Por Ludmilla Paniago Nogueira e Maria Zilda da Silva Barbosa

Segundo Lajolo e Zilberman (2006), a produção de livros para crianças transforma-se no momento, em relevante segmento econômico da indústria editorial brasileira; ao mesmo tempo, a literatura infantil começa a integrar muitos currículos universitários e a tornar-se objeto de teses, congressos e seminários. Torna-se oportuno, portanto, uma análise sobre o que se tem feito ao longo de quase um século no que se diz respeito à literatura infantil brasileira. 

Com esse objetivo, Lajolo e Zilberman (2006) explicam que, as primeiras obras destinadas ao público infantil surgiram no mercado livreiro na primeira metade do século XVIII.  Antes disso, apenas durante o classicismo francês, no  século XVII, foram escritas histórias que vieram a ser englobadas como literatura também apropriada à infância;  as Fábulas, de La Fontaine editadas entre 1668 e 1694,  são exemplos delas[1]. 

O processo de industrialização marcou o século XVIII, associando o crescimento político e financeiro e urbanização das cidades; a partir desse período, segundo Lajolo e Zilberman, 

A criança passa a deter um novo papel na sociedade, motivando o aparecimento de objetos industrializados (o brinquedo) e culturais (o livro) ou novos ramos da ciência ( a psicologia infantil, a pedagogia ou a pediatria) de que ela é destinatária (LAJOLO e ZILBERMAN, 2006, p.17). 

Ainda segundo as autoras, o crescimento por meio da industrialização se moderniza devido aos novos recursos tecnológicos disponíveis e,a literatura infantil assume, desde o começo, a condição de mercadoria. No século XVIII, aperfeiçoa-se a tipografia e expande-se a produção de livros, facultando a proliferação dos gêneros literários que, com ela, se adéquam à situação recente (LAJOLO e ZILBERMAN, 2006, p.18). 

A partir deste ponto começam os laços entre literatura e a escola, habilitando a criança para o consumo de obras impressas. A literatura então passa a ser vista de um lado, como mediadora entre a criança e a sociedade de consumo, já por outro lado, conforme as autoras, como dependente da ação da escola, a quem cabe promover e estimular como condição de viabilizar sua própria circulação. 

Autores da segunda metade do século XIX confirmam a literatura infantil como parcela significativa da produção literária da sociedade burguesa e capitalista. Conforme explicam Lajolo e Zilberman: 

Dão-lhe consistência e um perfil definido, garantindo sua continuidade e atração. Por isso, quando se começas a editar livros para a infância no Brasil, a literatura para crianças, na Europa, apresenta-se como um acervo sólido que se multiplica pela reprodução de características comuns. Dentro desse panorama, mas respondendo a exigências locais, emerge a vertente brasileira do gênero, cuja história, particular e com elementos próprios, não desmente o roteiro geral (LAJOLO e ZILBERMAN, 2006, p.21.). 

Nesse contexto, provindo da acelerada urbanização entre o fim do século XIX e o começo do século XX, o momento se torna favorável para o aparecimento da literatura infantil. A população urbana, além de consumidoras de produtos industrializados, divide-se em diferentes públicos, aos quais são destinadas as sofisticadas revistas femininas, os romances ligeiros, o material escolar, os livros para crianças. 

O ambiente de valorização da instrução e da escola, juntamente com a variada produção literária, expõe a preocupação generalizada com a carência de material adequado de leitura para crianças brasileiras. Conforme relata Silvio Romero apud Lajolo e Zilberman em relação à precariedade na alfabetização: 

Ainda alcancei o tempo em que nas aulas de primeiras letras aprendia-se a ler velhos autos, velhas sentenças fornecidas pelos cartórios dos escrivães forenses. Histórias detestáveis e enfadonhas em suas impertinentes banalidades eram-nos administradas nestes poeirentos cartapácios. Eram como clavas a nos esmagar o senso estético, a embrutecer o raciocínio, a estragar o caráter. (ROMERO apud LAJOLO e ZILBERMAN, 2006, p. 28). 

Nos lamentos da ausência de material de leitura e de livros para a infância brasileira, fica evidente a visão bastante comum na época da importância do hábito de ler para a formação do cidadão, formação que, a curto, médio e longo prazo, era o papel que se esperava do sistema escolar que então se pretendia implantar e expandir. 

Ainda referente à literatura infantil brasileira, as autoras Lajolo e Zilberman (2006), afirmam que: 

Elaborando ficcionalmente seus modelos narrativos e heróis, funda um universo imaginário peculiar que se encaminha em duas direções principais. De um lado, reproduz e interpreta a sociedade nacional, avaliando o processo acelerado de modernização, nem sempre o aceitando com facilidade, segundo se expressam narradores e personagens. Para tanto, circunscreve um espaço preferencial de representação – o ambiente rural – o qual passa a simbolizar as tendências e o destino que experimenta a nação quando não significa, na direção contrária, a negação dos mesmos processos e a idealização de um passado sem conflitos. De outro lado, dá margem à manifestação do mundo infantil, que se aloja melhor na fantasia, e não na sociedade, opção que sugere uma resposta à marginalização a que o meio empurra a criança. De um modo ou de outro, enraíza-se uma tradição – a de proposição de um universo inventado, fruto, sobretudo da imaginação, ainda quando esta tem um fundamento social e político (LAJOLO e ZILBERMAN, 2006, p.67). 

Assim, conforme expõem as autoras, sobrevivendo por se sujeitar a interesses que a razão pode condenar, a literatura infantil expressou a face material da cultura: as concessões e contradições que a permeiam, enquanto condição de participar da história e atuar na sociedade.

Nesse sentido, Paiva (2010), relata que, no cenário contemporâneo, que eleva as vendas de literatura infanto-juvenil, parece haver espaço para o uso do livro-objeto, manuseável, brincante, folheado e flanado pela ação de mãos que aprendem a descobrir registros e sensações pelo amadurecimento de controles motores. Explica ainda que, 

Tais suportes de leitura estão desinvestidos da autoridade do texto didático e desencadeiam um novo poliglotismo (discurso universal) do século XXI de amplo alcance para a educação [...] . O livro brinquedo ou animado editado no Brasil, que no Brasil, que nos próximos anos servirá a creches e pré-escolas (0-3 anos e 4-5 anos) no foco do Programa Nacional Biblioteca da Escola para Educação Infantil, representa uma inimaginável possibilidade de renovação dos acervos, assim como a estruturação de um ensino lúdico e motivador, incrementando o futuro escolar do aluno que cada vez entra mais cedo na escola (PAIVA, 2010, p.14). 

A autora relata ainda que o livro hoje se potencializa como realidade intermidiática e suporte para o saber e o brincar, servindo na sala de aula como ferramenta para diálogos orais, poéticas visuais, manipulações táteis, jogos sonoros, brincadeiras olfativas. O livro está comprometido com o progresso, as demandas sociais e mudanças culturais. 

Nesse sentido e ao mesmo tempo contrapondo, Perrotti (2010), explica que os livros-brinquedo podem ser publicações de literatura, com histórias, ou ser apenas brinquedos. Segundo o autor, tal distinção é importante porque os livros que apenas emprestam o formato de uma publicação, mas cujo objetivo é a brincadeira, como a manipulação, por exemplo, não despertarão nos pequenos a vontade de ler, já que eles têm uma história para ser lida. E enfatiza: 

Acho o máximo o livro-brinquedo, porém ele não é o mesmo que um livro de texto. A mesma recomendação vale para os livros de imagens. Eles podem ajudar na internalização de escrituras narrativas, ou seja, uma história pode ser contada com ajuda das imagens, mas esse tipo de leitor não passa a ser automaticamente um leitor de texto escrito (PERROTTI, 2010, p.18).

Desse modo, faz-se imperioso apreender as explanações de Paiva (2010), quando afirma que os livros de nova geração para educação infantil estimulam alteridades, trocas, dinâmicas no processo inicial de aprendizagem. 

Segundo a autora, navegável no banho, levado para a cama como travesseiro, montado como teatro de fantoches, levado para a escola como maletinha, armado em casas e castelos, o livro infantil proporciona convites à leitura em lugares plurissignificativos, que motivam o aprender pela associação do sistema lingüístico com experimentos de emoção, singularidades de sentido e expansão de conhecimento (PAIVA, 2010, p.14). 

Assim, o livro didático tem motivado e criado movimentos no mercado e nas expectativas das crianças, conforme explica a autora, o professor hoje tem a seu favor políticas públicas de incremento à leitura, e ainda,acesso a espaços lúdicos reais de apresentação de livros performáticos (bienais, feiras de livros, livrarias) e livros-brinquedo cada vez mais adaptados às faixas etárias, numa ascendente projeção do livro infantil como categoria de produção editorial que valoriza texto, ilustração, projeção visual, interatividade e sensorialidade – alternativas de comunicação e enunciação (PAIVA, 2010, p.15). 

Já, Corso e Corso (2010), ao se referirem sobre a importância e qualidade do livro infantil, expõem que os contos de fadas tradicionais raramente trazem humor e, quando isso acontece, trata-se de um humor grosseiro e repetitivo,focalizando em geral a tolice,a incapacidade de aprender, e não segue adiante. 

Porém, afirmam ainda as autoras, que o humor veio para ficar nas histórias infantis contemporâneas, sendo raras as que dispensam esse tom, mesmo quando o tema central é dramático. Portanto, o humor infantil precisa ser pensado a partir de uma base de gravidade, de credulidade, que é própria e necessária às crianças. 

Segundo as autoras, as crianças precisam acreditar no poder e na sabedoria dos seus adultos por serem frágeis e estarem amorosamente vinculadas a eles. "É neles que colherão elementos para compor sua identidade" (CORSO e CORSO, 2010, p. 31). 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

CORSO, Diana Lichtenstein; CORSO, Mário. Contos de Fadas Para o Século XXI. Revista Pátio – Educação Infantil, Ano VIII, nº 24, jul/set. 2010. p.28-31. 

 DELGADO, Jaqueline et al. Instrumentação do trabalho pedagógico na educação infantil. Londrina: Editora Unopar, 2008. 176p. : il. 

LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Editora Ática. 1994. 

LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. Literatura Infantil Brasileira: história & histórias. São Paulo, Editora Ática, 2006. 

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Pesquisa. In: LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Técnica de pesquisa. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 1996. p. 15-123. 

LERNER, Delia. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. Porto Alegre, Artmed, 2002. 

PERROTTI, Edmir. Um espaço de liberdade, imaginação e aventuras. Revista Pátio – Educação Infantil, Ano VIII, nº 24, jul/set. 2010. p.16-19.