FAMÍLIA, COMUNIDADE DE SERVIÇO
Geraldo Barboza de Carvalho
A SS Trindade é a mais perfeita família. De toda a eternidade, a Trindade imanente, a Família Divina é constituída pelo Pai, o Filho e Deus Mãe, o Espírito de santidade do Pai e do Filho, Ruah, a Senhora que dá vida a todas as coisas. No diálogo intratrinitário, na plenitude do tempo, a Família
Divina decide enviar ao mundo uma das Três Pessoas num corpo semelhante ao corpo humano de pecado, para ser um de nós e viver conosco. O Filho Unigênito do Pai e Deus Mãe se ofereceu para assumir em plenitude a fragilidade, a condição humana, a carne, corpo e alma inseparáveis, para ser igual a nós em tudo, até no pecado: solidário conosco, livremente, enviado pelo Pai na Força de Deus Mãe, o Unigênito se fez carne, pecado, maldição, sem ser pecador, mas o Santo de Deus, o Fruto bendito do ventre de Maria, o Primogênito da nova criação. É a Trindade econômica, da qual a humanidade e toda a criação fazem parte. O Filho Unigênito, o Cordeiro imolado já antes da criação do mundo, disse ao Pai e Ruah: "Sacrifício e holocaustos de animais não vos agradaram. Por isto, destes-me um corpo humano e eu disse: Eis-me aqui, ó Deus, pra fazer vossa vontade. E a Palavra se faz carne e habita entre nós e nós vimos a sua glória, glória que o Filho Único tem junto ao Pai e Deus Mãe de toda eternidade, cheio de graça e verdade. E graças à vontade do Pai e Deus Mãe somos santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo, uma vez por todas" Hb 10,6-7. A glória é o brilho da perfeição de um ser. Deus é o ser mais perfeito, portanto, o mais resplendente.
Em que consiste e onde mais resplendece a perfeição, a glória de Deus? A perfeição, a glória de Deus é a sua incomensurável bondade, sua ilimitada misericórdia com todas as criaturas, até com
"os maus e ingratos". Onde se revelou mais gloriosamente a misericórdia de Deus? A glória eterna do Filho se revelou primeiro na encarnação: "Palavra se fez carne e habita entre nós e nós vimos a sua glória". É algo jamais visto e ouvido o Criador fazer-se criatura, Deus eterno fazer-se humano. efêmero. A generosidade de Deus com os pecadores é algo deveras desconcertante, enaltecedor, glorioso. Os pecadores perceberam isto e foi grande sua alegria. Quando Jesus nasceu em Belém entre animais e foi posto num tosco cocho de capim, "porque não havia lugar para mãe e filho na hospedaria", os malvistos pastores ficaram felizes e uma multidão de anjos bradou feliz: "Glória a
Deus no mais alto dos céus e paz na terra às mulheres e homens por ele amados". É motivo de paz e alegria pra pecadores condenados pelos rigores da Lei saber-se amados por Deus. O resplendor, a glória de Deus atingiu o auge na humilhação, na quênose da cruz, onde, desprezado e execrado, o Primogênito dá a vida por amor aos pecadores. Falando da sua morte de cruz, Jesus diz: "quando eu for elevado na cruz, meu Pai será glorificado". A encarnação ratifica o sacrifício, o dom da vida do Cordeiro de Deus desde antes da criação do mundo, e se consuma na sua entrega livre à morte
de cruz, segundo o desígnio do Pai e a força de Deus Mãe. A cruz é a expressão máxima da glória, do amor misericordioso das Pessoas Divinas por nós. Na extrema desgraça está a graça máxima, a
gloriosa expressão do amor gratuito, misericordioso da Família Divina pelos seres humanos. Nada causa mais admiração, exultação, espanto; nada é mais glorioso que o pequeno fazer-se grande, o rico fazer-se pobre, o santo fazer-se pecador, assumir as culpas dos pecadores, por amor gratuito por eles, para salvá-los da morte inevitável. Esta é a glória de Deus revelada no Verbo encarnado, "glória que o Filho Único tem, ab eterno, junto ao Pai e a Deus Mãe, cheio de graça e verdade". O Pai e Deus Mãe estão unidos ao Filho na quénose da Trindade imanente e na quénose da Trindade econômica, da encarnação à cruz. Pois na Família Divina tudo é comum, é partilha, serviço mútuo,
dom da vida de cada Pessoa às outras: "Tudo que é meu é do Pai e Deus Mãe; tudo que é do Pai e Ruah é meu. A Mãe Consoladora vos recordará tudo que vos ensinei. Ele não falará por si, mas em meu Nome, e dirá tudo o que ouviu de mim, como eu falo tudo que ouvi do meu Pai" Jo 14 ou 16.
Ao assumir a condição humana no ventre de Maria, Jesus tornou-se membro da família humana, nos fez membros do seu Corpo e da Família divina. "Quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho ao mundo, nascido de mulher, para que recebêssemos a adoção filial, em relação ao Pai, a Deus Mãe e a mãe Maria. E porque somos filhos, o Pai derramou o Espírito de santidade do seu Filho em nossos corações, que nos faz chamar de Pai o Pai de Jesus". Em Cristo, com Cristo, por Cristo, o Pai e a Mãe Divina de Jesus são também nosso Pai e nossa Mãe, que nos geram filhos adotivos, no Filho Único. Pela fé, explícita ou implícita, cada ser humano é gerado filho e filha de Deus no Filho Primogênito e torna-se membro da Família Divina, com direito a sentar-se à mesa da Casa do Pai na companhia do Filho Primogênito. "Já não sois forasteiros ou peregrinos, mas sois membros da Família Divina, com direito a sentar-se na mesa da casa do Pai, em Cristo Jesus" Ef 2, 19. Em Jesus, Deus se faz humano como nós; em Cristo, o ser humano se torna divino como o Filho único, "partícipe da sua natureza divina" 2 Pd 1,2. Este é o desdobramento mais glorioso do dom da vida do Unigênito, a misericórdia do Pai em Pessoa, que salva, isto é, restitui vida saudável aos filhos doentes pelo pecado. Em, com, por Cristo, somos filhos do amor misericordioso do Pai e da Mãe Consoladora, Ruah, mediante a fé. "A todos que o receberam, que creram no seu Nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos e filhas de Deus, que não são gerados da carne ou da vontade do homem, mas do Espírito de santidade Pai e do Filho" e de todos que aderem a Jesus pela fé e a prática do amor fraterno. "No Filho humanado recebemos graça sobre graça". Por causa do amor ilimitado do Filho por nós, Satanás e o pecado são desmoralizados. O julgamento severo prestes a fulminar os pecadores, devedores insolúveis, reverteu-se em anistia geral, "graças à generosidade do coração do nosso Deus e Salvador".
Por causa da encarnação do Unigênito, a humanidade inteira e cada família humana particular se torna Família Divina. A Família de Deus não acolhe só os santos, os que crêem, mas sobretudo os filhos pecadores, declara Jesus, Enviado do Pai. "Não vim salvar os santos, mas os pecadores; não vim curar os sadios, mas os doentes. Os santos que precisam arrepender-se, mas os pecadores; os sadios não precisam de médicos, mas os doentes. Vim curar e salvar o que estava perdido. Quero misericórdia, não sacrifício". Ao aproximar-se dos pecadores, Jesus não os tratava como juiz que acusa e condena, mas os acolhia como irmãos e filhos que o Pai os ama com amor de predileção. "O Pai mesmo vos ama e eu vos amo também. O Pai ama tanto o mundo (as pessoas), que enviou seu Filho Único para salvar, não para condenar o mundo. Todo aquele que crê no Filho está salvo". Pecadores e santos, somos todos membros da Família de Deus, filhos de Deus Pai e Deus Mãe, irmãos de Jesus, sem discriminação. A Família de Deus é uma comunidade de serviço, na Trindade imanente e econômica. Servir caracteriza a família. Família é comunidade de servidores. Famulus é servidor, donde vem família. A exemplo da Família divina, as relações dos membros das famílias humanas são de respeito e serviço de cada pessoa às outras. Os pais servem os filhos dedicando-se a eles. Os filhos servem os pais respeitando-os, e aos irmãos amando-os sem discriminação. Eis o novo formato do poder revelado e inaugurado por Jesus. "Os senhores do mundo oprimem seus subordinados e ainda são chamados de benfeitores. Entre vós não deve ser assim: o maior faça-se o menor, o senhor faça-se o servidor dos subordinados e quem manda seja como quem serve. Vós me chamais Mestre e Senhor e falais a verdade, pois eu o sou. Mas estou entre vós como aquele que serve, não sendo servido; lavando vossos pés, não tendo os pés lavados. Dei-vos o exemplo, para que, como eu fiz, o façais vós também. Porque o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida pela multidão de pecadores, devedores insolúveis de Deus". O poder do mundo é dominação que exclui; o poder de Deus é serviço que agrega e inclui.
Deus valoriza tanto a família que quis vir ao mundo numa família. O Reino de Deus é simbolizado por festas de casamento: bodas de cana, as núpcias do Cordeiro com a humanidade. A família de Nazaré é emblema da Família Divina e modelo da família humana. A família humana é sacramento, símbolo da Família Divina. Assim como o sacramento da eucaristia nos comunica a vida plena de Deus, a família humana sinaliza que o destino feliz do ser humano liga-se a uma família ? Família humana e Família de Deus.
Viva o Menino Jesus, juntamente com seus pais humanos, Maria e José, o esposo de Maria. Natal é a memória viva de Deus Criança, sinal de contradição diante do Imaginário velhinho Papai Noel, que finge dar presentes com o dinheiro alheio. Jesus é o nosso Presente de Natal mais valioso. É a Presença de Deus no meio de nós, Emanuel, Deus-Conosco para sempre.