A poesia de Augusto dos Anjos é, pois uma poesia de inquietação filosófica, de quem se debruça sobre o enigma do universo para indagar o sentido de sua própria vida. E mercê da generalização filosofante, o egocentrismo proclamado no titulo do mesmo livro “Eu”, acaba por se converter numa sofrida adesão a dor de todos os seres — o tamarindo, o cão, o bêbado, a meretriz, o tísico. (PAES, 1957:35)

 

• O poeta do “mau gosto”

 

Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos (Cruz do Espírito Santo, Paraíba, 20 de abril de 1884 - Leopoldina, Minas Gerais, 12 de novembro de 1914) foi um poeta paraibano, identificado muitas vezes como simbolista ou parnasiano, mas muitos críticos, como o poeta Ferreira Gullar, concordam em situá-lo como pré-moderno. É conhecido como um dos poetas mais estranhos do seu tempo, e até hoje sua obra é admirada (e detestada) tanto por leigos como por críticos literários.

 

• A linguagem e os signos

 

Além do cunho filosofal, a poética de Augusto dos Anjos apresenta uma linguagem cientificista, próxima do naturalismo. Era, de fato, um poeta de uma erudição muito aguçada, que sempre esteve preocupado com a escrita e a estética, com enfatiza e esclarece o escritor J. P. Paes (1957:36):

O poeta [Augusto dos Anjos] se vale da linguagem da Ciência, não para inculcar, didaticamente, noções abstratas, mas para exprimir sua estranha subjetividade. E fa-lo de modo criativo, em imprevistas justaposições de conceitos que o tornam um expressionista avant la lettre e justificam o interesse pela sua obra.

É importante ressaltar que um exemplar do “Eu” faz parte da Biblioteca da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, por causa dos termos científicos que Augusto dos Anjos utilizava em suas composições. E, por isso, percebe-se a poética de Augusto interagindo em diversas áreas do conhecimento humano.

 

• As obras

 

O Lamento das Coisas

 

Triste, a escutar, pancada por pancada,

A sucessividade dos segundos,

Ouço, em sons subterrâneos, do Orbe oriundos,

O choro da Energia abandonada!

É a dor da Força desaproveitada

— O cantochão dos dínamos profundos,

Que, podendo mover milhões de mundos,

jazem ainda na estática do Nada!

 

É o soluço da forma ainda imprecisa...

Da transcendência que se não realiza...

Da luz que não chegou a ser lampejo...

 

E é em suma, o subconsciente ai formidando

Da Natureza que parou, chorando,

No rudimentarismo do Desejo! (ANJOS, 1986: 169)

 

O Fim das Coisas

 

Pode o homem bruto, adstricto à ciência grave,

Arrancar, num triunfo surpreendente,

Das profundezas do Subconsciente

O milagre estupendo da aeronave!

 

Rasgue os broncos basaltos negros, cave,

Sôfrego, o solo sáxeo; e, na ânsia ardente

De perscrutar o íntimo do orbe, invente

A lâmpada aflogística de Davy!

 

Em vão! Contra o poder criador do Sonho

O Fim das Coisas mostra-se medonho

Como o desaguadouro atro de um rio ...

 

E quando, ao cabo do último milênio,

A humanidade vai pesar seu gênio

Encontra o mundo, que ela encheu, vazio! (IDEM, 1986: 170)

 

• A correlação entre os textos

 

Nos versos de “O Lamento das Coisas” e “O Fim das Coisa” predomina a linguagem cientifica (Medicina, Física, Química, Geologia) que confere um toque de erudição, prolixidade e complexidade à escrita de Augusto dos Anjos.

A característica mais importante e dominante nas duas composições é, certamente, a manifestação da vidência do poeta, à moda do simbolista francês Charles-Pierre Baudelaire (1821-1867).

 

• Discursividade e elementos ideológicos

 

Os dois poemas apresentam um discurso híbrido (Polêmico-Lúdico), com um grau médio de persuasão, pois há um “desejo do eu em dominar o referente” e, ao mesmo tempo, o autor provoca um debate mental no leitor.

Quanto à ideologia, as obras refletem o mundo da essência (absentia), aquilo que é verdade, como o trágico e horrendo “Fim das Coisas”, o homem enquanto destruidor de suas próprias ações. Esses escritos revelam a verdadeira face da sociedade burguesa: a tristeza e a dor da perda em todos os aspectos.

 

• As razões da angústia de Augusto dos Anjos

 

“Hoje, a literatura brasileira parece, outra vez, escurecida por trevas. Mas quem sabe se não se encontra, irreconhecido entre nós - ou mesmo longe de nós - o grande poeta que sabe dizer como este povo sofre e lhe prever uma nova aurora.” (Otto Maria Capeaux)

 

Entender Augusto é partilhar do mundo introspectivo evidenciado em algumas de suas obras, como “O Lamento das Coisas” e “O Fim das Coisas”, e, como leitor-sujeito, atingir o universo espiritual do eu-lírico.

O poeta, que para alguns era de “mau gosto”, mostra que a raiz de todas as dores está na vontade de viver. Logo, nota-se que a dimensão cósmica e a angústia moral da poesia de Augusto estão presentes não só no “Eu”, mas também em nós.

 

• Referências

 

ALMEIDA, Horácio de. As Razões da Angústia de Augusto dos Anjos. Rio de Janeiro: Gráfica Ouvidor, 1962.

 

ANJOS, Augusto dos. Os melhores poemas de Augusto dos Anjos. (Seleção de José Paulo Paes). São Paulo: Global, 1986.

 

BAUDELAIRE, Charles-Pierre. As flores do mal. São Paulo: Martin Claret, 2003.

 

CITELLI, Adilson. Linguagem e persuasão. 7. ed. São Paulo: Ática, 1993.

 

COUTINHO, Afrânio; BRAYNER, Sônia (org.). Augusto dos Anjos: textos críticos. Brasília: INL, 1973.

 

GULLAR, Ferreira. Augusto dos Anjos: toda a poesia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.

 

JUNIOR, Arnaldo Nogueira. Releituras: menu do autor. Disponível em: http://www.releituras.com/aanjos_menu.asp. Acesso 19.01.2008.