EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA FUNDADA EM TÍTULO EXTRAJUDICIAL[1]

Samilla Sousa Rodrigues[2]

1 DESCRIÇÃO DO CASO

Após diversas alterações nos quadros societários de BETSAIDA VEÍCULOS LTDA., empresa atuante no comércio varejista de automóveis novos mediante concessão comercial, MOABE tornou-se detentor de 100% das quotas do capital social da referida pessoa jurídica. Pretendendo captar recursos financeiros para impulsionar as atividades da empresa, MOABE buscou investidores que pudessem adquirir quotas de BETSAIDA VEÍCULOS LTDA.

CALEBE mostrou-se interessado, o que resultou na assinatura, em fevereiro de 2010, de um protocolo de intenções, juntamente com duas testemunhas. O instrumento foi também firmado por RAABE, esposa de CALEBE, na qualidade de mera anuente, para fins de outorga uxória, já que ambos eram casados no regime da comunhão universal de bens.

Por intermédio de tal instrumento, firmado com cláusula de irrevogabilidade, CALEBE manifestou sua intenção em adquirir 50% das quotas do capital social de BETSAIDA, cujo preço seria ajustado entre as partes após o levantamento do passivo e da análise contábil-financeira da empresa. Outrossim, ficou previsto no documento que CALEBE desembolsaria, de imediato, no ato da assinatura da carta de intenções, 1 milhão de reais, os quais seriam repassados diretamente para a montadora concedente para fins de quitação de dívida contraída por BETSAIDA. Esse valor também seria abatido do preço final a ser ajustado na futura compra e venda de quotas.

Contudo, ao examinar a situação contábil-financeira de BETSAIDA, descobriu CALEBE que a empresa, na verdade, encontrava-se à beira da falência, sendo absolutamente inviável seu ingresso no capital social, razão pela qual desistiu do negócio.

Àquela altura, Calebe já tinha repassado à fabricante/concedente R$ 200 mil.

Inconformado com a desistência de CALEBE, MOABE e BETSAIDA ajuizaram, conjuntamente, em 18 de março de 2016, ação de execução fundada no Protocolo de Intenções, em face de CALEBE e sua esposa, pelo valor de R$ 800 mil (correspondente à diferença não repassada à montadora), mais acréscimos legais. Frustrada a penhora online de dinheiro dos devedores, os Exequentes requereram a penhora dos direitos do devedor sobre 05 ônibus gravados de alienação fiduciária perante um Banco.

O Juízo competente, de plano, indeferiu o pedido de penhora, sob o argumento de que CALEBE não seria proprietário dos ônibus, e sim o Banco financiador (credor no contrato de alienação fiduciária). E, logo após a apresentação dos Embargos do Devedor por CALEBE e sua esposa, o Magistrado, de ofício, determinou a suspensão da execução.

Por fim, após a resposta aos Embargos por parte de MOABE e BETSAIDA, o Juiz proferiu sentença de extinção do feito executivo, sob o fundamento de que:

a) o Protocolo de Intenções não teria natureza de título executivo e, mesmo que o fosse, estaria prescrito;

b) BETSAIDA e RAABE não teriam legitimidade para figurarem no pólo ativo e passivo, respectivamente, da execução.

Então, questiona-se: O título apresentado na inicial de execução é certo, líquido e exigível?

 

2 POSSÍVEL DECISÃO

 

Segundo o artigo 784, inciso III, do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015), o documento particular que for assinado pelo devedor e por duas testemunhas é considerado título executivo extrajudicial.

O título executivo extrajudicial presente no caso era certo e líquido. Certo porque, não há controvérsia quanto à existência do crédito. Ele é a própria carta de intenção. Líquido porque tem um valor, a liquidez se refere ao quantum. E o valor do título é de 1 milhão.

Entretanto, devido à prescrição, perdeu sua natureza de título extrajudicial, deixando também de ser exigível. Segundo o artigo 206, §5º, inciso I do Código Civil (BRASIL, 2002), o prazo é de 5 anos, e tal prazo já se passou.

 

3 QUESTÕES SECUNDÁRIAS

 

3.1 O princípio do devido processo legal foi observado no feito?             

 

Tal princípio está previsto no inciso LIV do Art. 5º, da Constituição Federal (BRASIL, 1988) e preceitua sobre a justiça no processo, a legalidade do direito como um todo.

Segundo Didier (2016, p. 66) o devido processo legal é “uma garantia contra o exercício abusivo do poder, qualquer poder”.

O princípio do processo legal corrobora outros mais, que fazem parte da estrutura do processo no Brasil. Tais princípios como: contraditório e ampla defesa; princípio do juiz natural; licitude das provas e dentre outros. Portanto, observa-se a complexidade desse princípio constitucional, que é também um direito fundamental (DIDIER, 2016, p.68).

Entretanto, esse direito não foi garantido no processo acima. Visto que, o juiz deu fim ao processo de execução beneficiando Calebe que entrou com um embargo do devedor. Mais prejudicou Moabe e Betsaida Veículos, que tem em mãos um protocolo de intenções com cláusula de irrevogabilidade. Esse protocolo, como tratado acima é um título executivo extrajudicial e mesmo sendo considerado prescrito, pelo juiz, ainda pode ser recorrido pelos credores.

 

3.2 Seria possível a penhora de direitos do devedor sobre bem financiado via contrato de alienação fiduciária? Caso positivo, qual a medida cabível em face da decisão de indeferimento da penhora?

 

Sim, é possível, pois, segundo julgados dos tribunais, é incabível a penhora do bem em alienação, mas a penhora dos direitos é admitida.

Como exemplo tem-se o julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que, ao julgar o Agravo de Instrumento Cv AI 10324120060540001 (TJ-MG, 2013), afirmou que “é possível a penhora dos direitos do devedor fiduciário oriundos de contrato de financiamento. Desnecessário constar impedimento judicial de transferência de veículo gravado com alienação fiduciária.”

Além do mais, o Código de Processo Civil (2015), em seu artigo 835, inciso XIII, deixa em aberto a possibilidade de “outros direitos”.

 

3.3 Qual o(s) prazo(s) prescricional(ais) aplicáveis?

 

O prazo é de 5 anos, conforme o disposto no artigo 206, §5º, inciso I do Código Civil (BRASIL, 2002), que dispõe: “Art. 206. Prescreve: [...]§ 5º Em cinco anos: I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular; [...]”.

 

3.4 Quais partes envolvidas possuem legitimidade ad causam para a execução e para os embargos?

Somente Moabe possui legitimidade para agir e para propor a ação, pois, sendo ele detentor de todo o capital da empresa Betsaida, ele é o real detentor da legitimidade e interessado. Por fim, como afirma Schiavi (2015) legitimidade ad causam se destina à “quais pessoas têm uma qualidade especial para postular em juízo, pois têm ligação direta com a pretensão posta em juízo”.

 

3.5 Quais medidas judiciais poderiam ser apresentadas na defesa dos interesses do(s) CREDOR(ES)? Com base em quais fundamentos de direito processual e material?

 

Poderia ser apresentado os embargos à execução, descritos pelo artigo 585, incisos II a VII do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015). Tais medidas tem o intuito de impugnar a cobrança de um crédito que seja de execução extrajudicial (MELLO, [s.d.]).

Ou seja, os embargos seria o instrumento ideal para defesa dos credores, visto que “com natureza jurídica de ação autônoma serão distribuídos por dependência e autuados em apartado, sendo a competência funcional de natureza absoluta” (MELLO, [s.d.]).

 

3.6 A esposa de Calebe é anuente ou coobrigada?

 

Ela é coobrigada, visto que eles são casados no regime de comunhão universal de bens. E como ela deu outorga, ela então é coobrigada.

 

 

RERERÊNCIAS

 

AI 10324120060540001/MG, Rel. Des. Gutemberg da Mota e Silva. Dje 03/12/2013. Disponível em: <http://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/118547678/agravo-de-instrumento-cv-ai-10324120060540001-mg>. Acesso em: 09 out. 2016.

 

BRASIL. Constituição Federal (1988). In: Vade Mecum. Organização de Luiz Roberto Curia, Livia Céspedes et al. São Paulo: Saraiva, 2014.

 

______. Lei n.13.105, de 16/03/2015. Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2ª ed., 2016.

 

______. Código Civil (2002). In: Vade Mecum. Organização de Luiz Roberto Curia, Livia Céspedes et al. São Paulo: Saraiva, 2014.

 

DIDIER, Fredie Jr. Curso de Direito- Processo Civil. Vol. 1. Salvador: Jusposidivim, 18ª ed., 2016, p. 66, 68.

 

MELLO, Camila Lorga Ferreira. Meios de defesa existentes na execução. [s.d.]. Disponível em:<http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7943>. Acesso em: 10 out. 2016.

 

SCHIAVI, Mauro. O Novo Código de Processo Civil e os pressupostos processuais e as condições da ação – impactos no processo do trabalho. 2015. Disponível em: <http://www.trt7.jus.br/escolajudicial/arquivos/files/busca/2015/O_novo_CPC_e_os_pressupostos_processuais_e_condicoes_da_acao.pdf>. Acesso em: 09 out. 2016.

 

 

[1] Case destinado à disciplina de Processo de Execução, do curso de direito vesp., da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco- UNDB.

[2] Aluna do 7º período, do curso de direito vesp., da UNDB.