SINOPSE DO CASE: Execução Provisória da Pena¹

 

Lavínia Feitosa Silva Assunção²

José Cláudio Cabral Marques³

 

1 DESCRIÇÃO DO CASO

O Supremo Tribunal Federal decidiu a favor da prisão de réus condenados pela Justiça a partir da sentença da segunda instância. A decisão da corte manteve entendimento já adotado em um caso específico, o julgamento do HC 126.262 que determinou a execução do acordão penal condenatório proferido em grau de apelação. Por este modo, entendeu-se que há colisões de princípios, estritamente ligados ao princípio da proporcionalidade, os quais são: o princípio da proibição de excesso e a proibição de defesa deficiente. Desta forma, indagam-se quais destes deve prevalecer no julgamento do réu em segunda instância? E quais efeitos gerados por esta decisão?

 

2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

2.1 Argumentos capazes de fundamentar cada decisão

2.1.1. Princípio da Proibição do Excesso:

Na esfera do Princípio da Proibição do Excesso“está a se controlar a legitimidade constitucional de uma intervenção no âmbito de proteção de um direito fundamental” (SARLET, XXXX). Este é decorrente do princípio da proporcionalidade, que por sua vez, não permite que a aplicação de uma norma, sendo essa restritiva, se converta em ação do Poder Público para derrogar princípios constitucionais (BONAVIDES, p. 450, 2012).

Respaldando-se no princípio da proporcionalidade, expõe-se que, este princípio não resulta em um direito da liberdade, mas sim, em um direito que protege a liberdade (BONAVIDES, 412, 2012). Este princípio é resultado de um Estado Constitucional de Direito, o qual “[...] consiste na expansão dos direitos dos cidadãos e dos deveres do Estado na maximização das liberdades e na minimização dos poderes [...]” (STRECK, p. 23, 2001).

Sendo assim, constata-se que, quando há uma restrição de liberdade em desobediência aos preceitos constitucionais, há um abuso do poder do Estado, que não observou o princípio da supremacia da Constituição:

[...] Essa supremacia, introduzida de maneira definitiva pelo novo Estado de Direito, somente cobra sentido e explicação, uma vez vinculado à liberdade, à contenção dos poderes do Estado e à guarda eficaz dos direitos fundamentais. Aqui o princípio da proporcionalidade ocupa seu lugar primordial. (BONAVIDES, p. 412, 2012)

 

Deste modo, observa-se que, cabe ao Estado a guarda eficaz dos direitos fundamentais. Elenca-se no artigo 5º, que trata sobre direitos e garantias fundamentais, no inciso LVII, da Constituição Federal, que: “ninguém será considerado culpado, até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (BRASIL, 1988).

Portanto, permitir a execução penal condenatória em casos que não se obteve ainda o trânsito em julgado, fere-se o direito fundamental da presunção de inocência, disposto na Constituição.Pois o judiciário está sujeito a erros, tanto em um primeiro momento, com a absolvição do réu pelo juiz instrutor, ou no debate em primeiro grau, ou até mesmo, logo após a primeira condenação, quando o processo chega em instância superior, na “via-crúcis” (CARNELUTTI, p. 37/38, 2002), “basta pensar que no processo de apelação, via de regra, não são reexaminados os testemunhos e o juízo se forma sobre aqueles processos verbais, os quais não dão e não podem dar aos testemunhos senão uma representação mutilada, vezes deformada, vezes até por fim incompreensível” (CARNELUTTI, p. 38, 2002). Destarte, é necessário que todos os recursos sejam esgotados para que assim, posteriormente, se execute a sentença penal condenatória para o verdadeiro culpado do fato.

2.2.1. Princípio da Proibição de Defesa Deficiente:

Em contrapartida, sob outra vertente do Princípio da Proporcionalidade, surge o Princípio da Proibição de Defesa Deficiente, vinculado aos deveres de proteção do Estado, que deverá responder às necessidades de segurança de todos os direitos, inclusive dos direitos sociais, econômicos e culturais, e não somente daqueles denominados direitos de prestação de proteção (STRECK, 2001):

Com efeito, para a efetivação de seu dever de proteção, o Estado – por meio de um dos seus órgãos ou agentes - pode acabar por afetar de modo desproporcional um direito fundamental (inclusive o direito de quem esteja sendo acusado da violação de direitos fundamentais de terceiros).Esta hipótese corresponde às aplicações correntes do princípio da proporcionalidade como critério de controle de constitucionalidade das medidas restritivas de direitos fundamentais que, nesta perspectiva, atuam como direitos de defesa, no sentido de proibições de intervenção (portanto, de direitos subjetivos em sentido negativo, se assim preferirmos). (SARLET,2003,  p.24)

 

Ou seja, diante desse princípio, não mais se limita o poder do Estado, uma que vez que este, poderá agir em prol da sociedade. Acerca do caso apresentado, o Supremo Tribunal Federal ao permitir que o acusado possa sofrer execução penal condenatória em segunda instância, não está ferindo o princípio da presunção de inocência, conforme expõe o ministro Roberto Barroso, em seu voto à favor do HC 126262: “A presunção da inocência é ponderada e ponderável em outros valores, como a efetividade do sistema penal, instrumento que protege a vida das pessoas para que não sejam mortas, a integridade das pessoas para que não sejam agredidas, seu patrimônio para que não sejam roubadas”(STF – HC 126.292 – DF –Eminente Ministro Roberto Barroso – Julgado em 05-10-2016).

 

3 QUESTÕES SECUNDÁRIAS

3.1.As regras e o respeito aos diretos de cada um devem flexibilizados em prol do interesse coletivo?

Segundo Paulo Bonavides (2012, p. 439/440) quando há situações em que bens jurídicos, igualmente habilitados, encontram-se em antinomia, é necessário que prevaleça aquela que melhor exprima os valores expostos pela Constituição.

A função do Direito Penal é garantir o melhor para a sociedade, portanto, conforme expôs o ministro Roberto Barroso, em seu voto à favor do HC 126262: “A presunção da inocência é ponderada e ponderável em outros valores, como a efetividade do sistema penal, instrumento que protege a vida das pessoas para que não sejam mortas, a integridade das pessoas para que não sejam agredidas, seu patrimônio para que não sejam roubadas”(STF – HC 126.262 – DF –Eminente Ministro Roberto Barroso – Julgado em 05-10-2016).

3.2. O judiciário deve ouvir o clamor público?

Conforme exposto por Gilmar Mendes (2012), o Supremo Tribunal Federal não permite que o judiciário se utilize do “clamor público” para a fundamentação dos seus atos, pois “a admissão desta medida, com exclusivo apoio na indignação popular, tornaria o Poder Judiciário refém de reações coletivas. Reações, estas, não raras vezes açodadas, atécnicas e ditadas por mero impulso ou passionalidade momentânea” (MENDES; BRANCO, 2012, p.651).

O clamor público é identificado pelo desejo de justiça da sociedade, o desejo de punição do indivíduo acusado. Fransceso Carnelutti (2002) afirma que: “a justiça humana não pode ser senão uma justiça parcial; a sua humanidade não é senão resolver-se na sua parcialidade. ” (p. 20, 2012). Acerca disso, se expõe:

O clamor popular nada mais é do que uma alteração emocional coletiva provocada pela repercussão de um crime. Sob tal pálio, muita injustiça pode ser feita, até linchamento (físicos ou morais). Por essa razão, a gravidade da imputação, isto é, a brutalidade de um delito que provoca comoção no meio social, gera sensação de impunidade e descrédito pela demora na prestação jurisdicional. (CAPEZ, p. 330, 2002)

 

Ou seja, observa-se que devido a alteração emocional, o clamor da sociedade pela punição dos acusados fere os direitos individuais do mesmo. Erros que não podem ser cometidos pelo judiciário. Portanto, o judiciário não deve se respaldar no clamor público para decisão de processos, mas sim, ser condizente à lei.

3.3.Houve afronta ao art. 283 do CPP e art. 5°, inciso LVII da Constituição Federal?

O ministro Joaquim Barbosa(STF – HC 84.078 – MG –Eminente Ministro Joaquim Barbosa – Julgado em 05-02-2009afirmou que o princípio do estado de inocência não é absoluto e incontrastável em nosso ordenamento jurídico. Em concordância, o ministro Roberto Barroso (STF – HC 126.262 – DF –Eminente ministro Roberto Barroso– Julgado em 05-10-2016) dispôs que o princípio da presunção de inocência é ponderável em relação a outros valores que efetivam o sistema processual penal, como por exemplo, a garantia da segurança aos demais indivíduos. Ressalta Gilmar Mendes (2016):

Há diferença entre investigado, denunciado, condenado e condenado em segundo grau [...]  no caso de se constatar abuso na decisão condenatória, os tribunais disporão de meios para sustar a execução antecipada, e a defesa dispõe de instrumentos como o habeas corpus e o recurso extraordinário com pedido de efeito suspensivo. (STF – HC 126.262 – DF –Eminente Ministro Gilmar Mendes – Julgado em 05-10-2016),

 

Portanto, em relação ao artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal, entende-se que não houve afronta, bem como também, não houve afronta ao artigo 283, do Código de Processo Penal, o qual dispõe que o indivíduo só poderá ser preso em casos de flagrante delito, por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou em virtude de prisão preventiva ou temporária (BRASIL, 1940).

3.4 A demora nos julgamentos e o sistema recursal do CPP geram sensação de impunidade?

As morosidades dos julgamentos geram sensação de impunidade, pois devido a repercussão social dos crimes, a sociedade deseja punição imediata. O que não ocorre, pois, até chegar o “fim” do processo, e a decisão sobre a punição do acusado, obedece-se um longo processo.

Conforme expõe Joaquim Barbosa (2009): “adotar a tese de que somente com o trânsito em julgado da condenação poderia haver execução penal causará verdadeiro estado de impunidade” (STF – HC 84.078 – MG –Eminente Ministro Joaquim Barbosa – Julgado em 05-02-2009), pois, como já dito anteriormente, e suscitado por CAPEZ (2002, p. 330) “a brutalidade de um delito que provoca comoção no meio social, gera sensação de impunidade e descrédito pela demora na prestação jurisdicional”.

3.5. Haverá impacto no sistema carcerário?

Sim. Pois, é de conhecimento comum, que há deficiências no sistema carcerário. Dentre elas, destacam-se a superlotação carcerária, a falta de higiene, condições deficientes de trabalho, o regime alimentar deficiente, o elevando índice de consumo de drogas. Sendo assim, aumentando-se o número de presos, devido à decisão do Supremo Tribunal Federal, a incidência destes problemas, bem como de outros, também aumentará.

3.6. Qual a melhor política criminal a ser adotada pelo Estado brasileiro para solucionar esse impasse?

Deve-se observar, bem como critérios adotados para a prisão preventiva – modalidade de prisão cautelar, elencada no artigo 311, do Código de Processo Penal – se há a necessidade da prisão do acusado, em virtude das garantidas de ordem pública e econômica.

Entende-se por garantia de ordem pública “como risco considerável de reiteração de ações delituosas por parte do acusado, caso permaneça em liberdade” (LIMA, p. 938, 2016), e por garantia da ordem econômica a possibilidade de “reiteração delituosa em relação a infrações penais que perturbem o livre exercício de qualquer atividade econômica” (LIMA, p. 941, 2016).

Além disso, pode-se também, separá-los dos presos condenados por sentença transitada em julgado. Pois assim, supondo que o judiciário julgasse pela absolvição do réu, este, não teria adentrado sob a influência de outros indivíduos que, de fato, estão encarcerados por cometerem atos ilícitos, e que na maioria das vezes, são altamente perigosos. 

 

 

REFERÊNCIAS

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 27. Ed. São Paulo: Malheiros, 2012.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus 126.262 (626). Pacte.(s): Marcos Antônio de Araújo. Impte.(s) : Plínio leite nunes e outro (a/s). Relator: Teori Zavascki. São Paulo, 5 de outubro de 2016. Lex: jurisprudência do STF.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 84.078-7. Paciente: Omar Coelho Vitor. Impetrante: Omar Coelho Vitor. João Eduardo de DrumondVerano e outro(a/s). Relator: Min. Eros Grau. Minas Gerais, 5 de fevereiro de 2009. Lex: Jurisprudência do STF.

BRASIL. Constituição da República do Brasil de 1988. Brasília, DF, Senado, 1988.

BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Vademecum. São Paulo: Saraiva, 2015.

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2002

CARNELUTI, Francesco. As misérias do processo penal. Campinas: Bookseller, 2002.

STRECK, Lênio Luiz. Tribunal do júri: símbolos e rituais. 4. Ed. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2001

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual do Processo Penal. 4.ed. Salvador: Juspodivm, 2016.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional - 7 º Ed – São Paulo: Saraiva, 2012.

SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição e proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entre proibição de excesso e de insuficiência.2003. 39 f. Palestra (Seminário Internacional do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), São Paulo, 2003.