Daniel Medeiros*

Em outubro de 1953, o jovem advogado Fidel Castro apresentou sua defesa contra a acusação de violar a Constituição por atacar o quartel de Moncada, em 26 de julho, e tentar derrubar o governo do ditador Fulgêncio Batista. “Em que país está vivendo o senhor promotor? Quem disse que nós promovemos uma revolta contra os poderes constitucionais do Estado?” , disse um intenso revolucionário, em seu discurso de quase quatro horas, que evocava as mais autênticas raízes liberais e seu direito de resistência aos governos despóticos. Ao fim de sua defesa, Fidel afirmou: “Me condenem, não importa. A história me absolverá”. Condenado a 15 anos, acabou anistiado no ano seguinte e partiu para o exílio, no México.

A Cuba do jovem Fidel era uma espécie de Estado de segunda categoria, agregado aos EUA, com sua economia – usinas de açúcar e redes de hotéis – controlada diretamente por empresários americanos (muitos ligados à máfia) e governada formalmente pelo ex-sargento Fulgêncio Batista, autor de dois golpes de Estado, que se mantinha autoritariamente no poder, perpetuando uma sociedade empobrecida e muito distante do acesso às condições mínimas de saúde e educação.

Por isso, quando em dezembro de 1956 o mesmo advogado arrogante e falador desembarcou em Cuba, vindo do México, com um punhado de guerrilheiros e internou-se na Sierra Maestra, começava o fim do reinado do ditador Batista. O apoio popular foi imediato e a adesão da sociedade pobre alastrou-se rapidamente por toda a ilha. Em dezembro de 1959, na véspera de Ano Novo, Fulgêncio foge e as tropas de Fidel assumem o poder. A ilha canta de alegria, enquanto muitos arrumam suas malas às pressas, rumo aos Estados Unidos. Agora Cuba teria um governo popular e democrático e o seria a vez do povo. Bom, era o que todos acreditavam. Por isso comemoravam.

O que aconteceu com Cuba durante o reinado do novo ditador? Os cubanos passaram a viver melhor? Os cubanos passaram a ter melhor saúde? Educação? Liberdade? Trabalho? Tecnologia? Há muitos “sim” e “não” a estas perguntas. Depende de qual estatística se queira olhar.

Alfabetização? Saneamento? Hospitais? Sim, sim, sim. Liberdade de expressão? Direito de ir e vir? Pluralismo político? Não, não, não. Repressão? Sim. Rotatividade no poder? Não. E por aí vai, na gangorra nem sempre sensata do julgamento da história.

Em 2008, após quase 50 anos no poder, Fidel deixou o governo para seu irmão “mais novo”. E agora, nesse quase fim de 2016, dá o seu adeus definitivo. O mundo mudou várias vezes nesse tempo todo. O boicote ortodoxo dos EUA e a aliança com a URSS já não existem mais. As redes sociais impedem a manutenção do isolacionismo. As fugas constantes – que tornaram Miami uma cidade cubana por excelência –, as prisões e a repressão macularam a ideia de uma sociedade que legitima seu governo. Mas há também os índices de desenvolvimento humano, melhores em toda a América Latina. E isso não é pouco! Mas há a falta de liberdades individuais e políticas, a violência contra as minorias sexuais, a censura à imprensa, a limitação do uso da internet, as dificuldades de os cubanos viajarem, os pedidos de asilo dos seus atletas e tantos outros sinais de que o regime político de Cuba sobrevive graças à mão de ferro dos Castro e da velha guarda revolucionária de 1959. Vale a pena? “A gente não quer só comida, a gente quer a vida como a vida quer...”

O tempo é implacável. O velho “comandante” acabou de perder sua última batalha, aos 90 anos, sem eloquência ou floreios. Como último pedido, que seja cremado. Sem corpo embalsamado e exposto para as multidões, como outros ícones revolucionários . Menos mal. Fica a obra e o julgamento da história. O futuro o absolverá?

*Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica pela UFPR e professor do Curso Positivo.