Em um tempo que nem se imaginava a existência do celular, o rádio faixa cidadão, apelidado simplesmente de PX, desempenhou um papel fundamental na comunicação entre as pessoas do mundo todo.

Entrei para o rádio faixa cidadão por incentivo de meu irmão que então morava em São Paulo. Comprei os equipamentos: Um rádio Cobra 148 GTL; uma antena para estação móvel – carro – e uma antena para a estação fixa. Cadastrei-me no Departamento Nacional de Telecomunicação, DENTEL, hoje Agência Nacional de Telecomunicações, ANATEL, paguei as taxas exigidas e recebi o meu indicativo, ou seja, a minha placa identificadora pessoal e intransferível, parecido com o CPF: PX-8-D-1024. Estabeleci duas estações: um móvel, em meu carro e uma fixa, em minha residência.

Chegava de meu trabalho diário, tomava banho e ia modular – conversar no rádio – na estação fixa. Muito rápido aprendi quase todas as gírias e o chamado código Q. Ficava horas e horas, maravilhado com a possibilidade, por exemplo, de conversar com meu irmão em São Paulo, sem ter que pagar interurbano. À nível local, comecei a conhecer, via PX, os macanudos – amigos – da cidade. Logo, logo, percebi que só isso não me bastava. Era muito QRM – muito ruído, muitas vozes ao mesmo tempo! Muita falação e, digamos, muita “abobrinha” e papos-furados. Decidi então chucrutar – alterar as características originais do equipamento aumentando-lhes o número de canais e até a potência do rádio e instalar uma “bota”, ou melhor, um amplificador de sinal com maior potência que me permitisse ser ouvido mais alto e alcançasse mais outros lugares e regiões até então não atingidos. Porém, essas duas técnicas e tecnologias eram digamos, ilegais, proibidas pelo DENTEL – cujo sugestivo apelido era Papai Noel. Daí a adoção de um QRA – nome do operador – fictício: Curupira. Estação Curupira. Explicando melhor: O DENTEL autorizava sessenta canais dentro de uma certa faixa de frequência. Dentro desses 60 canais, tudo bem, poderia se conversar, etc. Porém, eram muitos os PX’S e como disse, muito QRM! Muito gente queria só papear ou aparecer como acontece hoje em dias nas chamadas redes sociais. Decidi então entrar no grupo do Beijo – apelido do canal 88. Tinham amigos de vários estados brasileiros. Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Porto Alegre, dentre outros.

Conheci muitas pessoas. Conversamos muitas conversas – QSO’s – enfim, dialogamos como nunca antes tinha feito! Fizemos muitas boas ações, trocamos muitos cartões-postais e presentes que eram então enviados pelos Correios. A solidariedade e a fraternidade eram duas características fundamentais dentro deste grupo.

Certa feita, faltou leite em pó em Belém. Logo, logo, algum colega de São Paulo mandava uma caixa, sem cobrar ou estabelecer condições. Outra feita, um colega carga pesada – motorista de caminhão – oferecia de graça, alguns frangos congelados que transportava do sul para Belém – certamente eram abatidos em seu lucro de frete.

Também brincávamos respeitosamente com algum colega conhecido ou não e até com parentes próximos. Foi este um caso:

Saí de casa para visitar um colega em Ananindeua. A distância entre as nossas casas não eram mais de que 5 a 10 quilômetros. Deixei o meu rádio da estação fixa ligado em volume alto. Me desloquei em uma mobilete que então eu tinha. Ao chegar na casa desse meu compadre que era PX também, decidimos passar um trote pra casa. Quem atendeu foi a mãe de meus primeiros filhos. – Alô, alô Curupira! Tás em QAP? – na escuta. Logo, logo a voz respondeu: – Fala, Zeca! Tudo bem? – Zeca é o apelido de meu irmão que nessas alturas mudara-se para Macapá. – Sim, tudo bem! Como está por aí? – perguntou ele, isto é, eu. – Ah, Zeca, teu sobrinho tá doente. E relatou o caso pro meu irmão – eu – que é médico pediatra. Ai começou o trote: – Seguinte. Faz o que eu vou te passar: compra um litro de coca cola e dá pra ele. – Mas, Zeca… Retrucou. – E continuei: Se não passar, dá mais! – Mas Zeca!!! Ela não reconheceu a minha voz e como levava a sério as recomendações médicas, tava já intrigada e aflita. Não nos contivemos e demos gargalhadas ao microfone encerrando o trote…

As ações solidárias, humanitárias e sérias, porém, predominavam. Na época que fui morar em Campinas, São Paulo, por exemplo, preferi ficar eu e toda a minha família – éramos seis – hospedados na casa de um deles, que só conhecia seu QRA – nome ou apelido – para que fossemos alugar casa na cidade de Campinas, onde eu estudaria, embora tivesse diversos tios e tias moradores em São Paulo.

Ao chegar em São Paulo no meu pé de borracha – automóvel – fomos recebidos na Marginal Tiete, sem ao menos conhecer nossos rostos, só ouvíamos, ou seja, conhecíamos as vozes. Foi uma grande festa! Uma grande gozação ao tentar relacionar o apelido com a figura física. Bombril, Megaton, Noel e assim por diante.

Já morando em Campinas, uma cidade então pra mim desconhecida, instalei a estação móvel no quarto de estudos. Fixei na parede um enorme mapa da cidade, para que eu pudesse me deslocar com mais precisão sem cair nos retornos errados das diversas rodovias próximas. Era na verdade, um novo mundo pra mim. Certo dia, eu estava modulando – conversando no rádio, na estação fixa – recebi um QTC – mensagem – pedindo ajuda para comunicar o falecimento de uma pessoa ocorrido em Recife, Pernambuco, de onde o cidadão estava falando. Prontamente, sem receio nenhum, brequei – respondi – e me coloquei à disposição para ser o mensageiro fúnebre. Anotei o endereço e sai no encalço do infeliz parente. Claro, antes anotei o roteiro pelo mapa da parede. Cheguei ao destino e comuniquei o triste fato. Missão cumprida.

Localmente, entre os vizinhos imediatos, causei um QRM – problema – Minha voz começou a ser ouvida na caixa acústica da sala de uma cordial vizinha, que ao identificar o som, veio a mim relatar o ocorrido. Era a interferência da “bota” que eu acionava quando queria chegar mais nítido e forte no norte do Brasil, Belém, onde moravam meus parentes próximos. Decidi maneirar e só ligar o equipamento depois de me certificar que a vizinha não estava ouvindo o seu som, isso quase sempre altas horas da madrugada.

Outros eventos engraçados e sérios aconteceram nesses anos todos de PX. Um dos mais hilários foi quando estávamos viajando de férias para Belém. Um querido primo meu ia com a gente. Ele era também PX. Sentou-se ao meu lado no banco dianteiro do carro e começou a modular – falar no rádio. De repente entrou uma estação de Itaboraí, Rio de Janeiro. Ele pediu QRX – parar para ouvir – se identificou e falou que tinha um QTC – mensagem – urgente pra uma pessoa moradora em Itaboraí. Ele, o meu primo, conhecia o ambiente pois morava no Rio de Janeiro. Prontamente o colega deu passagem e pediu para dizer qual era a mensagem. – Avise para o fulano que nosso pé de borracha – automóvel – está no prego. Estamos na Belém – Brasília indo em direção a Belém do Pará. – E qual é a mensagem, diga! – Retrucou o PX atencioso. – Qual é o problema mecânico? – completou ele. – Quebrou a repimboca da parafuseta do carro! – falou meu primo com a cara mais deslavada possível. Ele tinha notado que o cidadão era leigo no assunto… – Não entendi! Repita, por favor! – E meu primo, segurando o riso fez o que ele pediu. – Já anotei! Pode deixar! – Foi uma gargalhada só dentro do carro! Desligou o rádio e seguimos viagem.

Assim, durante anos a fio, foi mais que um passatempo, na verdade, ampliou o rol de amizades locais e nacionais, ao mesmo tempo contribuiu para o desenvolvimento de minha comunicação que aqui pra nós, era demasiada tímida e limitada.

Talvez a minha derradeira grande aventura de PX foi quando em viagem profissional para a Estação Ecológica de Maracá – Jipioca, na longínqua e desconhecida costa do Amapá, decidi levar comigo a estação móvel.

Foi exatamente ela quem salvou a pioneira expedição. Depois de alguns dias isolados em Oiapoque, limite norte do estado do Amapá, onde iriamos pegar o barco do então Território Federal do Amapá. O barco não chegara e a equipe sem nenhuma notícia a respeito. Decidi instalar a estação móvel e tentar comunicação. Pra nossa alegria tivemos êxito e soubemos que o referido barco – o único capaz de encarar tal empreitada – teria encalhado no trecho inicial de sua viagem, ainda próximo de Macapá. Foi um alívio geral. Para não perder a viagem contratamos um barco de pesca local – decisão arrojada – para encarar as correntezas e alcançar as ilhas de Maracá-Jipioca, objetivo maior de toda a aventura. O PX mais uma vez cumpriu galhardamente a sua missão!