EXECUÇÃO TRABALHISTA EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA

Demétrius de Castro Martins Silveira

 

RESUMO

A execução trabalhista em face da Fazenda Pública é matéria que tem sido amplamente debatida no meio jurídico, sobretudo devido ao não cumprimento dos precatórios no prazo legal. O cumprimento das obrigações de pagar quantia, fundada em título executivo judicial, pela Fazenda Pública, ocorre pelo regime de precatórios, o qual poderá ser dispensado quando a obrigação é classificada como de pequeno valor, conforme a disciplina constitucional da matéria. Entretanto, apesar da evolução histórica da efetivação das condenações impostas contra a Fazenda Pública, carece o sistema vigente de uma reforma que vise a privilegiar a efetividade na satisfação do direito material violado, principalmente quando se trata de um crédito de natureza alimentar, como são aqueles provenientes do processo trabalhista.

Palavras-Chave: Direito do Trabalho / Processo de Execução/ Fazenda Pública em Juízo / Precatórios.

ABSTRACT

Keywords: Labour Law / Process Execution / Treasury in court / Precatórios.

 

1 INTRODUÇÃO

A execução é atividade jurisdicional que visa à satisfação do direito reconhecido em título executivo. Trata-se de um dos pontos mais sensíveis e tormentosos do processo do trabalho.  É no momento da satisfação do direito reconhecido no título executivo que se observam as maiores dificuldades. Na seara trabalhista, sendo o exequente, na maioria das vezes, o trabalhador, a sua condição de hipossuficiente torna as dificuldades da execução ainda mais relevantes. Ademais, a natureza alimentar do crédito trabalhista não é compatível com a demora na sua satisfação. Quando a execução trabalhista se processa em face da Fazenda Pública, figurando esta como devedora no título executivo judicial, mais delicada ainda se torna essa fase processual, tendo em vista as peculiaridades de que se reveste o procedimento.

O procedimento executório contra a Fazenda Pública por meio do precatório padece de inúmeros vícios. Os administradores públicos, não raro, protelam o cumprimento dos precatórios, gerando um quaro delicado, principalmente quando o débito tem origem no processo trabalhista, que deveria ser considerado privilegiado, no tocante à preferência do pagamento.

Insta esclarecer, preliminarmente, que este trabalho abordará as particularidades do procedimento de execução por quantia certa fundada em título judicial em face da Fazenda Pública, haja vista que é aceito sem maiores dificuldades que o cumprimento do acordo ou da sentença, com trânsito em julgado, que imponham obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa certa, é efetuado mediante ofício do juiz à autoridade citada para a causa, com cópia da sentença ou do acordo, nos termos do artigo 16 da Lei 10.259/2001.

 

2 EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA

 

Historicamente, há registros de que, nos períodos da Monarquia e da República Velha, muito mais tormentosos eram os caminhos para a satisfação do crédito daquele que, tendo demandado contra a Fazenda Pública, houvesse saído vencedor. Teixeira Filho (1994), citando Orlando Teixeira da Costa, chega a relatar que, nos referidos períodos históricos, as condenações impostas às pessoas de Direito Público Interno se sujeitavam à solércia da política, uma vez que, quando o Poder Legislativo era provocado para votar dotação para o cumprimento de sentença judicial, não raro os deputados entravam no exame da decisão, apenas concedendo o crédito indispensável quando concordavam com os fundamentos do aresto.

Assim, possível se verificar, na disciplina constitucional atual, a adoção de providências moralizadoras, tendentes a preservar a coisa julgada material, a dignidade do Poder Judiciário e, sobretudo, a satisfazer o direito judicialmente reconhecido do demandante.  A título de ilustração do que ora se afirma, Garcia (2014) ressalta que a Constituição, no inciso VI do artigo 34, permite até mesmo que a União intervenha nos Estado-membro ou no Distrito Federal, sempre que este não atenda, sem justificativa plausível, à ordem ou decisão emanada do Poder Judiciário. Pela mesma razão, o artigo 35, inciso IV, autoriza a intervenção do Estado no Município.

Justificando a especialidade das medidas adotadas para a efetivação dos pagamentos devidos pela Fazenda Pública, Greco Filho (1986) aponta a inaplicabilidade do sistema comum em virtude da impenhorabilidade dos bens públicos e o fato de que a execução tratamento da matéria a nível constitucional.

De fato, os bens públicos revestem-se do timbre da impenhorabilidade e da inalienabilidade, não havendo a adoção de medidas expropriatórias para a satisfação do crédito na execução por quantia certa. Sendo os pagamentos feitos pela Fazenda Pública despendidos pelo Erário, a execução intentada contra as pessoas jurídicas de direito público recebe tratamento específico, submetendo-se à sistemática do precatório ou da Requisição de Pequeno Valor (CUNHA, 2009).

Além disso, Bueno (2013) invoca os princípios da continuidade do serviço público e o da isonomia, inerentes à atuação administrativa, para justificar a diferente forma de execução por quantia contra a Fazenda Pública. Isso porque os bens vinculados aos serviços públicos não podem ser desviados de suas finalidades públicas e porque, não se adotando um sistema de ordem preestabelecida de pagamentos (precatórios), a igualdade dos credores restaria comprometida.

Teixeira Filho (1994) destacava que, na vigência da Constituição Federal de 1967, não havia possibilidade de execução forçada, pela Justiça do Trabalho, em face da Fazenda Pública Federal, porquanto isso competia à Justiça Federal Comum.  Entretanto, a nova ordem constitucional atribuiu à Justiça Especializada uma competência plena, em razão da matéria, eliminando inclusive a odiosa restrição contida no texto constitucional anterior, que subtraía da cognição trabalhista as causas em que a União fosse participante a qualquer título. Nesse sentido, o inciso I do artigo 114 da Constituição Federal de 1988, com redação atribuída pela Emenda Constitucional nº45 de 2004, estabeleceu a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar “as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.

Nos termos do art. 877 da CLT, é competente para a execução das decisões o juiz ou presidente do Tribunal que tiver conciliado ou julgado originariamente o dissídio.

É importante, ainda, saber quais são os entes que compõem a Fazenda Pública.

            A rigor, a expressão Fazenda Pública abrange os entes estatais de Direito público, quais sejam: a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios (compondo a Administração Pública Direta), as autarquias e as fundações públicas.

Vale dizer, os entes estatais, com personalidade de Direito público, têm a prerrogativa do pagamento de dívidas judiciais por meio de requisição judicial, isto é, precatório.229 Não são incluídos outros entes, com natureza jurídica de Direito privado, no mencionado regime.

Ou seja, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as suas subsidiárias, que explorem atividade econômica (de produção de bens, comercialização de bens ou prestação de serviços), estão sujeitas ao regime jurídico das empresas privadas. Logo, possuem personalidade jurídica de Direito privado, não integrando a Fazenda Pública, o que afasta a aplicação do regime do precatório.

             A respeito do tema, a Orientação Jurisprudencial 87 da SBDI-I do TST assim estabelece: “Entidade pública. Exploração de atividade eminentemente econômica. Execução. Art. 883 da CLT (nova redação) – DJ 16.04.2004. É direta a execução contra a APPA e MINASCAIXA (§ 1º do art. 173, da CF/1988).

Além das pessoas jurídicas de direito público, o STF firmou entendimento de que se submete também ao regime de precatórios a ECT- Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, que ostenta natureza de empresa pública (CUNHA, 2009). No mesmo sentido, a Orientação Jurisprudencial 247, inciso II, parte final, da SBDI-I do TST.

O art. 100, caput, da Constituição Federal de 1988, estabelece que os pagamentos devidos, em razão de sentença judiciária, pelas “Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais”, sujeitam-se ao regime do precatório. A disciplina infraconstitucional desse procedimento jurisdicional constitucionalmente diferenciado é fornecida pelo Código de Processo Civil, o qual tem aplicação subsidiária na seara trabalhista, nos termos do artigo 769 da CLT. Assim, o artigo 730 do CPC regula procedimentalmente o artigo 100 da Constituição Federal, disciplinando a execução por quantia certa contra a Fazenda Pública (BUENO, 2013).

Preliminarmente, a leitura do artigo 730 do CPC pode sugerir que há uma dualidade de ações ou de processos (processo de conhecimento e processo de execução), haja vista o comando de “citação” da Fazenda Pública para apresentar embargos, e não a sua mera intimação. Entretanto, Bueno (2013) argumenta que, mesmo nessas situações, há uma só ação e um só processo, que se desenvolve sem solução de continuidade por diversas etapas ou fases, visando ao atingimento de determinadas finalidades pelo Estado-juiz.

No Direito Processual do Trabalho, parte da doutrina já entendia que a execução trabalhista fundada em título judicial constitui mera fase processual, e não processo autônomo, inclusive por ser iniciada de ofício pelo juiz (arts. 876, parágrafo único, e 878, caput, da CLT).  Essa posição se reforça com a Lei 11.232/2005, pois até mesmo no âmbito civil, nas hipóteses mencionadas, a execução, em regra, se tornou mera fase do processo já em curso, denominada cumprimento da sentença (GARCIA, 2014).

Como cediço, na seara trabalhista, o crédito exeqüendo geralmente possui natureza alimentar, em virtude de freqüentemente decorrer de verbas salariais. Com efeito, verifica-se que nem todos os créditos provenientes de sentenças judiciais emanadas da Justiça do Trabalho podem ser considerados de caráter alimentar. Conforme nos ensina Sérgio Pinto Martins: "(...) os créditos trabalhistas de natureza alimentícia que podem ser enquadrados no artigo 100 da Constituição são, regra geral, os salários, que se consubstanciam na fonte de subsistência dos trabalhadores."

Em suma, se o respectivo crédito possui caráter indenizatório, não é considerado alimentar, como por exemplo: FGTS, indenização de estabilidade, de férias não gozadas e proporcionais, indenização de 40% do FGTS, entre outros.

Quanto aos privilégios de que gozam os créditos de natureza alimentar, Bueno (2013) lembra que, quando da edição da Constituição Federal, muito foi discutido sobre a dispensa do regime de precatório para pagamentos de natureza alimentar. O Supremo Tribunal Federal, ao manifestar-se sobre o tema, decidiu que também os créditos alimentares devem ser pagos por precatórios, ainda que sujeitos a ordem própria, diferenciados dos débitos de outra natureza. Nesse sentido dispõe a súmula 655 da referida Corte:

 

“A exceção prevista no art. 100, "caput", da Constituição, em favor dos créditos de natureza alimentícia, não dispensa a expedição de precatório, limitando-se a isentá-los da observância da ordem cronológica dos precatórios decorrentes de condenações de outra natureza”.

 

Quanto ao procedimento, nos termos do artigo 730 do CPC, inicia-se a Execução a partir da citação da Fazenda Pública para, querendo, opor embargos à execução no prazo de 30 dias.  Esse prazo encontra respaldo nos termos do art. 884, caput, da CLT, c/c o art. 1º-B da Lei 9.494/1997, acrescentado pela Medida Provisória 2.180-35/2001 (GARCIA, 2014).

Explica Cunha (2009) que não sendo opostos embargos no prazo legal, ou rejeitados que sejam, o juiz deverá determinar a expedição de precatório ao Presidente do respectivo tribunal para que reste consignado à sua ordem o valor do crédito, com requisição às autoridades administrativas para que façam incluir no orçamento geral a verba necessária ao pagamento de precatórios apresentados até 1º de julho. Nesse caso, de acordo com o mandamento constitucional, o pagamento deve ocorrer até o final do exercício seguinte, quando os valores devem ser atualizados monetariamente. Os pagamentos devidos pela Fazenda Pública devem ser feitos exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios (art. 100, caput, da Constituição Federal de 1988).

Assim, estando assinado e instruído pelo juiz competente para a execução, o precatório deverá ser encaminhado ao Presidente do tribunal, sendo ali registrado, autuado e distribuído. O Presidente inscreverá o precatório e comunicará ao órgão competente para efetuar a ordem de despesa, a fim de que o ente público passe a adotar as medidas necessárias à abertura do crédito que liquidará a dívida, mediante depósito bancário feito à disposição da Presidência do tribunal (CUNHA, 2009).

Quanto à tramitação, Lockmann (2004) ressalta as diferenças entre os precatórios federais e os estaduais/municipais. É que, segundo a jurista, quando se trata de precatórios estaduais ou municipais,o devedor dependerá da boa vontade do ente público para efetuar o pagamento, enquanto que na hipótese de precatórios federais, os valores devidos serão incluídos na dotação orçamentária do Tribunal que originou o precatório, não dependendo do ente propriamente dito para liberar o quantum devido.

No tocante às condenações impostas pela Justiça do Trabalho, os correspondentes créditos e dotações deverão ser consignados à disposição do órgão trabalhista competente, qual seja o Tribunal Regional do Trabalho.

Pinho (2012) ressalta que existe jurisprudência no sentido da expedição de precatório não produzir o efeito de pagamento, razão pela qual há incidência dos juros moratórios, que serão computados enquanto não solvida a obrigação, corrigindo os mesmos quando do efetivo pagamento dos precatórios, respeitando, assim, o contido no modificado § 4º do art. 100 da Constituição Federal, onde se encontra vedado a expedição de precatório complementar ou suplementar.

          Interessante questão é levantada por Greco Filho (1986): caberia Mandado de Segurança para compelir a Fazenda Pública a incluir a verba no orçamento e fazer o pagamento no exercício correto? Entende o referido autor que, nesse caso, não seria cabível porque faltaria interesse processual. Isso porque os provimentos jurisdicionais teriam sua força intrínseca, dispensando uma outra ação, no caso o mandado de segurança, para que sejam cumpridos. Vale dizer: a ordem judicial já possui força própria para ser efetivada, sendo inútil a impetração de um mandado de segurança com esse objetivo.

Na execução proposta em face da Fazenda Pública, a atividade judicial de primeiro grau é cumprida e acabada com a expedição do precatório. Assim, a doutrina majoritária compreende que a atividade do Presidente do tribunal, quanto ao procedimento em si mesmo do precatório reveste contornos de cunho administrativo. Na seara jurisprudencial, o STF admite como de natureza administrativa o processamento do precatório pelo Presidente do tribunal, conforme decidido no julgamento da ADI 1.098/SP: “a ordem judicial de pagamento (parágrafo 2º do artigo 100 da Constituição Federal), bem como os demais atos necessários a tal finalidade, concernem ao campo administrativo e não jurisdicional”. Tal entendimento leva à conclusão de que questões incidentais, como a impugnação de juros ou a postulação de correção monetária, devem ser resolvidas pelo juízo que julgou a causa em primeiro grau, cabendo ao Presidente do tribunal apenas processar o precatório requisitório expedido (CUNHA, 2009).

Há ainda entendimento pacífico de que não é cabível qualquer dos recursos excepcionais em face de decisão proferida no processamento de precatórios, justamente porque a atividade de processamento pelo Presidente do tribunal não possui natureza judicial. Nesse sentido, segundo a Súmula 733 do STF: “Não cabe recurso extraordinário contra decisão proferida no processamento de precatórios”.  Assim, na execução trabalhista contra a Fazenda Pública, inadmissível a interposição de recurso de revista ou de recurso extraordinário em face de decisões do Presidente do TRT.

Garcia (2014) destaca a Orientação Jurisprudencial 12 do Pleno do TST, que por seu turno, assim dispõe: “Precatório. Procedimento de natureza administrativa. Incompetência funcional do Presidente do TRT para declarar a inexigibilidade do título exequendo. (DEJT divulgado em 16, 17 e 20.09.2010). O Presidente do TRT, em sede de precatório, não tem competência funcional para declarar a inexigibilidade do título judicial exequendo, com fundamento no art. 884, § 5º, da CLT, ante a natureza meramente administrativa do procedimento”.

No mesmo contexto, destaca-se a Orientação Jurisprudencial 10 do Pleno do TST:

“Precatório. Processamento e pagamento. Natureza administrativa. Mandado de Segurança. Cabimento (DJ 25.04.2007). É cabível mandado de segurança contra atos praticados pela Presidência dos Tribunais Regionais em precatório em razão de sua natureza administrativa, não se aplicando o disposto no inciso II do art. 5º da Lei nº 1.533, de 31.12.1951”.

 

3 PRETERIÇÃO NA ORDEM DE PAGAMENTO

 

O processamento do precatório, com a requisição de pagamentos pelo Presidente do Tribunal, estabelece uma verdadeira “fila” de credores, identificados e subdivididos entre credores alimentares e credores não alimentares. Como já visto, aqueles possuem preferência sobre estes, na dicção do §1º do artigo 100 da Constituição Federal. Ressalte-se ainda que, entre os credores alimentares, aqueles que tenham 60 (sessenta) anos de idade ou mais na data de expedição do precatório, ou sejam, portadores de doença grave, definidos na forma da lei, serão pagos com preferência (§2º, art.100, Constituição Federal).

Segundo Bueno (2013), a preterição no pagamento se dá quando não há observância nessa ordem, ou seja, quando um credor da Fazenda Pública é pago antes de outro que ocupava na “fila” um lugar na frente. O estabelecimento da ordem de pagamento deverá observar não só o momento cronológico da expedição do precatório, mas também a natureza do crédito, haja vista a preferência absoluta dos precatórios alimentares, tais como os de origem salarial.

A solução para os casos de preterição sempre foi o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito, providência que demanda pedido formulado pelo credor preterido, não podendo ser determinado de ofício pelo Presidente do tribunal. Assim, Bueno (2013) afirma que a legitimidade ativa para formular o pedido de seqüestro é unicamente do credor que foi preterido e que, em razão da concessão da medida, pode vir a ser satisfeito ou, pelo menos, restabelecer a ordem de pagamentos. Os legitimados passivos, ainda para o referido autor, são o ente devedor e aquele que recebeu o valor que deu ensejo à ruptura da ordem de pagamento.

Garcia (2014) destaca a Orientação Jurisprudencial 13 do Pleno do TST:

“Precatório. Quebra da ordem de precedência. Não demonstração da posição do exequente na ordem cronológica. Sequestro indevido. (DEJT divulgado em 16, 17 e 20.09.2010). É indevido o sequestro de verbas públicas quando o exequente/requerente não se encontra em primeiro lugar na lista de ordem cronológica para pagamento de precatórios ou quando não demonstrada essa condição”.

 

Para Greco Filho (1986), o seqüestro é uma legítima interferência no Poder Executivo pelo Judiciário, segundo o sistema de recíprocas influências dentro da harmonia dos Poderes e do sistema de pesos e contrapesos. Além disso, quanto à natureza jurídica do seqüestro, este autor sustenta o caráter cautelar da medida, porque sua finalidade seria a de recompor a ordem dos pagamentos, devendo permanecer a quantia seqüestrada à disposição do Judiciário, a fim de assegurar o dispositivo constitucional de pagamento pela ordem.

Entretanto, prevalece na doutrina o entendimento da natureza satisfativa do seqüestro, devendo o numerário não pago ser transferido compulsoriamente ao exeqüente. Nesse sentido, dispõem Assis (2000) e Bueno (2013), este se apoiando na redação do § 6º do artigo 100 da Constituição Federal, que determina que as “dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exequenda determinar o pagamento integral e autorizar, a requerimento do credor e exclusivamente para os casos de preterimento de seu direito de precedência ou de não alocação orçamentária do valor necessário à satisfação do seu débito, o sequestro da quantia respectiva”, e no artigo 731 do CPC, o qual dispõe que se “o credor for preterido no seu direito de preferência, o presidente do tribunal, que expediu a ordem, poderá, depois de ouvido o chefe do Ministério Público, ordenar o sequestro da quantia necessária para satisfazer o débito”.

O artigo 731 do CPC exige ainda que o Ministério Público seja ouvido previamente à decisão judicial acerca do pedido se seqüestro. Além disso, Bueno (2013) afirma que, por imposição dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, é necessário que seja ouvido também aquele que teria preterido o direito do credor, ou seja, aquele que se tenha beneficiado com o pagamento fora de ordem.

 

4 NÃO PAGAMENTO OU FALTA DE INCLUSÃO NO ORÇAMENTO

            Como assevera Bueno (2013), a medida de seqüestro sempre foi a solução para o caso de preterição na ordem de pagamento. Entretanto, após a Emenda Constitucional nº 62/2009, o sequestro também passou a ser admitido no caso de não alocação orçamentária (ou seja, não inclusão no orçamento) do valor necessário à satisfação do débito (artigo 100, §6º, da Constituição Federal).  Sem prejuízo do cabimento do seqüestro da quantia, a Constituição Federal reserva para a hipótese também a intervenção da União nos Estados e no Distrito Federal e dos Estados nos Municípios, consoante previsão dos artigos 34, VI e 35, IV, respectivamente. Além disso, o Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo ou omissivo, retardar ou tentar frustrar a liquidação regular de precatórios, incorrerá em crime de responsabilidade e responderá, também, perante o Conselho Nacional de Justiça (art. 100, § 7º, da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional 62/2009).

Em boa hora a inclusão da previsão de seqüestro para esses casos, haja vista que a nem intervenção nem a responsabilização da autoridade competente para determinar o pagamento têm o condão de realizar ou sequer de garantir o pagamento do credor insatisfeito.

 

5 CASOS DE DISPENSA DE PRECATÓRIO: OBRIGAÇÕES DE PEQUENO VALOR

 A partir da Emenda Constitucional n°30/2000, não há mais necessidade de expedição de precatório nos casos de execução de pequeno valor, a teor do disposto no parágrafo 3°do art. 100 da Carta Magna. O art. 100, § 3º, da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional 62/2009, estabelece que o disposto no caput do art. 100, relativamente à expedição de precatórios, não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em leis como de pequeno valor.

 Na seara trabalhista, este entendimento foi inicialmente consubstanciado na Orientação Jurisprudencial 1, do Tribunal Pleno desta Corte, que assim dispõe:

PRECATÓRIO. CRÉDITO TRABALHISTA. PEQUENO VALOR. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 37 /02. DJ 09.12.03 Há dispensa da expedição de precatório, na forma do art. 100, § 3º, da CF/1988 , quando a execução contra a Fazenda Pública não exceder os valores definidos, provisoriamente, pela Emenda Constitucional nº 37 /02, como obrigações de pequeno valor, inexistindo ilegalidade, sob esse prisma, na determinação de seqüestro da quantia devida pelo ente público.”

           Para os fins do disposto no § 3º do art. 100 da Constituição Federal, “poderão ser fixados, por leis próprias, valores distintos às entidades de direito público, segundo as diferentes capacidades econômicas, sendo o mínimo igual ao valor do maior benefício do regime geral de previdência social” (art. 100, § 4º, com redação dada pela Emenda Constitucional 62/2009). Ocorre que, quando a Emenda Constitucional nº 62/2009 entrou em vigor, já havia leis estaduais e municipais estabelecendo os respectivos valores de dispensa de precatório. Muitas leis promulgadas estabeleciam limites irrisórios, mitigando as vantagens que a dispensa do precatório proporcionam aos credores. Assim, a maioria das leis que dispunham sobre pequeno valor, anteriores à Emenda Constitucional nº 62/2009, pelo patamar irrisório que estipulavam, restaram revogadas, haja vista não respeitarem o limite mínimo do valor do maior benefício do regime geral da previdência social (CUNHA, 2011).    

            A Lei Federal n° 10.259 de 12 de julho de 2001, ao instituir os Juizados Especiais Cíveis no âmbito da Justiça Federal com competência para processar, conciliar e julgar as causas até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos (art. 3°), e estabeleceu, em seu art. 17, que a obrigação de pagar quantia certa, após o trânsito em julgado da decisão, será atendida Independentemente de precatório. Assim, no âmbito Federal, considera-se obrigações de pequeno valor, a ensejar a dispensa de precatório, as condenações de até 60 (sessenta) salários mínimos.

            Aos Estados, Municípios e Distrito Federal cabe fixar o limite considerado de pequeno valor para que seja dispensada a expedição do precatório. Enquanto não editados os respectivos diplomas legais, deve prevalecer o teto estabelecido no art. 87 do ADCT da Constituição Federal, acrescido pela Emenda Constitucional nº 37, de I2 de junho de 2002: para as condenações impostas às Fazendas dos Estados e do Distrito Federal, o limite fixado é de até 40 (quarenta) salários mínimos, sendo de até 30 (trinta) salários mínimos para as condenações impostas às Fazendas Municipais.

Ressalte-se, que a necessidade de normatização dessa matéria, por todos os entes públicos ainda se faz imperiosa, considerando as diferentes capacidades econômico-financeiras vividas por cada um.

Em qualquer caso, se o valor da execução ultrapassar o limite específico, deverá o pagamento submeter-se ao regime do precatório, a não ser que a parte renuncie ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório.

Quanto à competência para a expedição de ordem de pagamento das obrigações de pequeno valor, e do eventual seqüestro da quantia devida, Lockmann (2004) afirma que deverá ser atribuída ao magistrado de primeiro grau, ou seja, o Juízo da execução, privilegiando assim a conclamada celeridade processual. Entretanto, cabe aos Tribunais estabelecer os critérios a serem seguidos pelos juízes de primeiro grau, a fim de observar a ordem cronológica e os princípios que regem a Administração Pública.

            A esse respeito, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Instrução Normativa nº 32/2007, que uniformiza procedimentos para a expedição de Precatórios e Requisições de Pequeno Valor no âmbito da Justiça do Trabalho e dá outras providências.

            Interessante questão suscitada com relação à execução de créditos de pequeno valor diz respeito à hipótese de reclamações plúrimas, quais sejam aquelas em que há mais de um reclamante no pólo ativo da reclamação trabalhista. Nessas situações, predomina o entendimento de que a formação de litisconsórcio não exclui os titulares de crédito inferior aos estabelecidos pela Emenda Constituicional nº 37/02, ou em lei, dos benefícios da execução sem precatório. Cunha (2011) afirma que no litisconsórcio há uma cumulação de demandas. Lockmann (2004), citando Cláudio Armando Couce de Menezes, explica que, o litisconsórcio se trata de medida de economia processual, destinado a evitar repetição de demandas e decisões contraditórias, sendo, portanto, ilógico e injusto que os credores fossem excluídos do benefício constitucional apenas porque se utilizaram desse instituto processual.

            Nesse sentido, o artigo 7º da Instrução Normativa nº32/2007 do TST assim dispõe:

“Art. 7º Na hipótese de reclamação plúrima será considerado o valor devido a cada litisconsorte, expedindo-se, simultaneamente, se for o caso: a) requisições de pequeno valor em favor dos exeqüentes cujos créditos não ultrapassam os limites definidos no art. 3º desta INSTRUÇÃO; e b) requisições mediante precatório para os demais credores.”

A Orientação Jurisprudencial 9 do Pleno do TST esclarece, ainda, que:

“Precatório. Pequeno valor. Individualização do crédito apurado. Reclamação trabalhista plúrima. Execução direta contra a Fazenda Pública. Possibilidade (DJ 25.04.2007). Tratando-se de reclamações trabalhistas plúrimas, a aferição do que vem a ser obrigação de pequeno valor, para efeito de dispensa de formação de precatório e aplicação do disposto no § 3º do art. 100 da CF/88, deve ser realizada considerando-se os créditos de cada reclamante”.

 

6 CONCLUSÃO

 

            A execução em face da Fazenda Pública é assunto dos mais tormentosos, sendo o regime de precatório taxado até mesmo de anacrônico pela doutrina mais atualizada. Na prática, constata-se um crescente passivo judicial dos entes públicos, especialmente o estadual e o municipal, posto que a União vem honrando o pagamento de suas dívidas de caráter alimentar.

Tratando-se de execução trabalhista, o tema ganha contornos ainda mais dramáticos, haja vista a natureza alimentar dos créditos do trabalhador exeqüente, a exigir alternativas e propostas ao sistema ainda vigente. Não são poucos os que defendem a extinção ou a imediata substituição do sistema brasileiro de execução de dívida judicial contra um ente público. Lockmann (2004), por exemplo, chega a sugerir o fim do sistema de precatórios com a substituição imediata pela execução direta do ente público.

Imperioso reconhecer que a introdução de um procedimento especial para as obrigações de pequeno valor, a partir da Emenda Constitucional nº 37/02, representou uma vigorosa esperança aos credores da Fazenda Pública, sobretudo aos credores trabalhistas, pois normalmente as dívidas dessa natureza são inferiores às dívidas de natureza não-alimentar. Entretanto, esse procedimento mais célere, para abranger um maior número de beneficiados, deveria ser aplicado a obrigações cujos limites fossem superiores aos que atualmente são considerados.

Enfim, necessário aos Poderes Legislativo e Executivo a vontade política para desenvolver projetos que criem alternativas viáveis à modernização do sistema. Paralelamente, o Estado–juiz deve esforçar-se para promover um processo de execução contra a Fazenda Pública norteado cada vez mais pelo princípio da efetividade, objetivando à satisfação material do credor trabalhista.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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