EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA[1]

 

Samilla Sousa Rodrigues[2]

 

 

 

1 DESCRIÇÃO DO CASO

O caso paira sobre a decisão do HC 126292 que mudou o entendimento jurisprudencial a cerca da execução de pena condenatória em segundo grau. Para isso, será analisado dois princípios derivados do princípio da proporcionalidade.

 

2 QUESTÃO PRINCIPAL

2.1 Principio da proibição de excesso

Esse princípio deriva do princípio da proporcionalidade, que apresenta a faceta de garantismo positivista e garantismo negativista, de acordo com Lenio Streck (2013).

Preceitua Aury Lopes acerca deste princípio que ele “está diretamente relacionado ao principio da proporcionalidade, e pode ser considerado ainda como base da justa causa, a proporcionalidade se da entre os elementos que justificam a intervenção penal e processual, e o custo do processo penal” (LOPES JR, 2016, p.126 e 127).

Para tanto, é preciso entender o que seria o princípio da proibição de excesso:

A proibição do excesso se dá para que a lei estruture os limites de respeito entre a liberdade dos seres que vivem numa sociedade.

Exceder é utilizar de emprego de um meio desnecessário para se atingir um objetivo, meio este totalmente proibido, é a intensificação desnecessária de uma conduta inicialmente justificada.

Mas, não se pode ultrapassar os limites justificáveis. Cabe a análise da conduta, através das circunstâncias e das provas, para verificar se ocorreu excesso juridicamente proibido para aplicação das penas equivalentes.

O Princípio da Proibição do Excesso é bem notório no Direito Penal, pois excedendo-se o agente da conduta de um ato ilícito, ele já ultrapassou o proibido. No cumprimento do dever legal e no exercício de direito, é indispensável que o homem atue de acordo com o ordenamento jurídico (CONTI, [s.d.]).

 

Esse princípio faz parte do que Lenio Streck (2013) chama de garantismo negativista, no qual é “proteção contra os excessos do Estado”. Ou seja, é necessário se combater as ações do Estado que coloquem em perigo os direitos fundamentais, tais como o direito à presunção de inocência. Visto que, o mesmo, dentro do processo penal, deve ser garantido e efetivado.

A presunção de inocência é uma resposta às ideias iluministas, que invadiram a Europa no final do século XVIII, que trataram de se opor ao sistema inquisitório da época (RANGEL, 2015, p. 23-24).

Tal princípio vem consagrado na Declaração de Direitos do Homem(ONU, 1948):

Artigo 11. Todo o homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias a sua defesa.

 

Assim como na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), em seu artigo 5º, inciso LVII

Para tanto, a sentença penal condenatória deverá respeitar os limites, sem exceder e desrespeitar direitos do acusado. Um desses limites, é o da presunção de inocência, como aduz Capez (2012, p. 83) que haverá 3 momentos em que essa garantia deverá ser respeitada “no curso do processo penal, como paradigma de tratamento do imputado, especialmente no que concerne à análise da necessidade da prisão processual”.

Portanto, não se pode tratar o agente como culpado, sem antes ocorrer o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Como trecho do HC 126292, o voto de Gilmar Mendes fundamenta essa tese:

O núcleo essencial da presunção de não culpabilidade impõe o ônus da prova do crime e de sua autoria à acusação. Sob esse aspecto, não há maiores dúvidas de que estamos falando de um direito fundamental processual, de âmbito negativo. Além disso, a garantia impede, de uma forma geral, o tratamento do réu como culpado até o trânsito em julgado da sentença [...] A norma afirma que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da condenação[...] O que se tem é, por um lado, a importância de preservar o imputado contra juízos precipitados acerca de sua responsabilidade. Por outro, uma dificuldade de compatibilizar o respeito ao acusado com a progressiva demonstração de sua culpa (BRASIL, Habeas Corpus (HC) 126292/2016 – voto Ministro Gilmar Ferreira Mendes).

 

Somente quando for comprovada a culpa do agente é que se poderá, através da comprovação pelo juiz ou tribunal da autoria e materialidade do fato, dar inicio à execução da pena.

2.2 Princípio da Proibição de Defesa Deficiente

Esse princípio é uma nova faceta do princípio da proporcionalidade, que surgiu como forma de proteger os direitos fundamentais. Aduz Juliana Venturella Nahas Gavião (2005) que:

A proibição de proteção insuficiente constitui o limite inferior de valoração

do legislador, na medida em que fica adstrito a um ato suficientemente adequado e eficaz para garantir a proteção mínima exigida pela Constituição. Desse modo, em não havendo uma proteção normativa ao direito fundamental, no que tange à sua dimensão objetiva (ou seja, como imperativo de tutela), verifica-se ato de omissão estatal flagrantemente inconstitucional, porquanto impedirá a realização e o desfrute do direito fundamental por seu titular.

Portanto, tal princípio induz que o Estado aja de acordo a proteger e resguardar os direitos fundamentais da coletividade, sem agir de forma que prejudique ou ignore os mesmos.

Nesse caso adentra-se no chamado garantismo positivo, que segundo Lenio Streck (2013) seria:

Momento em que a preocupação do sistema jurídico será com o fato de o Estado não proteger suficientemente determinado direito fundamental, caso em que estar-se-á em face do que, a partir da doutrina alemã, passou-se a denominar de "proibição de proteção deficiente" (Untermassverbot).

 

Entende-se então que quando ocorre a prisão antes do trânsito em julgado, fala-se da proteção deficiente, a qual prejudica os direitos do acusado, como o direito à vida, dignidade humana e etc (BRASIL, Habeas Corpus (HC) 126292/2016).

 

3 QUESTÕES SECUNDÁRIAS

3.1 As regras e o respeito aos diretos de cada um devem ser flexibilizados em prol do interesse coletivo?

Sim, deve haver uma proporcionalidade. Por um lado os direitos e garantias individuais devem ser mantidos, até o ponto de não se excederam e prejudicarem a coletividade, ou seja, a proteção da mesma. Pois, o direito penal é um instrumento de proteção do coletivo, garantidor da paz social, visto que o mesmo tem o escopo de proteger bens como a vida, segurança e etc.

Além do mais, a própria Constituição Federal (BRASIL, 1988) em seu artigo 5º, inciso LXXVIII e em seu artigo 144, caput, deixam claro o papel do direito penal na proteção desses bens juridicamente relevantes.

3.2 O judiciário deve ouvir o clamor público?

Definitivamente não, pois, o judiciário pelo princípio da imparcialidade do juiz, o mesmo deverá buscar a verdade real no processo e se apartar de toda e qualquer influência de fora do processo.

Aduz Paulo Rangel (2015, p. 20) que:

A imparcialidade do juiz, portanto, tem como escopo afastar qualquer possibilidade de influência sobre a decisão que será prolatada, pois o compromisso com a verdade, dando a cada um o que é seu, é o principal objetivo da prestação jurisdicional.

 

Para Lenio Streck, no âmbito da dogmática jurídica, criou-se:

A distinção informal entre direito penal do fato e direito penal do autor. Dessa forma, acusa-se, defende-se e julga-se o indivíduo tido pelo fato criminoso que cometeu, mas pelo que ele representa, de forma efetiva, na tessitura da sociedade na qual esta inserido. E o papel social do acusado que definira a maneira corno será tratado/julgado (2001, p.117).

 

Ao ouvir o clamor público, o judiciário fugirá de seu julgamento imparcial e neutro e dará vazão aos sentimentos e emoções humanas, o que irá prejudicar o andamento do julgamento e como afirma Lenio, o individuo julgado por um crime é definido por ele, e a sociedade age de forma a “apedrejar” o mesmo.

3.3 Houve afronta ao art. 283 do CPP e art. 5°, inciso LVII da Constituição Federal?

Não, pois, o artigo 283 do CPP (1941) não impede que haja a prisão após condenação de segundo grau, uma vez comprovados a autoria e materialidade. Como bem afirma sua redação:

Art. 283.  Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva (BRASIL, 1941).

 

Já o artigo 5º da Constituição Federal (BRASIL, 1988) em seu inciso LVII, mostrou a efetividade da duração razoável do processo e a celeridade da tramitação do mesmo.

3.4 A demora nos julgamentos e o sistema recursal do CPP geram sensação de impunidade?

Sim, principalmente para as partes envolvidas no processo. Como tem-se uma gama de recursos no processo penal, há a facilidade de se imputar um deles e dar continuidade a julgamentos que por si só já são demorados. Segundo Brandão, em reportagem à Gazeta do Povo, ele afirma que “em parte, o problema ocorre devido ao sistema recursal brasileiro. Há uma quantidade de recursos ilimitados, recursos de recursos, que levam a demora excessiva” (CABRAL, 2011). 

3.5 Haverá impacto no sistema carcerário?

Sim, pois, com esse novo posicionamento do Supremo, aumentaria de forma considerável o número de presos nas penitenciárias, provocando um inchamento do sistema carcerário no Brasil.

De acordo com dados apresentados pela FGV Direito do Rio “o impacto representaria aproximadamente 0,6% no número de apenados no sistema prisional, em média 3.460 novos presos” (GALVÃO, 2016).

3.6 Qual a melhor política criminal a ser adotada pelo Estado brasileiro para solucionar esse impasse?

Investir em políticas públicas mais eficazes, visto que, a situação das prisões no Brasil é desumanizadora. As mesmas não cumprem seu papel de ressocializadora, mas acabam por retirar o pouco de dignidade humana que resta aos presos.

Segundo Santos, em entrevista à BBC Brasil, a experiência de prisões consideradas corretas, está na administração e gestão das mesmas. Caso que não acontece com frequência no Brasil (KAWAGUTI, 2014).

Para o professor especialista Cláudio Beato, em entrevista à BBC Brasil, quando o Estado falha em garantir direitos aos presos, inclusive o da dignidade da pessoa humana e da integridade física, dentro dessas instituições, ele possibilita que as prisões se tornem a principal causadora do aumento da criminalidade, pois, as facções vão surgindo e não se tem um controle do que acontece dentro e fora da prisão (KAWAGUTI, 2014).

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Código de Processo Penal (1941). São Paulo: Saraiva, 2014.

 

______. Constituição Federal (1988). São Paulo: Saraiva, 2014.

 

______. Superior Tribunal Federal (STF). Habeas Corpus 126.292. Pacte.(s): Marcio Rodrigues Dantas; Impte.: Maria Claudia de Seixas. Relator: MIN. Teori Zavascki. São Paulo, 17 de fevereiro de 2016. Disponível em: . Acesso em: 18 out. 2016.

 

CABRAL, Themys. Gazeta do Povo- Lentidão da Justiça cria imagem de impunidade. 2011. Disponível em: . Acesso em: 17 out. 2016.

 

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 83.

 

CONTI, Matilde Carone Slaibi. Do princípio da proibição do excesso. [s.d.]. Disponível em: <http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:q9WgMW7AQoEJ:www.cristinagutierrez.pro.br/variedades/artigos/varid_art1.doc+&cd=4&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: 18 out. 2016.

 

GALVÃO, Fernando. Estudo da FGV revela o impacto no sistema prisional da execução da pena após a decisão de segundo grau. 2016. Disponível em:< http://www.fernandogalvao.pro.br/2016/09/estudo-da-fgv-revela-o-impacto-no_3.html>. Acesso em 19 out 2016.

 

GAVIÃO, Juliana Venturella Nahas. A proibição da proteção deficiente. Revista do Ministério Público do Rs, Fono Alegre, n° 61, maio/2005. Disponível em: < http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:kBzM2hUrgjoJ:www.amprs.org.br/arquivos/revista_artigo/arquivo_1246460827.pdf+&cd=3&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: 18 out. 2016.

 

LOPES JR, Aury. Fundamentos do Processo Penal: Introdução Crítica. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 126-127.

 

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS-ONU. Declaração Universal dos Direitos do Homem. 1948. Disponível em: . Acesso em: 17 out. 2016.

 

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 23º ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 20,23-24.

 

STRECK, Lenio Luiz. Bem jurídico e Constituição: da proibição de excesso à proibição de proteção deficiente ou de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais. 2013. Disponível em: <https://ensaiosjuridicos.files.wordpress.com/2013/04/bem-jurc3addico-e-constituic3a7c3a3o-da-proibic3a7c3a3o-de-excesso-lenio.pdf>. Acesso em: 19 out 2016.

 

______, Lenio Luiz. Tribunal do Júri- Símbolos e Rituais. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 117.

 

KAWAGUTI, Luis. BBC Brasil- Prisões-modelo apontam soluções para crise carcerária no Brasil. 2014. Disponível em: < http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/03/140312_prisoes_modelo_abre_lk>. Acesso em: 19 out. 2016.

 

[1] Case destinado à disciplina de Processo Penal II, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco- UNDB.

[2] Aluna do 7º período vesp., do curso de Direito da UNDB.