O centro de interesse das pessoas de nossos dias, comparado com os mais caros anseios da humanidade do século XIV mostra o quanto mudou a forma de pensar humana ao longo dos séculos. Se pudéssemos voltar no tempo e entrevistar um habitante daquela época sobre o que mais queriam da vida, com certeza responderiam: a salvação divina. A mesma pergunta hoje teria uma resposta semelhante a esta: "quero ser rico, famoso, bem sucedido."

O que será que ocorreu de lá para cá, que mudou a forma de pensar humana? Por que as pessoas estão tão interessadas no sucesso pessoal? No fundo, esta ânsia por "ser" ou "ter", e isto, de uma forma agressiva e obcecada, revela que os indivíduos não estão conseguindo vislumbrar um horizonte para a sua vida. Trafegam pela existência sem uma definição objetiva de propósitos. E com isso, vivem superficialmente.

Desde as inseguranças da Idade Média - período que também passou para a história como Idade das Trevas - vindo a desembocar na Reforma Religiosa de Martinho Lutero, até nossos dias, muitos movimentos foram acolhidos pela humanidade que moldaram os novos conceitos e novos valores sobre os quais está fundamentada esta geração contemporânea. O "espírito libertário do protestantismo", como já se definiu, provocou revoluções na forma de pensar humana introduzindo uma busca de progresso científico e tecnológico e, conseqüentemente, muitas inovações que não foram, necessariamente, uma bênção, pelo contrário, provocaram afastamento da vida com Deus. O individualismo é um destes valores que possui seus prós e contras. Vamos estudá-lo.

 

O individualismo como doutrina

                De maneira simples podemos definir o individualismo como a teoria que faz prevalecer o direito individual sobre o coletivo. Esta doutrina põe sua ênfase sobre as ações e vontades do indivíduo em detrimento do grupo. Nada mais verdadeiro do que o que ocorre com a sociedade moderna.

                Do ponto de vista filosófico, o individualismo salienta a pessoa, valoriza o indivíduo, e o aponta como a realidade mais essencial de todas as coisas, aquilo que se deve, sobretudo, valorizar, mostrando que o indivíduo é o valor mais elevado.

                Ainda nesta linha de abordagem filosófica, o individualismo como doutrina procura explicar os fenômenos de qualquer categoria, sejam eles históricos ou sociais, à partir de pressupostos que mostram ações deliberadas de indivíduos em busca de sua concretização. Assim, para seus seguidores, a sociedade deve ter como objetivo principal, senão único, promover o bem, a satisfação de cada indivíduo que a compõe.

                A doutrina do individualismo se expandiu de tal forma que contaminou o cristianismo, gerando uma sub-cultura cristã individualista que prega o relacionamento do indivíduo com Deus, numa busca piedosa, devocional, quase monástica, como o caminho da realização. Ela descarta qualquer ênfase social do Evangelho; desvalorizando a dimensão comunitária como algo de valor que deva ser buscada pelos cristãos.

                Esta cultura está muito presente nas igrejas que se voltam para as quatro paredes do Templo, se enclausuram e se fecham em torno de si mesmas, deixando de perceber a importância da dimensão social do Evangelho enfatizada nas Escrituras. O individualismo, levado às últimas conseqüências, transforma-se numa erva daninha que tem prejudicado a humanidade ao longo de sua história. Mas haveria algo de positivo no individualismo? Vejamos.

 

O que há de bom ou de ruim no individualismo

                Vamos tentar identificar aspectos do individualismo que poderiam ser classificados de positivos ou negativos. Como tudo na vida, precisamos saber definir o que presta e o que não vale a pena. Rechaçar o ruim; e absorver o bom. Seguir a instrução bíblica: "Examinai tudo. Retende o bem" (1Ts 5.21).

                De ruim, no individualismo, podemos destacar os seguintes aspectos:

A extrema valorização dos interesses pessoais sobre os coletivos. Isto torna-se altamente prejudicial, à medida em que promove um sentimento egoísta, voltado para a realização pessoal e o esquecimento da coletividade.

O indivíduo gravitando em torno de si mesmo. Como decorrência, vamos encontrar um indivíduo focado no seu próprio umbigo, atento ao que lhe interessa, despreocupado com o semelhante, mais interessado no que lhe agrada, à despeito da recomendação paulina - "não busca o seu próprio interesse" -, numa antítese do amor (1Co 13.5). Esta concepção do indivíduo centrado em si mesmo prejudica a visão cristã de família, de corpo.

A obcecada luta para alcançar resultados a qualquer custo. Um esforço sobre-humano para obtenção de resultados satisfatórios na vida, pode levar a desastres iminentes. Querer romper com os obstáculos sem domesticá-los pode não ser o melhor caminho. É preciso ter-se equilíbrio, e o individualismo, por privilegiar a valorização do individual em detrimento do coletivo, põe a perder, muitas vezes, os aspectos mais caros da vida em sociedade como: companheirismo, solidariedade, participação, envolvimento e comunhão.

                De bom, no individualismo, podemos destacar os seguintes aspectos:

A força interior que impulsiona o indivíduo para a vitória. Desse aspecto não se pode reclamar do individualismo. Essa qualidade de injetar na pessoa um ânimo redobrado para ser tornar uma vencedora. À medida que o indivíduo tem nessa doutrina seu valor mais elevado, ele passa a envidar todos os esforços necessários para, superando-se, alcançar seus objetivos.

Uma visão mais humana da vida. Não se pode negar que o individualismo está muito ligado ao humanismo. A concepção do humanismo também é de valorização do ser humano, embora sem tanta carga no individualismo. Ela pode descambar num ateísmo, se não prover para si uma base cristã de valorização do ser humano à partir da sua existência em Deus. À medida que ressalta a importância do ser humano, o individualismo contribui para este aspecto humanizador da vida, tão desgastado na sociedade tecnocrática em que vivemos.

O reconhecimento da responsabilidade do indivíduo. O individualismo faz o caminho oposto ao dos movimentos contraditórios de massa. Se estes escondem o ser na multidão, e jogam a culpa na sociedade pelos seus fracassos; aquele responsabiliza o indivíduo pelos seus insucessos. Os cristãos acreditam na possibilidade de restauração do mais cruel indivíduo. Não fora assim, de há muito teria sido melhor interromper a pregação do Evangelho. A Bíblia afirma claramente que "cada um dará conta de si mesmo a Deus" (Rm 14.12; Mt 12.36; 1Pe 4.5), e o individualismo, ao enfatizar a importância do indivíduo acaba corroborando esta idéia que precisa estar mais realçada para a humanidade contemporânea.

 

A crença na satisfação pessoal como razão primeira da existência

                A visão utilitarista, pragmática, hedonista da vida, comportamento este ressaltado pelo individualismo exacerbado de uma sociedade voltada para a satisfação própria, para a busca intensa do prazer a qualquer custo; tem sido extremamente desagregadora e tem contribuído para a coisificação da vida e dos relacionamentos.

                Há uma busca insana de ganhos, lucros, de se extrair vantagens pessoais em tudo o que se faz e se envolve, caso contrário, mantém-se alheio ao que acontece ao redor. É o que ficou conhecido no Brasil como a "Lei de Gérson", famoso tri-campeão mundial de futebol que num infeliz comercial de tevê do final da década de 70, usava a seguinte expressão: "Leve vantagem em tudo!"

                Se o individualismo proclama a busca da satisfação pessoal como a razão primeira da existência - e nossa sociedade imoral abraçou a idéia com afinco, pois as oportunidades desviantes de caráter são inúmeras nos dias atuais -, por outro lado vemos que as pessoas que levaram esta filosofia de vida às últimas conseqüências, caíram num vazio existencial que levou muitas delas à obtenção e convivência com doenças de profunda correlação psicossomática, tais como: angústia, depressão, ansiedade, stress; marcando várias gerações que recorreram aos divãs psicanalíticos para desafogar suas mágoas, resolver suas relações intra-existenciais e inter-humanas.

                O individualismo peca por colocar o indivíduo no lado oposto da vida em sociedade: primeiro o "eu", depois, se sobrar, o "nós". É o que já se tem dito com relação a muitos que procuram a religião e a Deus apenas nos momentos de necessidade: Só quer o "venha a nós", porém, "a vosso Reino, nada!" Esta crença na satisfação pessoal como algo que se tenha que conseguir a qualquer custo, nega a realidade deste mundo, muitas vezes aflitiva, como declarou Jesus (Jo 16.33) e que deve pautar-se por uma vida de humildade e valorização das pequenas coisas que, no somatório da existência, são as que mais contribuem para a satisfação do "ser" (Mt 5.1-12; Fp 2.1-11; Ef 4.1-16).

 

Aplicações para a vida

                Podemos concluir este estudo ressaltando que o segredo para ser um vencedor sem ser um individualista inveterado, que não sabe viver em coletividade, esquecendo o valor da comunhão cristã, é buscar o equilíbrio relacional. Como alcançar este equilíbrio? Vejamos algumas sugestões práticas:

                1ª) É preciso cumprir o mandamento do "amor ao próximo" - Ninguém que obedeça a este mandamento (cf. Mc 12.28-34), cairá na esparrela degradante de um individualismo que sufoca, que agride, e que desrespeita os valores mais caros de vida comunitária, de irmandade e de coletividade. Não podemos perder de vista este mandamento.

                2ª) É preciso reconhecer a dimensão social e comunitária do Evangelho - Como já temos aprendido, ninguém é salvo para o nada, para o vazio. Somos salvos para Deus, para seus propósitos, e o cristão, convicto de sua fé, há de querer cumprir a vontade do Pai (cf. Jo 15.14). Somos salvos, então, para o serviço. Por isso que cada crente deve cantar o velho hino: "No serviço do meu Rei eu sou feliz" com redobrada satisfação e trabalhar para mostrar pelas obras a fé que tem (Tg 2.14-26).

                3ª) É preciso seguir o exemplo do Mestre - Nada melhor do que nos espelharmos em Cristo para fugir dos perigos do individualismo. Se tem alguém que sempre pensou no outro, este alguém foi Jesus. Sua compaixão, sua atenção para com os mais pobres e marginalizados, seu cuidado, a dispensação de favores e benefícios aos desvalidos deste mundo, tudo mostra como Jesus focou seu ministério não em sua satisfação própria, mas no outro. O texto de Filipenses 2.1-11 é clássico no sentido de demonstrar esta renúncia, abnegação, de Jesus visando a humanidade. O esvaziamento de suas prerrogativas divinas, fazendo-se homem e servo para resgatar a humanidade, levou Cristo à exaltação. Se quisermos ser bem-sucedidos, o caminho é este: do serviço, da humildade; o oposto do que a sociedade busca (Mt 23.12).