Eu vivo no passado - Disse o menino

Por Niége Moreira | 04/04/2014 | Crônicas

Às vezes, o tempo parece ter dificuldade para passar na vida de certas pessoas, ainda mais quando se apegam a certos fatos, momentos ou pessoas que não podem acompanhar para sempre e isto pode atordoar durante a vida inteira.

 
  Certa noite, João vai até o quarto em que seus pais dormiam, acorda a sua mãe e diz: "-Mãe, eu vivo no passado..." - com as pálpebras dilatadas lágrimas escorriam de seus olhos, a verdade se mostrava bem diante de sua face e não era algo com que pretendia lidar até o presente momento.
  A mãe de João percebeu na mesma hora que o filho precisava de seus conselhos, de seu ombro para chorar, mas que nada que dissesse poderia fazê-lo esquecer do tempo. "Meu filho...", dizia a mãe em tom baixo para tentar não despertar o pai que acordava cedo para ir trabalhar. "A vida é assim mesmo, às vezes levamos muito tempo para percebermos erros que cometemos, momentos que desvalorizamos e coisas a que nos prendemos que simplesmente deveriam se tornar meras e boas lembranças...". As palavras não pareceram resolver a mágoa de João, então resolveu desabafar...
  "Descobri muito tarde que a vida deve ser vivida, que quando certos fatos nos decorrem e passam é para servirem de aprendizados, que alguém que nos ame de verdade merece carinho, respeito e atenção, que quando temos um sonho, uma meta, é mais do que importante fazermos o possível, dentro do limite do correto e do permitido, para alcançarmos. Infelizmente, descobri isto muito tarde...". Não há nada mais doloroso para uma mãe que ver a tristeza percorrer os olhos do filho e não poder fazer nada. "Mas meu menino, você pode fazer tudo o que quiser em sua vida, mesmo que passado muito tempo, ainda há tempo para se dedicar a algo, como recuperar sua própria vida..."
  Após algum tempo, João foi embora do quarto dos pais, arrumou sua mala e partiu da casa. Na manhã seguinte, a mãe de João acorda e encontra um papel dobrado sobre a mesa, onde costuma se sentar para tomar o café da manhã. Seus olhos se enchem d'água, sua respiração falha, suas mãos perdiam a firmeza ao ler a breve carta que o filho lhe deixara:
 
  "Querida mãe, és a melhor mãe do mundo, me destes a melhor casa do mundo, me ensinastes tudo o que um filho poderia aprender com sua mãe, mas meu tempo vivendo no passado chegou ao fim. Este menino que vos fala mal sabe as gírias da atualidade, ou organizar seu tempo, ou ir trabalhar sem ter sua refeição preparada por sua própria mãe. Este menino deve aprender a viver, pois percebi ontem a noite, quando me vi no espelho, que não sou mais um menino e os 35 anos de idade que assinalam meu nascimento em minha carteira de identidade provam isto, obrigada por tudo".
 
  Não era culpa, não era tristeza, não era arrependimento, a mãe de João sentia orgulho de seu menino que finalmente resolvera virar adulto.
 
 
  ( Em meu Blog: http://niegenoticia.blogspot.com )