Neste capítulo nos propomos a priorizar a atenção sobre o início da exploração na Amazônia, região esta tão rica de fauna e flora, bem como de água potável e minérios. Exploração esta inserida em um contexto específico, conclamado de desenvolvimento regional como forma de integração.

O nosso objetivo é vislumbrar como se deram as principais intervenções na Amazônia, para exploração das riquezas. Atentando para os fatos econômicos ligados a região sudeste paraense, colocando em destaque a segurança do trabalhador até a atualidade, que se destaca a exploração de ferro em Carajás culminando com a implantação das empresas guseiras em Marabá.

1 OS GRANDES PROJETOS DA AMAZÔNIA

Para analisarmos o início das atividades das empresas guseiras no município de Marabá é necessário que se fale antes do Programa Grande Carajás (PGC). Ele foi o ponto de partida desta etapa econômica que a Amazônia como um todo e nesse caso em especial, a região sudeste e sul do Pará presenciam.

O Programa Grande Carajás, criado para alavancar um grande desenvolvimento na Amazônia, foi formalmente instituído pelo ato executivo n° 1.813 pelo então General Presidente João Batista Figueiredo em 24 de novembro de 1980. Isto ocorreu a partir da descoberta, o mesmo já vinha sendo elaborado, calculado e estudado o que permitiu concluir que se trata de uma das maiores reservas de minério de ferro do planeta com gradação média (teor de pureza) de 66% na Serra dos Carajás em 1967. Este programa foi projetado para compreender, o que de fato se efetivou, uma área de 895.000 Km² abrangendo parte dos estados do Pará, Maranhão e Tocantins, ou seja, 11% do território nacional.

Observe que antes desse projeto outras tentativas surgiram para reanimar um possível potencial exportador da Amazônia, foi com a Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia (SPVEA). Ela surgiu durante o governo de Getúlio Vargas em 1953, mas fracassaram, e segundo Anthony Hall (1991) a maior conquista do órgão foi à realização da construção da estrada Belém-Brasília.

Contemporaneamente a SPVEA, criou-se o conceito da Amazônia Legal cobrindo 60% do território nacional, tendo sido lançado pelo decreto lei nº. 1.106 o Plano de Integração Nacional (PIN), que previa a construção das estradas Transamazônica ligando o Norte ao Nordeste com 5.000 Km de extensão, e outra ligando a transamazônica ao Centro-sul sendo a Cuiabá-Santarém.

Observa-se, que muitos órgãos foram criados com o governo militar e a implantação do lema: “integrar para não entregar”, como a Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia em 1966 (SUDAM) em substituição ao SPVEA, investimentos e financiamentos foram concedidos para pecuaristas e agricultores, estradas com milhares de quilômetros foram abertas com o objetivo de explorar os recursos da região e também socorrer nordestinos que sofriam com uma seca causticante.

Nesse cenário, o “desenvolvimentismo” militar[1] com o pensamento voltado para industrialização, progresso e integração da Amazônia com todo o restante do país, deixou marcas que até hoje são sentidas pela população.

 As instituições dos projetos eram realizadas de forma autoritária, em sua grande maioria através de decreto-lei homologado pelo presidente militar. Isso caracteriza uma desorganização em todo o processo e também a ausência de um projeto que realmente atendesse os interesses regionais, e não somente a grupos especulativos nacionais e internacionais, bem como criar medidas paliativas. São medidas implantadas para amenizar os problemas decorrentes de um Nordeste desassistido e dirigido pela velha política nos moldes coronelista.

É a partir do início do programa topográfico Radar da Amazônia (RADAM) em 1970 com o objetivo de mapear por radar o solo, surge o II Plano de Desenvolvimento da Amazônia que enfatizou a exploração mineral das riquezas. Nesse mesmo ano também criaram a AMZA (Amazônia Mineração) com 51% do capital acionário em poder da então estatal Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e 49% da US Stell, no ano seguinte a AMZA obteve os direitos de exploração sobre toda a área de Carajás conforme Hall (1991) aponta.

Desse modo, é de se perceber que o processo se verticalizou no sentido nitidamente econômico e o planejamento foi desconsiderado pelo imediatismo, como, por exemplo, os estudos relacionados a possíveis impactos ambientais e sociais, que entendemos serem cruciais naquele dado momento, onde a população e a floresta é que na realidade levaria o prejuízo.

Na mesma análise são apontados diversos focos de conflitos entre índios, população local, e migrantes presentes na região, Hébette (1991) discorre também sobre desastres ambientais e sociais mostrando o ocorrido com a população que se situava nas proximidades do que é hoje a hidroelétrica de Tucuruí[2], no rio Tocantins.

O crescimento industrial na Amazônia, particularmente do setor de beneficiamento de minerais que consomem muita energia, depende fortemente de fornecimento abundante de eletricidade barata, por isso mesmo, uma das peças fundamentais de todo Programa Carajás é o projeto hidrelétrico de Tucuruí, no rio Tocantins. Dadas as repercussões potenciais de um projeto dessa magnitude, principalmente em uma área de floresta tropical úmida, deveriam ter realizado exaustivas avaliações dos impactos sociais e ambientais (Hall, 1991) e uma forma de resolvê-los.

Muitas vezes os impactos ambientais incidem sobre territórios onde grupos sociais se aprovisionam tradicionalmente de alimentos como fontes protéicas – a pesca, a caça e os frutos -, além de água para consumo. Basta lembrar o desmatamento e a contaminação de igarapés próximo a grandes projetos de mineração e hidroelétricos. As atividades de trabalho passam a implicar novos riscos, formas de precarização do trabalho e dificuldades para a reprodução da vida, humana e ambiental. (COUTO, CASTRO E MARIN, 2002, p. 30)

Couto et al (2002) chamam a atenção para os problemas de saúde, decorrentes da implantação da hidroelétrica de Tucuruí, sendo que não se trata de culpar mais de responsabilizar o desenvolvimento econômico pelos problemas de saúde, destacando os diversos acidentes de trabalho ocorrido na construção da hidroelétrica.

 QUADRO 1: ETAPAS DE CONSTRUÇÃO DE HIDROELÉTRICAS EM FLORESTA TROPICAL E RISCOS À SAÚDE 

ETAPAS

OCORRÊNCIAS

RISCOS

 

Construção

Desmatamentos

Construção de canteiro de obras

Estradas

Alteração de cursos dos rios

Novos processos de trabalho

Migração

Deslocamento de populações

Urbanização/ favelização

Acidentes do trabalho

Alcoolismo

Doenças sexualmente transmissíveis/ AIDS

Aumento da mortalidade por causas externas

Circulação de novos vetores e parasitos

Malária, leishmaniose, febre amarela, dengue, esquistossomose

 

Fonte: COUTO, 2002.

Mas tratando de desenvolvimento pode-se dizer que o PGC foi um divisor de águas, pois a partir dele se pensou em uma Amazônia mais desenvolvida industrialmente. Contudo nas décadas anteriores à década de 1970, sem a perspectiva de mineração, a Amazônia se constituía em uma área extrativista de produtos da floresta, que serviram somente à elite[3] que coordenava e comandava essas economias como a borracha, o caucho e a castanha.

Tanto o boom da borracha, quanto à castanha serviu para a formação das elites locais, dentro de um processo de esbanjamento e suntuosidade, no sentido que Hébette (1991) constrói sua análise tendo como proposição de que essas épocas não agraciaram a população com um desenvolvimento sócio-econômico.  Em vez disso, houve um aumento das desigualdades, acirrando os ânimos entre a elite que se estabelecia e a população nativa.

É possível constatar que o sistema de trabalho para os seringueiros e posteriormente os coletores de castanha era um regime quase que de escravidão (o que infelizmente continua sendo o grande subproduto em termos de mão-de-obra na região), no qual não havia oportunidade nenhuma de um desenvolvimento sócio-econômico (BRASIL, 2007, p. 73).

Podemos perceber que os dois primeiros “ciclos” fizeram com que a economia se movimentasse ou não ficasse estagnada, isso é verdadeiro, mas quem lucrou de fato, foram os grandes empresários da castanha.

Já o trabalhador - o caboclo da borracha, e dos seringais em geral - continuou enfrentando as mais diversas dificuldades inclusive quanto a sua própria subsistência, e que de forma efetiva dentro desse processo econômico viviam sob uma égide de exploração. Este processo chegou ao ponto de saírem com saldo devedor das matas onde trabalhava que bem caracterizava o sistema de aviamento que lhes era imposto.

Na realidade estamos falando de economias extrativistas que tiveram uma época culminância e decadência, atraindo pessoas que acabaram fixando residência ou não, fomentaram o crescimento do comércio local de Marabá. Mas não conseguiram deixar grandes transformações de melhorias sociais ou mesmo estruturais na própria cidade, pois os objetivos não eram esses, e sim o enriquecimento do empresariado que havia se formado em torno do extrativismo.

Essa abordagem com certeza trata de uma discussão antiga, porém é interessante ressaltar que por se constituir em recursos exportados in natura não trariam grandes benefícios à população em geral. Como afirmamos anteriormente contribui sim para a formação de uma elite local, que a partir desse período passou a comandar a política e a economia da região.

O que herdamos dessa época área pode ser visualizado claramente nos teatros de Manaus e da Paz em Belém, e também nos palacetes como o Bolonha ainda na capital, assim como no estilo de vida em que viviam os integrantes da elite, fazendo compras frequentemente na Europa.

Como ocorreu nos primeiros projetos, que atraíram milhares de migrantes ao sudeste paraense, para iniciarem a criação de gado e mesmo as atividades agrícolas, acabaram gerando fortes conflitos entre os camponeses nativos e índios com os recém chegados.

Pode-se aqui definir com relação a todas as iniciativas, de desenvolvimento para a Amazônia, de desastrosas, como Hébette (1991) salienta que o problema não é a falta de conhecimento, mas sim o comprometimento de priorizar os problemas sócio-ambientais. 

 [1] Termo utilizado para mostrar uma linha de pensamento que se consolidou com o golpe militar. A ênfase era a industrialização do país e a defesa dos recursos naturais do país, esse modelo já se apresentava nos movimentos como “o Petróleo é Nosso” e também deu sustentação para a Ditadura de Vargas, e o slogan disseminado no plano de metas do governo J.K. 

[2] As obras para hidroelétrica de Tucuruí começaram em 1981, tendo sido sua inauguração em 1984. Foi projetada para atrair projetos de desenvolvimento e atender às necessidades urbanas, tal era a urgência para pôr Tucuruí em operação que as recomendações e até os estudos detalhado do INPA (Instituto nacional de Pesquisa da Amazônia) foram consistentemente ignorados. 

[3]  Elite, de modo geral, pode ser considerada como um grupo dominante na sociedade. Especificamente, o conceito possui diversas definições, Mario (1999) coloca que para Vilfredo Pareto, elite significa uma alternativa teórica ao conceito de classe dominante de Marx e pode também referir-se a um grupo situado em uma posição hierárquica superior numa dada organização e com o poder de decisão política e econômica.

REFERÊNCIAS

Brasil: Questões atuais de reorganização do território. 3º edição. Rio de Janeiro: Bertrond Brasil, 2007.

COUTO, Rosa Carmina de Sena; CASTRO, Edna Ramos de; MARIN, Rosa Acevedo (Org.). Saúde, Trabalho e Meio Ambiente: Políticas Públicas na Amazônia. Belém: NAEA/Editora UFPA, 2002

HALL, Anthony L. Amazônia: Desenvolvimento para quem? Desmatamento e Conflito Social no Programa Grande Carajás. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1991.

HÉBETTE, Jean (Org.) O Cerco está se fechando: O impacto do grande capital na Amazônia. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1991.