FILME: NARRADORES DE JAVÉ x TED: COMO A ARQUITETURA DA SÍRIA ESTABELECEU BASE PARA UMA GUERRA BRUTAL

Por Jéssica Tâmara de Lima Teixeira Leite | 21/11/2024 | Engenharia

Em determinado ponto da evolução humana o ser humano passou a conceber, a fomentar a ideia acerca da necessidade de se abrigar, essa carência associada ao fato do ser humano ser um indivíduo gregário por natureza contribuiu para o surgimento e evolução de povos, assim também ocasionando na criação e desenvolvimento da arquitetura. Hoje temos conhecimento que esta ciência arte, denominada arquitetura, ultrapassa o conceito de elaboração de espaços e de ambientes físicos edificados. A arquitetura tem a capacidade de refletir costumes, despertar sensações e sentimentos, contribuir para o desenvolvimento socioeconômico de inúmeros lugares e pessoas. Através da dita ciência é possível garantir a identidade de grupos, externar e reafirmar a cultura de povos e permitir o acesso as origens e raízes de determinadas localidades. 

Diante do que foi visto no longa-metragem Narradores de Javé podemos observar a importância das memórias no contexto histórico e cultural das comunidades e cidades. Através delas é possível resgatar nossas origens, nos reafirmarmos como indivíduos pertencentes a aquela localidade, podemos também utilizá-las como referência e guia para construção de novas memórias. A exemplo disso, o povoado mencionado no filme, enfrenta a problemática do avanço do desenvolvimento que, no caso, se dá através da execução de um projeto de uma represa onde seu curso atingiria Javé, ao se depararem com tal situação perceberam que a referida obra ameaçava não somente seu patrimônio mas também seus valores culturais, tais como, suas origens e histórias sobre o povoado passadas de geração em geração, enfatizando a dimensão histórica, cultural e artística, tornando-se assim um bem cultural. 

Neste mesmo sentindo, podemos perceber a potencialidade negativa que determinadas intervenções arquitetônicas e urbanísticas podem acarretar para determinado grupos de pessoas, para suas culturas e suas memórias, fato este que também pode ser reconhecido através dos relatos trazidos pela arquiteta Al-Sabouni em palestra por ela apresentada em uma conferência oficial do TED Circles – (Comunidade aberta de pequenos grupos que discutem grandes ideias). Na referida palestra a profissional discorre sobre os impactos e prejuízos ocasionados pela arquitetura na cidade de Homs, localizada na Síria. A intervenção arquitetônica modernista implantada na cidade retro mencionada tinha como objetivo soluções estéticas e consequentemente o embelezamento da mesma, porém despertou em sua população o sentimento de não pertencimento e ausência de familiaridade com aquele local. Resultando na intensificação da desigualdade, segregação de seus habitantes, perda de memória das suas respectivas origens e desconexão cultural. A abertura de espaço para o novo, sem preservar o antigo o reconhecendo como relevante e admitindo seu valor, pode ter como consequência a descaracterização de seus costumes e de importantes bens patrimoniais culturais, ocasionando também a aniquilação da identidade com a cultura e o local onde o indivíduo está inserido, desta forma contribuindo para o rompimento da conexão do conhecimento herdado de geração em geração. A desvalorização da significância da preservação e suas consequências fica evidente no TED, onde percebe-se que muito antes do início da guerra a população já se encontrava totalmente desestabilizada e completamente dispersa, facilitando na o estabelecimento de uma guerra trágica. Entretanto, ocorreu o contrário com o povoado Javé, a população se mobilizou para alcançar um objetivo em comum, cujo qual seria, o reconhecimento da representatividade cultural presente no local e a não destruição do referido povoado, a ideia se concentrava em demonstrar que o povoado possuía grande valor cultural e histórico, assim alcançando através deste registro histórico a salvaguarda que seria concedida pelas autoridades e órgãos competentes, onde serviria como embasamento para um possível tombamento, auxiliando na preservação e contribuindo para a redução de matéria-prima necessária para construção do novo, assim descartando qualquer possibilidade da inundação do vale do Javé.  

Desta forma podemos concluir que o nosso passado histórico possui tamanha singularidade e importância, que podemos abrir espaço para o novo sem nos desfazermos do antigo, que fazemos parte de um todo e que podemos construir não só registros que propiciarão compreensão da história futuramente mas também imponentes edificações que marcarão várias gerações. Preservar é ser sustentável, é proteger o raro, é orgulho de fazer parte de algo maior. Como dizia a arquiteta Al-Sabouni “O tecido das nossas cidades reflete-se no tecido da nossa alma”. Estamos completamente inseridos em uma sociedade onde tudo para ser julgado belo necessariamente precisa ser novo, temos pressa pelo o moderno, o velho é tido como algo ruim, substituível, arcaico e desinteressante, mas nos esquecemos que ao olhar para nosso passado estamos olhando para nós mesmos e que é necessário se apoiar nas experiências já vividas para não repetirmos o mesmo erros daqueles que construíram as nossas memórias. 

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