filosóficos africanos, ele desvaloriza os trabalhos que tinham sido elaborados com base em crenças, costumes, tradições que não admite críticas.        

Masolo citado por Santos (2016:96) afirma que, Hountondji é o “crítico da etnofilosofia mais esclarecido”. É nessa optica de ideia que Santos esclarece que sua posição em relação a esse debate, possui duas características fundamentais. Por um lado, ele contribui com um elemento crítico, que atribui uma ideia de inautenticidade à produção de pensadores como o próprio Tempels e o filósofo e clérigo de Ruanda, Alexis Kagamé, que se debruçam sobre as culturas tradicionais africanas munidos de um aparato metodológico eminentemente europeu. Com efeito, Hountondji citado por Santos (2016:97) considera que o livro de Kagamé, A filosofia bantu-ruandesa do ser, em relação à Filosofia bantu, é uma “tentativa de estabelecer um ponto de vista autóctone” sobre a questão, afirma ainda o autor que através do estudo de sua língua nativa, o kinyarwanda, Kagamé procura enfatizar os aspectos universais da filosofia bantu, pelos quais, dentre outros, ela é vinculada à filosofia europeia.

Na opinião de Santos (idem), Hountondji privilegia o desenvolvimento da ciência e do conhecimento técnico da filosofia e, junto com eles, a apropriação do legado filosófico europeu por parte dos “filósofos profissionais” africanos, como condição sine qua non do desenvolvimento da produção filosófica na África. A ideia de etnofilosofia e a de filosofia africana emergem, portanto, no contexto desse debate em que se coloca Hountondji. O principal aspecto da crítica de Hountondji sobre a etnofilosofia está relacionado à concepção que trata dos saberes tradicionais africanos como filosofia.

Neste sentido fica claro que Hountondji fez a crítica com objectivo de chamar atenção aos “filósofos profissionais” africanos que os trabalhos que ia desenvolvendo definhavam o avanço cientifico da filosofia africana por não se servir da crítica que é um fundamentos básico para a filosofia. Sustentam Hountondji que:    

A filosofia africana não está onde há muito tempo a procuramos, em algum canto misterioso de nossa alma supostamente imutável, uma visão de mundo inconsciente e coletiva, com a qual nossa incumbência é estudar e reanimar, mas que nossa filosofia consiste essencialmente no próprio processo de análise, naquele mesmo discurso pelo qual estamos tentando obstinadamente nos definir – um discurso, portanto, que devemos reconhecer como ideológico e que agora cabe a nós libertar, no sentido mais político da palavra, para nos equiparmos com um discurso verdadeiramente teórico que será indissoluvelmente filosófico e científico (HOUNTONDJI apud SANTOS, 2016:97-98).

A crítica Hountondjiana à etnofilofia causou uma grande polêmica numa altura em que muitos se consideravam filósofos ao desenvolver trabalhos etnográficos ou antropológicos, como resultado ele será muito criticado pelos defensores dos ditos “etnógrafos”, o que vigora nas diversas obras de filosofia africana como “crítica da crítica”[5] que em seguida veremos.

Pensamento critico à Crítica de Hountondji (crítica da crítica)

Para desenvolvermos este pensamento importa referir que iremos nos basear nas criticas feitas pelos filósofos Moçambicanos: José Castiano na sua obra Referenciais da Filosofia Africana: Em Busca da Intersubjectivação, publicada em 2010 e Severino Nguenha na sua obra Filosofia Africana: Das Independências às Liberdades, publicada em 1993 à critica feita pelo Hountondji aos etnofilosofos.    Afirma Castiano (2010:99) que, a definição que Hountondji nos trás sobre a filosofia africana, “um texto mereceria estar nas prateleiras da filosofia africana se os autores cumprissem duas condições básicas: serem africanos (uma definição geográfica) e terem a pretensão de escrever um texto (filosófico)”., constitui o cerne da crítica dos que para ele desenvolviam trabalhos etnográficos ou antropológicos e que não podiam serem considerados de filosóficos, mas também, foi a partir da mesma que Hountondji virou alvo de muitas críticas. Ao iniciar a sua crítica,  Castiano (idem) explica que basta uma olhada aos títulos dos chamados etnofilósofos para ver que muitos cumpriam estes requisitos: Mbiti tem no título do seu livro o termo African Philosophy assim também Kagamé, Tempels outros mais. Então, sob este ponto de vista, comenta ainda o autor que estes etnofilósofos cumprem os dois requisitos para que o que escreveram seja considerado, por definição do próprio Hountondji, como textos com o direito de pertencerem às prateleiras de “filosofia africana”. Aliás, ainda hoje e independentemente da “expulsão” declarada por ele, estas obras ocupam com pleno direito as prateleiras de filosofia africana nas bibliotecas e mediatecas espalhadas pelo mundo fora. O outro problema levantado por Castiano tem que ver com o facto de Hountondji insistir em introduzir um modelo filosófico assente ou semelhante ao ocidental, ignorando todo conhecimento existente nas comunidades africanas, e que os africanos deviam encontrar o seu modo de fazer filosofia que estaria liberto das amarras do colonialismo, que pudesse os caracterizar. Como ele justifica:

O que os críticos fizeram foi elaborar um discurso crítico a partir de fora, ou seja, de um quadro conceptual e de uma cultura filosófica eminentemente ocidental, sem quererem entrar no debate sobre as propostas de conteúdos e dos conceitos que, enfim, as etnofilosofias propunham. Fizeram sim um debate intercultural, mas não argumentam a partir de uma posição intracultural. E, por isso mesmo, acabaram por violar as regras do próprio debate intercultural entre uma filosofia com carga ocidental com uma filosofia que queria despontar como africana. (CASTIANO, 2010: 115-116)

A apesar de o próprio Hountondji, ter mais tarde admitido a oralidade no exercício da filosofia, como vimos anteriormente, a sua persistência na escrita excluí a maior parte dos africanos que não dominam a escrita e a leitura, assim como os saberes que se encontram guardados nas memórias comunitárias o que leva Castiano (2010:117) a nos convidar sobre uma reflexão sobre o que fazer filosófico ‘escondido’ por trás das culturas africanas e dos seus sábios. Porque na verdade é nas culturas, costumes comunitários que se pode encontrar o pensamento dos africanos. Castiano (idem) ainda vai longe ao criticar Hountondji e Nguenha juntos dizendo que a filosofia dos críticos parece ser uma filosofia envergonhada. Esta vergonha nota-se pela sua metodologia académica de insistir num debate a partir de textos escritos, quase recusando-se ao trabalho de transcrição do texto oral, à boa maneira platónica que, graças a isso, conseguimos saber o que Sócrates andava a apregoar pelos mercados de Atenas. Assevera ainda o autor que a vergonha notabiliza-se na insistência em filosofar numa língua que uma boa parte do seu público não domina. Nos seus textos, a título de exemplo, está cheio de itálicos de palavras e conceitos das línguas grega, latina, alemã, francesa e pouco encontramos algumas ‘distracções’ suas em incluir conceitos de línguas endógenas. Isso como diz Castiano, faz mostrar que o seu público preferido é o público internacional e não os seus próprios povos, sem, queremos dizer com isso que deve se começar a escrever e filosofar em línguas africanas, uma exigência que acredita ele não ser realista. Com estas vergonhas podemos terminar com as críticas feitas por Castiano ao Hountondji ciente dos erros cometidos pelo Hountondji e seus adeptos, assim como os responsabilizar por levarem a filosofia para debates sobre “quem deve fazer e o que é a filosofia africana?”  o que como diz Castiano (2010:19) adiou o processo de amadurecimento do imaginário colectivo e individual para se apresentarem como «filosofias» e também podemos dizer impediu a filosofia de se preocupar com os problemas correntes que assolam as populações africanas, o que Nguenha chama de missão futurista da filosofia. 

Nguenha inicia a sua crítica negando a ideia Hountondjiana de colocar o modelo filosófico ocidental como o que deveria ser seguido pelos filósofos africanos, para sustentar essa posição Nguenha (1993:101) chama-nos para a seguinte reflexão: “A questão de fundo é saber se o caminho que a filosofia tem percorrido desde a Grécia platónica deve erigir-se como caminho universal.” Ao responder apoia-se nos escritos de Cheikh Anta Diop e Towa que comungam a ideia de que as culturas africanas e asiáticas influênciaram na formação da civilização grega que deu origem à filosofia. Nguenha (1993:102), também não vai se conformar com a definição que Hountondji atribui a Filosofia “Conjunto de textos e de discursos explícitos, literatura de intenção filosófica.”[6] Contesta afirmando que a intenção não faz Filosofia e explica ainda o papel que a oralidade assume na filosofia, como se pode ler “ a filosofia é útil simplesmente se puder contribuir para libertar sobre o continente, uma verdadeira tradição teórica, uma tradição cientifica, aberta, senhora dos seus problemas, e dos seus temas”.  Mostrando claramente que é da oralidade onde se pode fazer uma filosofia que identifica os africanos e com base africana, porque ela transporta com sigo uma enorme carga dos valores, costumes, crenças,etc, dos africanos. As críticas ao pensamento Hountondjiana sobre o que apelidou da etnofilosofia não param por aqui, Nguenha (ibid:103) diz ser uma verdade banal considerar que, não existe unanimidade em nenhuma sociedade. Por acreditar que uma sociedade tem sempre alguns traços, que a caracteriza. E apoia-se em Binda:

Por consequência nós acreditamos que, mesmo se se deve reprovar Tempels por ter considerado o pensamento Luba-Shanbakadi como pensamento de todos [(Bantus) errado, o certo seria Bantu], é doveroso reconhecer a existência de um conjunto de traços e de comportamentos que são manifestamente comuns a todos só homens da área cultural Bantu, traços que os singularizam de uma maneira particular em relação a todos os outros grupos culturais. (BINDA apud NGUENHA, 1993:103)

Deste modo, pode se presumir que a definição que Hountondji nos trouxe da filosofia, levantou muitos problemas no seio dos filósofos africanos que viram os seus trabalhos a serem relegados para um outro campo de conhecimento não pertencente a filosofia. Muitos o acusaram de ter definhado o desenvolvimento da filosofia, onde ela deixou de resolver problemas dos africanos, como sustenta Castiano (2010:106), ele provocou o início de uma época de uma filosofia que passara a olhar mais para o seu próprio umbigo do que para os problemas sociais, uma época de auto-justificações sobre o que merece ou não ser considerado como «texto filosófico» ou passar a fazer parte das prateleiras da filosofia africana. É destas acusações que o autor deste trabalho pretende discutir a seguir, no sentido de percebemos qual é o grau de culpabilidade de Hountondji e que sentença ele merece, isto é, que cuidados devemos ter ao o responsabilizar, tendo em conta o seu contributo para o desenvolvimento da filosofia africana.     

Contributo da Crítica Hountondjiana à Etnofilosofia para o Avanço da Filosofia Africana

Diante de todas críticas lançadas ao pensamento crítico de Hountondji, temos a reconhecer o contributo que este deu para o desenvolvimento da filosofia africana. A crítica Hountondjiana marcou a ruptura de uma filosofia tradicional baseada na descrição de costumes, crenças, fantasias, na oralidade, etc, e que partindo de estudo de uma etnia, generalizava os resultados para todos os povos Bantu, como fez Tempels, Kagamé, Mbiti e outros, para uma filosofia individual, profissional e crítica, privilegiando a escrita, sem ignorar a oralidade. Como sabemos é da crítica que se vale a filosofia para o seu desenvolvimento, este elemento não encontrava espaço na maneira como os “etnofilosofos” elaboravam os seus trabalhos (descrição de pensamentos colectivos que não são susceptiveis a crítica). É nesta lógica que Hountondji citado por Castiano (2010:100) explica que, queria impedir o desenvolvimento de uma filosofia africana que, no seu entender, estava prestes a crescer com uma imagem anti-filosófica e contraditória com a própria definição de filosofia: uma que não contém em si mesma a possibilidade de debate crítico em torno dela própria, de uma filosofia de «todos os africanos». Na verdade, era pertinente que se introduzisse a corrente crítica para que a filosofia africana se torne profissional, comunga dessa ideia Nguenha (1993:89) afiançando que:

Para a corrente crítica, existe filosofia simplesmente onde existem filósofos individuais e ser filosofo significa, lançar-se pela via da procura livre e permanente da verdade, verdade que deve ser expressa e não completada. A dedicação livre [(e) errado, o certo seria é] responsável ao discurso racional, exige uma ruptura com os mitos, com as ideias simplesmente recebidas, com as ideias já feitas. Este tipo de sistema filosófico leva simplesmente a procurar justificações das ideias, das opiniões, morais ou politicas que são todas aceites como valores autênticos e indiscutíveis. (NGUENHA 1993:89)   

A corrente crítica introduzida pelo Hountondji seria a luz que iria guiar a filosofia para a sua profissionalização, libertando-a dos etnofilosofos. É nesta luz profissionalizante que a filosofia deve labutar, de modo a trazer as ideias existentes de forma individualizadas, merecedoras de críticas, onde cada um será responsável pelo seu discurso, contribuindo desta forma para a abundância das ideias filosóficas.  Interpretando Nguenha (ibid:90) pode-se perceber que, a crítica Hountondjina à etnofilosofia trouxe uma mudança teórica fundamental. Como explica o autor, a filosofia deixa de ser uma visão colectiva do mundo, espontânea, irreflectida e implícita como afirmam os etno-filosofos.

Hountondji representa se quisermos exagerar a “paternidade” da Filosofia africa por ter chamado atenção a aqueles que se consideravam “filósofos” para abandonarem as etnofilosofias e abraçarem as causas filosóficas, a crítica e reflexão sobre a filosofia africana, no sentido de a tornar profissional. Os que o acusam de ter estagnado a filosofia africana, talvez não tiveram o cuidado possível de se colocar as seguintes questões: Se Hountondji não tivesse criticado os “etnofilosofos” o que seria da filosofia africana hoje? Será Hountondji responsável pelo longo tempo que se levou em debates sobre a possibilidade da existência da filosofia africana (período considerado por Castiano como aquele que a filosofia esteve virada para o seu próprio umbigo)? Não serão os críticos culpados pela essa estagnação?  

Para responder a primeira questão pode-se dizer que ate hoje teríamos uma filosofia africana caminhando ao abismo, sem orientação metodológica de base crítica. Isto é, teríamos o que o próprio Hountondji citado por Santos (2016:103) chamou de “etnofilosofia” e definiu como sendo uma pré-filosofia disfarçada de metafilosofia, uma filosofia que, ao invés de apresentar sua própria justificação racional, se instala preguiçosamente por trás da autoridade de uma tradição e projeta suas próprias teses e crenças naquela tradição.

Em relação a segunda questão, importa referir que Hountondji nada fez senão criticar a maneira como eram desenvolvidos os trabalhos ditos filosóficos, que não sua opinião eram trabalhos etnográficos ou antropológicos e que não mereciam serem considerados filosóficos. Convidando aos colegas para que iniciasse a desenvolver projectos de filosofia que iriam se fundamentar em metodologias filosóficos. Lançada a crítica no seu artigo publicado em 1969, Hountondji ficou de longe, só a assistir as críticas que estavam sendo atiradas para ele e só em 1976? respondeu, o que explica que os críticos terão se concentrado num debate que quem o levantou tenha se distanciado logo no inicio e só mais tarde veio reconhecer alguns erros por ele cometido. Dessa forma, para responder a terceira questão pode se acreditar que os críticos é que contribuíram para a estagnação, pelo longo tempo perdido a discutir a existência da filosofia africana, algo que Hountondji soube muito bem esclarecer e que caberia a cada filosofo trilhar o seu caminho em prol da profissionalização da filosofia africana.

O que Hountondji fez, foi mostrar aos colegas filósofos que a filosofia deveria assumir o seu papel crítico ao invés de se limitar em descrições dos elementos culturais que estão arquivados nas memórias desta ou daquela tribo e serem denunciados como pensamentos dos Bantu.

O apelo feito pelo Hountondji apesar de ter sido muito contestado, tem servido de base para todo aquele africano que pretende abraçar o caminho filosófico como forma de expor as suas ideias. Diz Nguenha (op. cit) que a intenção não faz filosofia, negando a definição de Hountondji, mais em algumas obras dele e de outros filósofos africanos, algo nos chama atenção, é que nas suas capas não falta o termo “Filosofia Africana” que o Hountondji o exigiu para que uma obra mereça lugar nas prateleiras da filosofia africana. Hontoundji trouxe um novo paradigma no exercício da filosofia africana, onde esta passou a se crítica e individual.

Considerações Finais

Desenvolvido o trabalho podemos concluir que as críticas Hountondjianas à etnofilosofia levaram filosofia a um período de reflexão, sobre que caminho filosófico os filósofos africanos deveriam abraçar, porque na opinião de Hountondji o que se fazia não era filosofia, era apenas uma seleção de ideias, costumes, crenças pertencentes a um determinado grupo étnico e depois se considerava pensamento dos Bantu. A crítica feita ao pensamento crítico de Hountondji tem seu mérito, por conseguir o levar a admitir que seria um erro excluir a oralidade no exercício da filosofia africana. Esse reconhecimento é justificado por validar o poder da oralidade na definição que nos trás no seu segundo livro.  Terminando, afirmar que a crítica Hountondjiana contribuiu no avanço da filosofia africana ao marcar ruptura de uma filosofia tradicional para uma filosofia individual, profissional e crítica que hoje se preocupa com os problemas dos povos africanos.

Referências Bibliográficas

CASTIANO, José p. Referenciais da Filosofia Africana: Em Busca da Intersubjectivação. Maputo:Sociedade Editorial Ndjira, Lda. 2010.

Ngoenha, S.E. Filosofia Africana. Das Independências às Liberdades. Edições Paulinas, África. Maputo. 1993.

SANTOS Rodrigo dos. Uma abordagem da concepção de Paulin Hountondji a partir do baraperspectivismo. (artigo) PPGF/UFRJ, 2016.

 

[1] http://filosofiaprofissional.blogspot.com/2014/11/paulin-j.html

[2] CASTIANO, Jose p. Referenciais da Filosofia Africana: Em Busca da Intersubjectivação. 2010 

 

[3] idem

[4] CASTIANO, José p. Referenciais da Filosofia Africana: Em Busca da Intersubjectivação. 2010, p.99.

[5] O exemplo da obra de NGENHA, Severino. E.  filosofia Africana: Das Independências às Liberdades,1993 e do CASTIANO, José p. Referenciais da Filosofia Africana: Em Busca da Intersubjectivação. 2010.

[6] Hountondji apud Nguenha (1993:102)