Filosofia do cotidiano O cotidiano é um dos melhores lugares para o exercício do filosofar. Não só porque ele se nos apresenta como um emaranhado de situações cômicas, contraditórias e curiosas, mas, principalmente, porque é nele que estamos inseridos. Nossa vida é o cotidiano! Daí podermos dizer que a filosofia do cotidiano é dinâmica. Ela se impõe pelas circunstâncias. A única exigência para a filosofia do cotidiano é estar atento aos fatos no transcurso dos dias. Veja como é fácil pensar o cotidiano. Você chega num ambiente em que as pessoas conversam displicentemente e solta: “bom dia pra quem ainda não vi”. Perfeito. Desejar um bom dia é, não só fino trato de educação, como uma forma otimista de encarar o dia iniciante. Por mais irritado que estejamos, não chegamos dizendo: “péssimo dia pra vocês”. O “bom dia” sai por educação, por gentileza, por costume e também porque efetivamente desejamos que o dia seja bom. A questão do “bom dia pra quem ainda não vi” não é o bom dia, mas o “pra quem ainda não vi”. Ocorre que se você já havia visto algumas pessoas daquele grupo, já as havia cumprimentado desejado um “bom dia”. Mas ao dizer “Bom dia pra quem ainda não vi” você está excluindo do seu desejo de um dia bom aqueles que você já havia visto. Você está retirando o desejo de bom dia daqueles a quem já havia cumprimentado e o está restringindo àqueles que agora está vendo pela primeiro vez, nessa manhã. Nessa lógica, se você encontrar um segundo grupo que ainda não havia encontrado repetirá o cumprimento: “bom dia pra quem ainda não vi” e, novamente retirará os votos de bom dia daqueles que já tinha visto. Então, como saudar? Simplesmente dizendo bom dia. E que o dia seja bom para todos, afinal de contas nunca é demais desejar o bem. Mesmo que seja repetindo o desejo de um dia bom. Se for bom para ele, talvez também seja pra você! A mesma reflexão serve para os dias úteis... contrapostos aos “dias inúteis”. Pensemos: o dia é útil para quê? Se o dia é útil para o trabalho significa que o aquilo que se faz nos dias que não são os úteis serão coisas inúteis? O que é útil, é útil para quê? Para quem? Se desfruto um domingo de lazer, isso não me é útil? Se trabalho numa empresa, a segunda-feira é um dia útil a mim que trabalho ou ao dono da empresa que lucro com meu trabalho? Noutro dia uma de minha alunas comunicou que estava trancado matrícula no curso que, segundo ela, era seu sonho. Estava já no sexto período. Motivo do trancamento: estava mudando de cidade para tomar posse no serviço público. Havia passado em terceiro lugar. Ao comunicar isso em sala de aula, alguns de seus colegas disseram: “que sorte, né!”. E a sua resposta: “Sorte foram as noites que deixei de sair com os colegas para ficar estudando até de madrugada”. Essa é mais uma situação do cotidiano. O incompetente e preguiçoso diz que o outro está alcançando sucesso por “sorte” ou porque tem “um costa quente”, “um padrinho” “um QI”. Os incompetentes não conseguem entender que existem pessoas que alcançam sucesso por méritos pessoais. Os preguiçosos não conseguem admitir que existem pessoas que se dedicam: ao trabalho, ao estudo, ao trabalho e ao estudo; que tem gente que prefere usar os momentos de folga preparando-se para atingir objetivos. Sorte? Talvez até exista, mas sem esquecer o processo da conquista. Podem existir boas oportunidades, mas elas serão desperdiçadas ou perdidas se o agraciado não estiver preparado. Aliás é o que ensina o ditado popular: “a oportunidade é careca; depois que passa não pode ser agarrada pelos cabelos da nuca”. Talvez, também, por esse motivo é que no mundo atual seja tão necessária a preparação para o “mercado de trabalho”. Já não vale apenas ter bons relacionamento... ou sorte. Quem se prepara produz sua sorte... é o cotidiano.

Neri de Paula Carneiro Mestre em educação, Filósofo, Teólogo, historiador. Rolim de Moura - RO