Para entender os propósitos de Deus para a família hoje, vamos procurar conhecer a forma como se constituiu a família nos tempos do Antigo Testamento. Desde o primeiro núcleo familiar - Adão, Eva e seus filhos Caim, Abel, Sete dentre outros filhos e filhas conforme Gênesis 5.4 -, passando por vários modelos familiares puros ou misturados com parceiros de outras nações, vamos perceber um forte componente religioso na formação da família.

A idéia de família no Antigo Testamento sempre esteve relacionada com aspectos espirituais. Esta idéia não existe como uma entidade independente da vocação divina do povo de Israel. Deus instituiu a primeira família e a possibilitou para a tarefa da procriação, pois tinha o propósito de povoar a terra (Gn 1.28). 

Mais tarde, frustrados os iniciais planos divinos de uma sociedade ordeira e progressista, novamente uma família é tomada como modelo de comportamento para a reconstrução dos valores sociais e a reorganização do projeto de se fazer uma humanidade menos comprometida com o pecado. Noé, sua esposa, os filhos Sem, Cão e Jafé e as noras entram na arca do futuro em busca de novos tempos para a humanidade (Gn 7.1-16). 

Posteriormente, quando já se inicia o processo de transformação espiritual da sociedade mesopotâmica, Deus separa Abrão e sua família, a partir de quem vai construir não só uma nação sua, mas também um modelo de relacionamento que visa a, antes de qualquer coisa, abençoar com a bênção da família a todos os futuros habitantes do planeta (Gn 12.1-3). 

Vamos verificar neste estudo alguns aspectos constitutivos do conceito de família que são abordados no Antigo Testamento, de maneira explícita ou implícita. 

O modelo de família do AT é monogâmico

A aparição de exemplos que divergem da afirmação acima, como os casos de Abraão, Jacó, Davi, Salomão e outros, não negam a verdade de que a família do Antigo Testamento seja uma família monogâmica. Isto porque a base de sustentação dessa verdade é a intenção original de Deus e, neste sentido, vamos perceber que Deus formou uma família no padrão mais comum, como o conhecemos hoje, onde pai, mãe (marido e mulher) e filhos coabitam em harmonia na busca de satisfação pessoal e da vontade divina. 

A família monogâmica, aquela em que o homem é marido de uma só mulher e vice-versa, origina-se no Gênesis. Quando percebeu que o homem estava só, embora os animais criados por Deus tivessem sido dados a Adão para cuidar, dar nomes e sobreviver, constatou-se que faltava alguma coisa: "mas para o homem não se achava ajudadora idônea" (Gn 2.20). 

Com certeza, a falta de uma companheira pesa muito no preenchimento das necessidades do homem. Deus, porém, criou uma mulher só. Adão precisava de uma companheira, portanto Eva era suficiente. Aprendemos então que basta um casal para povoar a terra. É a lei da multiplicação divina, pela reprodução saudável de seres que vivem debaixo da graça de Deus. 

A bigamia de Abrão (Sara e Agar) conforme Gênesis 16.1-16; de Elcana (Ana e Penina) conforme 1Samuel 1.1-8; bem como a poligamia de Jacó, neto de Abrão (Léia, Raquel, Zilpa e Bila) conforme Gênesis 29.21-30.24 e dos reis: Davi, conforme 2Samuel 5.13-16 e Salomão conforme 1Reis 11.1-13 não são parâmetro para aprovação por parte de Deus deste tipo de comportamento. 

O que se percebe é que houve uma tolerância por parte de Deus para com as escolhas humanas. O fato de alguns homens bíblicos possuírem duas mulheres (bigamia) ou várias (poligamia), não é indicativo de que Deus aprova tal prática. Se houve tolerância conforme vemos no Antigo Testamento a uma prática diferente da monogamia, por outro lado, percebe-se o quanto isto trouxe sérios prejuízos não só para os relacionamentos envolvidos, mas também para a nação como um todo. 

O modelo de família do AT é patriarcal

Não há um caso sequer registrado na Bíblia de poliandria, ou seja, mulher com vários maridos. A existência do contraditório (poliginia), homem com várias mulheres, e a presença de outras informações que apontam para uma sociedade judaica machista, dá-nos conta da existência de um modelo patriarcal na estrutura familiar no Antigo Testamento. 

O que é estrutura patriarcal? É uma estrutura familiar em que o homem, o pai, também chamado de patriarca, detém a liderança da casa. Segundo os registros bíblicos, o homem foi criado primeiro (Gn 1.26,27); ele não deveria estar só (Gn 2.18); foi providenciada uma companheira para o homem e não o contrário (Gn 2.18-25); na relação dos filhos de Jacó que deram origem as províncias de Israel (tribos) Diná, a filha que tivera com Léia, não é contada (Nm 13.1-16); um homem não podia ficar sem descendência, portanto, caso morresse sem deixar filhos, o irmão deveria cumprir o dever de cunhado (Gn 38.1-30). 

Estes fatores listados e outros dão-nos conta da constituição patriarcal da família em Israel. Além disso, vamos perceber que a estruturação do povo segundo as tribos originárias nas famílias dos patriarcas (Abrão, Isaque e Jacó), aponta para este modelo em que um clã (família) se organiza em torno de ideais comuns, onde promove o sustento mútuo, a provisão de alimentação necessária, o cuidado dos seus doentes e o enterro de seus mortos, a proteção contra inimigos e invasores, o cultivo da terra e a preservação dos valores familiares e cúlticos. 

A descrição bíblica da existência de príncipes nas diversas famílias que compõem uma tribo e a presença de estandartes identificadores, com insígnias das casas de cada patriarca (cf. Nm 2.1-34), nos dão conta da estruturação patriarcal da família em Israel. Assim sendo, vamos perceber que embora não precisemos concordar com o uso abusivo da autoridade, nem mesmo aceitar os desmandos havidos na história de Israel perpetrados por homens que extrapolaram o entendimento do que seria legítimo e divinamente inspirado, assim mesmo, não podemos fugir a realidade de que Deus estabeleceu uma cadeia de comando com relação ao exercício da autoridade na família. Este é o nosso próximo assunto. 

O modelo de família do AT possui uma cadeia de comando específica

Como qualquer instituição, também a família precisa de liderança para subsistir. Casa sem governo é casa dividida, desestruturada, prestes a cair. É no Antigo Testamento que encontramos os primeiros indicativos do plano de Deus com relação ao exercício da liderança na família, que depois vão ser mais bem desenvolvidos no Novo Testamento (Ef 5.22-6.4). 

Qual seria, então, o propósito de Deus para a liderança no ambiente da família? Seria o governo do pai em conjunto com a mãe? Seria a liderança da mulher? Ou seria a liderança do homem? Alguém disse que "qualquer coisa com duas cabeças deveria ir para o zoológico" ou então para o museu de aberrações. Imagine uma família com duas lideranças! 

Edward E. Hindson, autor do livro A Família Total, desenvolve o que ele chama de "A cadeia de comando de Deus". Esta cadeia de comando começa com o próprio Deus (A Palavra de Deus), passa pela autoridade civil (Rm 13.1-5) e pela autoridade da igreja local (Hb 13.7-17) e chega à família total (Ef 5.21-6.4), obedecendo a seguinte escala hierárquica: pai, mãe e filhos. 

Segundo o autor, "a eficácia da autoridade paterna sobre os filhos será determinada pela atitude dos adultos com relação à autoridade acima deles. Pais que contradizem e criticam as autoridades civis e espirituais estão minando sua própria autoridade." E acrescenta: "As crianças precisam aprender a respeitar a capacidade de seus pais aceitarem a liderança de outros, para terem confiança na liderança deles." 

As páginas do Antigo Testamento mostram que a liderança do lar está posta sobre o marido e que ele é que deve zelar pela manutenção da boa ordem familiar. A discussão sobre liderança compartilhada, parceria, dignidade da função auxiliadora da mulher (cf. Gn 2.18) em comparação com a condição de ajudador assumida pelo próprio Deus (Sl 115.9-11), tudo isto deve levar-nos a uma boa conclusão acerca do melhor funcionamento das funções de liderança no lar, mas não negam a existência no Antigo Testamento da preponderância do papel masculino na liderança da família. 

No AT a família é espaço de adoração cúltica

Desde os primórdios percebemos o valor da educação cristã, da preservação dos valores familiares e da submissão a Deus na história de Israel e como tudo isto está relacionado ao ambiente do lar. O povo de Israel foi alertado sobre a necessidade de tomar os devidos cuidados nesta direção. 

Se a família propiciava fortalezas espirituais, morais e físicas contra as investidas de inimigos humanos ou demoníacos, por outro lado tal fato não se consolidaria sem a devida atenção a todos os preceitos e mandamentos divinos conforme repassados por Deus. Primeiramente, através de seu servo Moisés e, depois, pela voz dos muitos profetas que Deus levantou para comunicar-se com o seu povo. 

Pais que tinham o temor de Deus abençoavam a sua família com a bênção dada a Abraão (Gn 12.1-3). Mas aqueles que negligenciavam a comunhão com Deus e arremessavam-se gulosamente sobre o interdito (avizinhavam-se de tal forma do pecado que ficavam com ele comprometidos) receberam a devida punição. É o caso de Acã e sua família (Js 7.1-26). 

Em Deuteronômio 6 temos as orientações expressas sobre a função da família na consecução de todo o propósito de Deus para o seu povo. Algumas dessas orientações e suas respectivas verdades são: 

a) Deus deixou mandamentos, estatutos e preceitos que deveriam ser ensinados e postos em prática na terra prometida (v. 1); 

b) A finalidade destas orientações era desenvolver o temor devido ao Senhor (v. 2); 

c) Esta era uma orientação eterna, não perderia nunca sua validade, posto que era para o hebreu dos tempos de Moisés, seu filho e o filho de seu filho (v. 2); 

d) Como recompensa da obediência a estas ordenanças, os fiéis teriam seus dias na face da terra prolongados (v. 2); 

e) A expressão "para que te vá bem" é dirigida aos que atentarem e guardarem os mandamentos divinos, o que nos leva a contextualizá-la, inferindo que não há como "se dar bem" senão em obediência à vontade de Deus (v. 3); 

f) É fundamental amar a Deus com sinceridade e no coração guardar suas palavras (vv. 5,6); 

g) O lar é a primeira "Escola de Deus" para os filhos: ensinar as palavras de Deus aos filhos, falar sentado em casa, andando pelo caminho, de manhã ou à noite, lembram a perpetuidade da prática do ensino no ambiente familiar (v. 7); 

h) As seguintes expressões: "atar por sinal nas mãos", "ser por frontais entre os olhos", "escrever nos umbrais das casas", "escrever nas portas", são representativas da importância de não perder de vista os valores e os princípios que Deus estava deixando para orientação da vida do seu povo (vv. 8,9). 

Vimos, então, que a estratégia de Deus para a perpetuação da sua vontade passa pela família. Deus não abre mão da família como elemento fundamental de consolidação de valores e observância de preceitos que contribuam para a boa conduta. 

Aplicações para a vida

Relembremos algumas lições que o conceito de família no Antigo Testamento nos ensina: 

1ª) Quando Deus quis iniciar um projeto experimental de vida na terra, escolheu uma família para dar início a ele. 

2ª) Quando indivíduos erravam e viravam as costas para Deus e sua vontade, Deus nunca desistiu do ser humano, mas provisionou uma nova família para recomeçar seus investimentos para com a humanidade. Foi assim com Noé e também com Abraão. 

3ª) O fato de perdoar o ser humano nos seus erros, inclusive com relação à família, não invalida o projeto original de Deus, que é um casamento monogâmico, indissolúvel e abençoador.  

4ª) A participação do homem na liderança da família segundo o modelo do AT não o autoriza a promover desmandos e autoritarismos nocivos e prejudiciais à boa convivência. 

5ª) O Antigo Testamento mostra que toda vez que os homens do povo de Deus tomaram esposas de outras nacionalidades houve complicações familiares, morais e espirituais que trouxeram conseqüências gravíssimas para a nação (Dt 17.17; 1Rs 11.1-13; Ne 13.23-31). 

6ª) Deus escolheu a família para ser porta-voz de suas verdades. Ensinar aos filhos os mandamentos de Deus é um compromisso que todo crente deve ter, esmerando-se por cumpri-lo com fidelidade e amor.