Segundo o Secretário Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Kofi Annan, "nascer na cidade ou no campo, crescer com alguma deficiência, ser menino ou menina, ser branco ou indígena, viver no Sul ou no Nordeste; todos esses fatores ainda determinam no Brasil o acesso de crianças e jovens a serviços de saúde e de educação" (O Globo, Caderno Razão Social, julho 2003 - p.6). Isto significa que nem todos os brasileiros terão as mesmas oportunidades na vida. Que estas oportunidades estão condicionadas por uma série de fatores, que se tornarão, ao longo da caminhada, impeditivos de progresso e desenvolvimento para muitos.

Os dados do Censo Demográfico de 2000, apresentados pelo IBGE, nos dão conta de que 27,4 milhões de crianças e adolescentes brasileiros vivem em domicílios com renda familiar per capta de até 1/2 salário mínimo. Esta é outra evidência de que as limitações sócio-econômicas podem frear as esperanças de muitos. Os quais serão cerceados em seus sonhos por conta de evasão escolar, trabalho precoce, falta de renda mínima, subnutrição, falta de acesso aos bens culturais, dentre outros fatores.

Mas, e a família cristã? Como ela pode agir e reagir diante deste contexto? Ela também sofre destes males? Existe algum diferencial que coloque a família cristã em situação mais privilegiada? Com certeza a família cristã desfruta de privilégios diferenciadores que a podem tornar mais do que vencedora e representar esperança para este mundo perdido. Vamos estudar as oportunidades que a família cristã tem, as quais ela não pode deixar escapar.

 

A família cristã pode marcar diferença

                Embora o Evangelho no Brasil tenha se desenvolvido muito nas últimas décadas e, com o crescimento, a população evangélica tenha invadido os extratos mais altos da sociedade; isto não pode nos fazer esquecer que milhões de nossos irmãos ainda continuam nas classes "D" e "E" e, como tais, ainda sofrem os percalços de muitas necessidades.

                A família cristã pode marcar diferença para os "irmãos de fé", colocando em prática a recomendação de Paulo: "Façamos bem a todos, mas principalmente aos domésticos da fé" (Gl 6.10). Porém, pode e deve, marcar diferença para esta sociedade "corrupta e perversa" em que estamos inseridos (Fp 2.15).

                Esta diferença engloba várias circunstâncias que não podemos estar esquecidos delas. Se no passado, o crente alimentou certos estereótipos, dos quais lamentamos hoje; todavia, hoje, precisamos ser responsáveis na construção de uma vida cristã autêntica. Nós mesmos somos os culpados por termos "vendido" a imagem que temos para os de fora. Ou quem será que ensinou aos incrédulos que crente era assim, não fazia isto, não participava daquilo? Etc? Fomos nós mesmos!

                Mas, se temos que lutar para abolir certos estereótipos desalentadores, por outro lado, há compromissos dos quais não podemos abrir mão. Melhor seria que o crente fosse identificado pelo que ele faz e não pelo que ele não faz. Não fumar, não beber, não ir a festas rave, punk ou funk, pode ser importante do ponto de vista espiritual e de testemunho, mas não representa verdadeiramente a vida cristã, pois há muitos não-crentes que são melhores do que nós nisto. É preciso marcar diferença pela qualidade de vida: amorosa, dedicada, fiel, piedosa, conselheira, amiga, justa, transparente, ordeira. Os valores positivos que pudermos mostrar serão nossa bandeira neste mundo caótico.

 

A família cristã pode influenciar os vizinhos

                Esta vivência da espiritualidade sadia começa em casa e continua entre os vizinhos. Aqueles que convivem mais de perto conosco são as principais testemunhas do que somos. Já se tem dito que a casa é o melhor lugar para se conhecer uma pessoa, tal como ela é. Em casa tiramos as máscaras; somos o que somos. Nossos filhos são testemunhas oculares de nossos destemperos, omissões, sentimentos e emoções.

                A família cristã precisa desenvolver uma qualidade de vida tal que a vizinhança tenha prazer em nos ter ali por perto. Sabe aquele vizinho "chato", perturbador, que todos almejam que ele consiga outro emprego, seja transferido, essas coisas, para mudar da rua? Pois é, este vizinho nunca pode ser um crente. Se existe um crente que se enquadre nesta categoria ele está depondo contra o Evangelho da graça de Cristo e está sendo motivo de impedimento a salvação de vidas. Temos que transformar o mundo e não tomar a forma do mundo (Rm 12.1,2).

                Costumamos perguntar aos crentes de nossas igrejas quantas vidas eles já levaram para Deus. Com alegria vemos que muitos têm assumido este compromisso da evangelização e têm encaminhado pessoas para os céus. Mas, e se perguntássemos o contrário: Quantas vidas deixaram de se aproximar de Deus por sua causa? Quantos estão ainda perdidos no mundo por sua culpa? Às vezes isso ocorre por causa da nossa omissão na pregação do Evangelho; mas, muitas vezes, por conta de nosso mau testemunho.

Existe o crente "cri" e o crente "cri-cri". O crente cri é aquele do Salmo 116.10: "Cri, por isto falei!" Este tipo de crente, por ter sido alcançado por Deus e estar satisfeito em sua vida cristã, não se cansa de testemunhar e falar do amor de Deus. Está interessado no outro e em sua condição espiritual. Já o crente "cri-cri", bem esta é uma expressão antiga, do meu tempo, que se refere a uma pessoa criadora de casos, ou, como registra Aurélio em seu famoso Dicionário, "pessoa muito tediosa, chatíssima". Pois há crentes que se comportam dessa maneira e em vez de ajudar outros a irem para os céus, são motivo de impedimento. Lembremo-nos da advertência de Jesus: "Ai do mundo, por causa dos tropeços! Pois é inevitável que venham; mas ai do homem por quem o tropeço vier! (Mt 18.7). O Apóstolo Paulo recomenda a tolerância para com os fracos na fé, mas orienta no sentido de que não venhamos a "pôr tropeço ou escândalo" ao nosso irmão (Rm 14.13).

 

A família cristã pode ser instrumento da paz

                No mundo em que vivemos, de tantas agressões gratuitas, destemperos verbais, truculências e ódio, as família cristãs podem e devem ser identificadas como portadoras da paz de Deus. Jesus disse: "Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou" (Jo 14.27). Temos a paz de Cristo. Ele nô-la deu. Saibamos vivê-la e espalhá-la por onde quer que andemos.

                Esta paz de Cristo é inigualável, insuperável. É algo de dentro para fora; é algo do coração. As circunstâncias podem estar difíceis, mas se temos a Deus, tudo vai bem. Com ela, alcançamos as condições necessárias para superar os embates da vida. Como receptáculo desta paz, a família cristã precisa estar disposta a contribuir para a melhoria da qualidade de vida do mundo.

                O que é o Reino de Deus? Muita gente se pergunta e filosofa! Mas, é simples. Tão simples como três palavras: justiça, paz e alegria. Tudo no Espírito. (Rm 14.17). O mundo verá o Reino de Deus neste mundo quando puder vislumbrar esta paz em nós, mesmo em meio às dificuldades da vida.

                A Bíblia afirma que o nosso Deus não é um Deus de confusão, mas um Deus de paz (1Co 14.33). Assim sendo, o nosso compromisso é seguir, viver, espalhar esta paz (Rm 12.18; 1Co 7.15; Hb 12.14). Façamos a nossa parte na pacificação do mundo. Vivamos em paz e façamos de nossa casa, nossa rua, nosso bairro e nossa cidade bem melhores, porque nós existimos e estamos lá para marcar esta diferença em Cristo Jesus, a nossa paz (Ef 2.14).

               

Aplicações para a vida

                Muitas oportunidades se apresentam para a família cristã nos dias de hoje. Cada uma deve aproveitar ao máximo as que lhe são possíveis e desenvolver aquelas em que estão falhando para que a presença do cristianismo no mundo, através de nossas vidas e famílias, seja cada vez mais significativa neste mundo desesperançado. Vamos avaliar mais algumas dessas oportunidades, lembrando que todas elas, as já vistas e as que veremos nesta conclusão precisam ser postas em prática já.

                1ª) A família cristã pode ser o sustentáculo de um mundo sem Deus - Nossa sociedade se tornou materialista a tal ponto que repete em nossos dias os interesses terrenais dos tempos de Noé em que: "comiam, bebiam, casavam e davam-se em casamento", despreocupados da vida até que o Dilúvio os consumiu (Lc 17.27); o mesmo ocorrendo nos tempos de Ló, quando o enxofre os destruiu (Lc 17.28,29). Pela fé, vivendo em santidade e piedade, podemos servir de referencial e sustentáculo neste mundo até o dia em que aprouver a Deus nos chamar.

                2ª) A família cristã pode ser um celeiro de missões - A obra missionária começa no lar. Lares que hospedam pastores, missionários, evangelistas, repassam para as crianças as alegrias e venturas da vida abençoada pela Obra. Despertam e aguçam o interesse por missões e, conseqüentemente, tornam-se celeiros de onde sairão os novos missionários. Que bênção!

                3ª) A família cristã pode ajudar a minorar a dor do mundo - É na família que ensinamos que a vida não é algo que nos advém de forma mágica. Existir e subsistir são frutos de dedicação e trabalho. Cada coisa deve ser valorizada no tamanho e na dimensão certa. A criança precisa descobrir quanto custa cada objeto e valorizar a mordomia cristã. Assim, ela também aprenderá que "amar ao próximo" é mais factível do que se possa imaginar (Mt 5.43,44). Quando somos solidários e nos apresentamos a Deus para servir, podemos abençoar outras vidas que dependem dessa demonstração de carinho e amor do povo de Deus.

                4ª) A família cristã pode representar o fiel da balança num mundo perdido - O ceticismo impera em muitos corações que perderam o referencial de vida. Desacreditados e desesperançados com os políticos e líderes, muitos cidadãos ainda têm a chance de encontrar na Igreja de Cristo, um baluarte da fé. Não podemos decepcionar. Ser fiel (Ap 2.10) é o desafio da família cristã e, dessa forma, contribuir positivamente para a construção de uma sociedade melhor.