UM MENINO CHAMADO MINGAU

Vou contar a historia do Mingau.

Tenho que contar, pois muita gente já não sabe mais o que é mingau. Por isso, também tem muita gente que não conhece a verdadeira história do Mingau.

Mas não to falando daquele mingau feito na panela, com leite, maisena, açúcar... também pode ser feito com fubá e outros ingredientes – que alguns vão chamar de angu. Tem até mingau de alho! Desse minha mãe fazia quando a gente queria comer (é que lá em casa, que era diferente da casa do Mingau – nunca faltou comida! Nem que a comida fosse mingau de farinha de milho, meio ralo, com um ovo dentro. Bem mexido pra todos poderem comer um pouquinho do ovo que as vezes tinha um só, para todos)

Como é que se fazia?

Minha mãe pegava um punhado de farinha de milho. Misturava água, sal, banha de porco, alho, e, quando tinha, ovos... e misturava tudo numa panela, sobre a chapa do gostoso fogão de lenha. O ovo era colocado depois que o mingau tava cosido. Ai mexia bem o mingau... e a gente fazia festa pra comer. Todos na mesma panela que era para não sujar prato que a gente era pequeno e tinha preguiça e não gostava de lavar pratos. Aí comia na panela – cada um com uma colher, meio soprando pra esfriar e todos se irmanando numa mesma refeição, comida em comunhão.

Mas isso aqui não é historia de culinária, nem é a minha história que quero contar. Nem é desses mingaus feito na panela que vou contar a história. Quero contar a historia do Mingau e não historias de mingau. Não é a história de mingau feito em panela, mas do Mingau, feito numa noite linda de amor. Amor intenso. Meio escondido. Era proibido. Talvez por isso é que não durou. Mas perdurou na pessoa do Mingau

Parece que a história ta ficando meio confusa. Então volto a explicar.

Tem gente que está sempre precisando de explicações, desnecessárias para quem entende das coisas simples, como as aventuras dos guris. E pra essas pessoas, quanto mais a gente explica mais elas ficam confusas. Mas tem gente que já entendeu, sem que eu explicasse.

Mas deixa eu explicar, que já tem gente se irritando, e até pensando em abandonar a leitura. Sem saber do Mingau.

Tem gente que tá brava, pensando que estou só enrolando e não tenho nenhuma história pra contar. Mas eu tenho uma história, sim. Quer dizer, não é minha. É a historia do Mingau. Mas sou eu quem vai contar. E começo agora.

Primeiro vou tentar explicar. É que muita gente já não sabe mais contemplar, dentro da boca, o sabor gostoso dum mingau – de maisena, por exemplo. Uns não sabem disso porque o dinheiro do salário não dá pra comprar um pacote de maisena e misturar com açúcar e leite – muitas vezes falta dinheiro até para comprar o leite – e se lambuzar numa panela de mingau (e se fizer isso o filho pode ficar com fome, sem leite...).

Tem, também, aqueles que ficaram gente grande, responsável, carrancudo. Esses esqueceram que um dia já foram crianças. E daí, pra essas que ficaram grandes não tem jeito... só se eles se encriançarem outra vez.

Você sabe que uma pessoa sisuda não se permite sentar no chão com uma panela de mingau entre as pernas. Não se permite sentar no tapete da sala e lambuzar, com a colher da ponta dos dedos, a cara alegre: pode sujar o tapete, dizem!

Isso sem falar dos que pensam que mingau é coisa de gente da roça. Coisa de gente atrasada! Pois, dizem estes, não se come mingau. O que se deve fazer – e dizer – é que gente que é gente só sabe comer manjar.

Ai eu fico manjando essa gente. Eles esquecem que não somos franceses... pois o “manjar” vem do francês! ou têm vergonha de ser bem brasileiros! Enfim, tem gente que já se esqueceu – ou não conheceu – as delicias de lambuzar os dedos, feito colher, numa panela de mingau.

Por isso essas pessoas, gente que ficou gente grande, mas esqueceu de crescer, já não conhece a historia do Mingau. É gente que até já foi à escola, mas não aprendeu a conhecer os verdadeiros e profundos valores da simplicidade. São pessoas que tem e querem explicação, para tudo.

Pra essa gente a gente tem que explicar que a Historia do Mingau não é a historia do mingau. Pra essa gente – que desaprendeu na escola – é que preciso explicar quem é o Mingau, não uma coisa, mas um menino.

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador.

Rolim de Moura - RO