O escritor paulistano, Fernando Bonassi, testemunhou: "Eu vivo num bairro que tem ruído de helicóptero. Deve ter gente que sobe no prédio, pega o helicóptero, desce na empresa e não pisa no chão. Gente, que não vê a miséria porque está sempre voando" (Ultimato, nº 281, pág. 18). Aproveitando a rica imagem do texto, talvez não haja muitos que estejam voando literalmente, mas muitos há que não estão nem aí para a situação deplorável de milhares de brasileiros que vivem sub-condições de vida.

                Mas não é só do ponto de vista sócio-econômico que sofremos no Brasil de hoje. Precisamos encarar a dura realidade de situações sociais aflitivas presentes no país. Se a razão dessas circunstâncias difíceis se encontra no baixo nível educacional, com grande evasão das escolas; se advém da problemática econômica, com recessão, alto índice de desemprego, baixa circulação de moeda; se é própria do pouco incentivo dado à agricultura brasileira ou mesmo da necessidade urgente de reforma agrária, com assentamento de famílias em terras improdutivas que estão nas mãos de grandes latifundiários; se é decorrente da má distribuição de renda ou qualquer outro fator, tudo deve ser analisado sob a ótica de uma realidade que afeta em cheio as condições de vida nacional, comprometem sua qualidade e obscurecem o futuro do país.

                É claro que os problemas urbanos gritam por solução rápida, pois é nos grandes centros que as aglomerações humanas vivem, à mercê de situações aflitivas, engarrafamentos, violências, greves, tiroteios, mendicância, meninos de rua, e outras situações que atestam a necessidade premente de investimentos sociais no Brasil.

                Além disso, sabemos que o fator mais crasso de todos os que compõem o quadro difícil da realidade brasileira é o fator espiritual. Vivemos num país onde reina a idolatria, é forte a presença da macumbaria e há um crescimento explosivo das seitas e religiões de magia, esoterismo e apelo ao emocional. Muitas delas, se apresentam como evangélicas, o que se constitui em algo que deve preocupar os cristãos sinceros que pretendem viver em conformidade com a vontade do Pai.

                Vamos procurar analisar neste estudo algumas destas questões sociais incômodas e deixaremos outras para os estudos seguintes, onde teremos mais espaço para nos aprofundar.

 

A questão das doenças sexualmente transmissíveis

                Um dos problemas sociais de nossos dias é a presença macabra das doenças sexualmente transmissíveis em grande quantidade, como se epidemia fosse, a assustar a nossa população. Penso que a questão deve ocupar nossas mentes num sentido solidário para com a sociedade e até mesmo porque somos indiretamente atingidos por ela. Entretanto, ainda prego, vivo e acredito que os cristãos sinceros estão à salvo deste mal, em função de sua fidelidade a Deus, ao cônjuge, à família e à Igreja.

                Se a medicina conseguiu controlar e curar as populações de risco (prostitutas, homossexuais e usuários) de doenças mais antigas, conhecidas no passado como doenças venéreas: cancro, sífilis, blenorragia, dentre outras, a AIDS (Síndrome da Imuno-Deficiência Adquirida) é o fantasma que persegue o mundo contemporâneo. São milhões de indivíduos infectados e o Brasil está na dianteira dos contaminados.

                A Igreja precisa alertar os seus jovens e adolescentes quanto ao problema; condenar a apologia da camisinha como alternativa para sexo seguro; e, sim, proclamar o casamento como visão de Deus para o exercício de uma sexualidade sadia e responsável (Lv 18.22-30; Hb 13.4; Ap 21.8; 1Tm 3.2; 5.22).

 

A questão do abuso sexual infantil

                Filho caçula da libertinagem que se vive em nossos dias, o abuso sexual infantil é outro grave problema de nossa sociedade. Mais presente do que se supunha, e mais cruel do que se imagina, o abuso sexual infantil é monstruoso à partir do momento em que se tem nas vítimas, indefesas crianças que ainda não aprenderam a dizer não para os adultos. E o pior, está comprovado que o abuso sexual infantil, de meninas e meninos, parte, em sua maioria, de familiares das vítimas ou de pessoas com quem elas convivem (amigos, vizinhos).

                A situação se torna cruel, porque estes mesmos adultos que têm a confiança destas crianças para o seu cuidado, sua educação, sua higiene, são aqueles que as violentam, roubando sua inocência e o seu sonho de futuro. Esta intervenção brutal nos rumos naturais do amadurecimento do ser humano torna-se a mais drástica covardia que se possa imaginar na vida de um ser.

                E, infelizmente, para gáudio de Satanás, o tema já é recorrente no meio evangélico, demandando até estudos por parte do CPPC (Corpo de Psiquiatras e Psicólogos Cristãos). Precisamos estar alertas quanto ao tema, os pais preservando seus filhos de tais monstruosidades e a igreja contribuindo de alguma forma para a conscientização populacional do problema e o amparo de crianças atingidas pela questão (Lv 18.6-21; Mt 19.14).

 

A questão da gravidez na adolescência

                Sobrinha rebelde da licenciosidade social, a gravidez na adolescência atingiu índices alarmantes no país. Cada vez em maior quantidade e, cada vez mais cedo, os adolescentes iniciam a sua vida sexual. Tudo isto é fruto de uma sociedade permissiva, mas também da ampla divulgação que a mídia faz da sensualidade, da lascívia, com exposição freqüente de corpos desnudos em horários comerciais na tevê e apelos sutis a sensualidade através das músicas, danças, programas de auditório, novelas e até mesmo nos horários diurnos, ditos infantis. É mais ou menos assim que funciona a moral secular: Deixe sua filha e seu filho à vontade na escolha de sua sexualidade e, depois, qualquer problema, ligue para o Disque Denúncia.

                Verdadeiras meninas - que eram para ainda estarem brincando de boneca - são aprisionadas pela maternidade precoce, muitas vezes, abandonadas pelos pais dos bebes, em idades que variam entre os 11 e os 17 anos. Não se trata de casos isolados, não. O índice da população feminina, nesta situação, é gritante.

                A Igreja deve precaver-se do problema, mesmo porque nossos juniores e adolescentes são seres sexuados, vivem neste tempo e são bombardeados diuturnamente com as mesmas mensagens que provocam no não-crente a curiosidade e o interesse pela iniciação sexual. A pregação da castidade, da preservação para o casamento, deve continuar sendo de forte apelo em nossas igrejas. Além disso, precisamos nos voltar para amparar estas meninas desprotegidas e, através de um bom Ministério de Ação Social e Comunitária, oferecer proteção, carinho e todo apoio que se fizer necessário para meninas que estejam enfrentando o problema.

 

A questão do desemprego

                O desemprego é outra questão que assola o país. Desde as novas idéias da globalização, com a pregação do neo-liberalismo, a terceirização nas indústrias como recurso para contenção de despesas - e o Brasil experimentou isto à partir de meados da década de 80 - que o índice de desemprego no país só fez crescer. Muitos funcionários de estatais foram estimulados a ingressar no PDV (Programa de Dispensa Voluntário) e, em assim fazendo, reuniram suas economias de anos para aplicá-las num negócio próprio. Houve um crescimento do comércio, mas muitas destas micro-empresas, como o Sebrae mesmo atesta, não tiveram vida útil de mais de um ano, mergulhando muita gente no desespero.

                É certo que houve um crescimento astronômico do trabalho informal. Gente que começou a fabricar alguma coisa por conta própria - nas chamadas indústrias de fundo-de-quintal - ou mesmo a prestar algum tipo de serviço. Mas isto não lhes garantia nada, a não ser o parco sustento do mês, quando houvesse serviço ou venda. Ou seja, instalou-se a instabilidade econômica na vida de muitas famílias que antes estavam acostumadas a viver com sobras.

                O desemprego tem sido apontado como uma das causas do crescimento da marginalidade nos grandes centros brasileiros. Não tendo de onde extrair sua fonte de sustento, muitos pais desesperados afundam-se na marginalidade para sobreviver. O desemprego é cruel, pois leva ao endividamento e atiça o desespero.

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A questão da falta de perspectiva de vida

                Como decorrência do desemprego, que nada mais é do que um sinal exterior de que a economia do país vai mal, o moral coletivo é reduzido e o estado de ânimo despenca para índices baixíssimos. Como acreditar no futuro do país se não emprego? Se as indústrias estão funcionando com carga reduzida? Se o comércio não absorve o que se fabrica? Se não há moeda circulante o suficiente para fazer girar a economia?

                Quem mais sofre com esta situação debilitada é a juventude, aqueles que já iniciam sua caminhada profissional sem qualquer perspectiva de empregabilidade. Cursar uma faculdade, então, passa a ser uma loteria, na vida de muita gente que investirá o que não tem para se formar e depois amargará a fila de inscrição da Comlurb para uma hipotética vaga de gari no Rio de Janeiro (Aconteceu em julho de 2003. Vários dos que enfrentaram as quilométricas filas para inscrição, possuíam terceiro grau.).

                Então, passamos a colecionar milhões de jovens de uma geração que não tem perspectiva futura. Seus ideais e seus sonhos se desmoronam diante da realidade. É por isso que o aumento do consumo de drogas atinge níveis exorbitantes e que a criminalidade passou a ser opção para meninos e meninas de favela que garantem sua sobrevivência e da família, tornando-se cúmplices de traficantes que lhes sustentam semanalmente.

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A questão da fome e da miséria

                A presença da fome e da miséria no Brasil também é de assustar. Principalmente nas áreas faveladas das grandes cidades e nos bolsões de pobreza do Norte e Nordeste. É preciso, porém, definir a questão. Como disse César G. Victora, consultor da Organização Mundial de Saúde: "Não se pode confundir pobreza com desnutrição e com fome. Fome é rara, desnutrição é intermediária e pobreza é comum" (Ultimato, nº 282, pág. 14).

                O Brasil possui os três níveis de situação. Não vivemos no país uma fome alarmante como em certos países da África, mas não podemos negar que ela está presente em certos nichos localizados. Já a desnutrição é mais perceptível e a pobreza nem se fala.

                A pobreza no Brasil é algo estarrecedor. Ela é decorrente da má distribuição de renda nacional. De que adianta ter um PIB considerado dos maiores do mundo se esta riqueza não é compartilhada pelos que estão na base da pirâmide social? A Igreja precisa se voltar para esta realidade social difícil e procurar assistir os desvalidos deste mundo.

                Até poucos anos atrás, as igrejas tinham receio em agir socialmente em benefício dos menos favorecidos socialmente, pois poderiam ser identificadas com o fantasma do comunismo. Até hoje há quem não apoie a ação social na Igreja. A ONG internacional cristã, Visão Mundial, ajudou muito na mudança desta mentalidade. Mas a ação social não pode ser feita como uma desculpa para a evangelização. Ela pode até caminhar junto com a evangelização, mas deve ter um propósito em si mesma, caso contrário quebrará a recomendação de Jesus de que "o que a mão direita faz, não saiba a esquerda" (Mt 6.3). Além disso, é bom observar o que Jesus diz sobre como se deve viver a vida cristã, aquela que nos leva para a eternidade, ou seja, na vivência prática da fé, assistindo os esfomeados, os sedentos, os peregrinos, os enfermos, os desnudos, os encarcerados de qualquer espécie (Mt 25.31-46).

 

A questão da violência urbana

                Situação social aflitiva é a vivida nos grandes centros urbanos, onde já não se pode mais ter as janelas da casa abertas, circular com tranqüilidade pelas ruas e estar-se de maneira descontraída com os vizinhos. A vida se tornou árida para muita gente, desde que se instaurou um clima de banditismo nas cidades brasileiras. Rio de Janeiro, São Paulo, Recife e Belo Horizonte são as cidades onde esta realidade se instalou de forma abusiva. A qualquer momento pode-se ser alvo de uma bala perdida e ter a vida ceifada.

                Mas balas perdidas são só a evidência do caos que impera nestas cidades. Elas são fruto de investidas policiais mal dirigidas ou de guerras entre quadrilhas rivais de traficantes de drogas. A violência, porém, possui suas subespécies. Os assaltos, roubos, pequenos furtos, invasão de residências, seqüestros, brigas de trânsito, propinas obrigatórias, extorsões nos sinais de trânsito ("flanelinhas", "trombadinhas", mendigos e derivados), achaques nas repartições públicas, dentre outras formas de violência que se vive hoje. E as cidades do interior e a zona rural não está isenta destes males. Eles assumem outros formatos, mas se fazem também sentir.

                Como cristãos somos pregoeiros da paz. Não podemos de forma alguma ser coniventes com esta onda de criminalidade e, muito menos, de alguma forma, contribuir para o seu incremento. Sigamos a recomendação bíblica de, no que depender de nós, estarmos em paz com todos os homens (Rm 12.18; Rm 8.6; Rm 14.19; 1Co 7.15; 2Co 13.11).

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Aplicações para a vida

                Poderíamos ainda falar sobre a "questão da baixa escolaridade" que tem afastado muitos jovens de uma vida organizada e lançado até mesmo crianças precocemente no mercado de trabalho em luta pela sobrevivência. Também, sobre a "questão da presença aterradora das drogas", invadindo até mesmo as igrejas e solapando com a juventude. Mas, vamos concluir nosso estudo, mostrando de que maneira podemos contribuir como Igreja para amenizar os problemas sociais de nosso país.

                1ª) A família precisa crer no poder do Evangelho - Muitos crentes estão vivendo vida tímida, apequenada, como que entregues à crise que assola o país. O problema humano e social é essencialmente moral e espiritual. Nós temos a receita certa. Vamos vivê-la e compartilhá-la com os outros. Paulo cria no poder do Evangelho: "Não me envergonho do evangelho, pois é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego" (Rm 1.16).

                2ª) A família precisa estar precavida contra os males deste mundo - Não podemos ser ingênuos ou irresponsáveis ao ponto de acharmos que nada disso tem a ver conosco. Somos responsáveis por nossos familiares e precisamos alertá-los e protegê-los das investidas satânicas. A melhor forma de filtrar a influência negativa do mundo é exercer a influência positiva do Evangelho dentro de casa. Um boa convivência, com diálogo, respeito, consideração e amor em muito contribui para o enfrentamento deste mundo perverso.

                3ª) A família precisa saber lidar com o instinto de preservação da espécie - Muitos pais pecam por não disciplinarem corretamente seus filhos, passarem panos quentes sobre seus erros e até mesmo darem mal exemplo dentro de casa. Quando acobertam os erros dos filhos estão estragando suas vidas. O ridículo da defesa dos próprios interesses em oposição ao que seria o ideal divino (1Co 13.5), é que na ânsia de proteger, tornam vulnerável; ajudar, atrapalham; consertar, estragam. Pais estragam seus filhos quando encobrem seus erros e os super-protegem como se fossem bibelôs delicados que podem quebrar-se a qualquer momento. Quando agem assim, por paradoxal que possa parecer, é evidencia de falta de amor.

                4ª) A família cristã é chamada para ser sal e luz - Num mundo de realidades sociais tão díspares, somos chamados a ser sal e luz (Mt 5.13-16). Precisamos agir positivamente em benefício de nossa sociedade. Não nos olvidemos de nossa missão.