Criatividade parece ser uma qualidade muito requerida em nosso meio. Difundida pelo senso comum como a capacidade de criar coisas novas, inéditas, ela se tornou um conceito muito utilizado em vários contextos. Na escola, por exemplo, criticamos métodos de ensino “tradicionais”, que colocam o aluno no papel de quem ouve e aprende e o professor, de quem fala e ensina. “Temos que explorar a criatividade dos alunos para que pensem por si mesmos”, ouvimos muitos dos críticos de tais métodos dizerem. Nas empresas, o bom trabalhador é aquele que busca sempre soluções criativas para resolver os problemas de seu trabalho. A criatividade, neste contexto, é a responsável pelo profissional bem sucedido, que não fica estagnado em sua carreira e tem melhores chances de “subir” na empresa. E mesmo para quem não tem um “chefe” para observar estas qualidades pode ou não ser bem sucedido em seu ofício, dependendo da criatividade. Lembro-me de ouvir de uma pessoa que trabalhava com artesanato que não bastava saber as técnicas para fabricar peças bonitas e bem feitas, com qualidade; precisava de criatividade para se destacar e oferecer produtos diferenciados, que conquistassem o mercado consumidor.

Seja em qualquer um destes contextos, ou outros que você tenha imaginado ao começar a ler este artigo, a criatividade parece ser, de fato, muito importante para nossa vida em comunidade. Mas de onde vem essa tal criatividade?
Quando buscamos por uma definição, por exemplo, no Dicionário Aurélio, encontramos algo como: “s.f. qualidade de criador. Criador é quem cria, e criar é dar existência a algo, tirar algo do nada; dar origem; produzir, inventar, imaginar”. Aqui temos uma primeira resposta: criatividade vem do sentido de criação – dar origem a algo inédito, tirado “do nada”.

A palavra se origina do latim creatus, creare, que quer dizer dar vida a algo novo por inspiração. Inicialmente, essa palavra referia-se à criação num sentido religioso, remontando mesmo à idéia da criação do mundo por Deus (inicialmente, não havia nada, e Deus começou a criar tudo o que existe. A fonte, portanto para qualquer obra de criação humana eram as coisas divinas: por inspiração de Deus, o homem criava coisas na Terra. Isso queria dizer que, tudo o que o homem criava era por inspiração divina (fácil de entender, quando olhamos para o tipo de arte, por exemplo, que era permitida na Idade Média: vemos quadros de santos, arquiteturas grandiosas de igrejas e templos, e tudo remontando ao celestial, ao divino, por inspiração direta de Deus...). Com o passar do tempo, a idéia de criatividade foi perdendo o seu caráter religioso, assim como a influência do teocentrismo da Idade Média foi aos poucos dando lugar ao

Essa nova visão do comportamento criativo parece ser, em nosso ambiente científico e “moderno”, mais satisfatória do que uma inspiração divina, mas ainda não responde a uma questão: pode um comportamento surgir “do nada”? Até que ponto ser criativo é criar coisas e agir de formas nunca antes pensadas ou feitas? Vamos, então, tentar definir o que é ser criativo para entender de onde vem a criatividade – se é que ela está em algum lugar...

Considera-se como criativo algo que é novo ou inédito. Mas apenas isso não basta para que se considere alguma coisa como criativa, pois ela depende também do referencial que se utiliza: não basta ser novo ou inédito, mas precisa, necessariamente, ser relevante para a comunidade. Mas será que é possível criar alguma coisa sem nenhuma relação com o que vivemos em algum momento de nossas vidas?

Para Baum (1999), talvez o conceito de inédito ou novo não seja totalmente isento de uma história vivenciada pelo indivíduo que criou alguma coisa. Diz ele:

"Que história de reforço leva uma pessoa a escrever poesia? (...) quando um artista pinta um quadro ou um poeta escreve um poema, a questão fundamental da atividade é fazer algo nunca feito antes, algo original. Aparentemente consequências passadas nunca poderiam explicar trabalhos de arte, porque cada trabalho é único e novo. A originalidade do trabalho pode sugerir que o artista está de algum modo livre do passado, que alguma intenção interna guia o trabalho. Ao enfatizar a singularidade e a novidade de cada trabalho, essa concepção obscurece um fato igualmente óbvio sobre a atividade criativa: a relação que existe entre os vários trabalhos do mesmo artista. Como identifico que este é um quadro de Monet e aquele é um quadro de Renoir?" (BAUM, 1999, p. 101)

Podemos reconhecer a obra de um escultor ou de qualquer profissional, por exemplo, um arquiteto, pelos pontos em comum que cada criação dele possui. Mesmo as obras mais criativas possuem algumas características em comum com as obras anteriores do mesmo período ou autor. Uma peça tem características peculiares de seu dono, que a definem em determinada época (Baum, 1999).

A criatividade – ou o comportamento criativo – depende, portanto, da história prévia de reforçamento que um indivíduo vivenciou. Para Baum (1999), um pintor, por exemplo, foi provavelmente reforçado ao longo de sua vida, pelas pessoas que conviviam em seu meio, por pintar quadros. Tal reforço veio sob a forma dos elogios que recebeu pelas obras realizadas, pela aprovação de seu trabalho por pessoas importantes ou autoridades no assunto, pode ter ganhado dinheiro por aquilo que produziu. O seu comportamento de pintar (considerado aqui um comportamento operante reforçado, como qualquer outro que esta pessoa possa emitir) teve uma história de reforçamento na vida desta pessoa e passou a fazer parte de seu repertório.

Os trabalhos de Neuringer (2002; 2004) apontam algumas semelhanças entre a análise do comportamento criativo e da variabilidade comportamental, sugerindo que a análise funcional do comportamento de variar pode auxiliar na compreensão do comportamento de criar. Isto quer dizer que o nível de variação comportamental muda conforme as contingências de reforçamento. Quando um indivíduo é exposto a estímulos reforçadores contingentes à variabilidade, ele tende a variar seu comportamento. Ao contrário, quando é exposto a estímulos reforçadores contingentes à estereotipia (é levado a sempre agir da mesma forma), o organismo tende a repetir sempre o mesmo comportamento (Page & Neuringer, 1985).

Vamos pensar em um exemplo prático, de nosso cotidiano. Você se lembra da propaganda daquele sabão em pó famoso, que mostrava crianças sujas de tinta, de barro e outras manchas de difícil definição, que tinha o slogan “porque se sujar faz bem”? Então, é mais ou menos isso que quer dizer o reforçamento da variabilidade comportamental: quando uma criança é estimulada a explorar seu meio, mesmo que se suje (porque o sabão em pó vai limpar a sujeira depois...), ela tende a sempre variar seus comportamentos, pois estará exposta a mais ambientes e contextos diversificados, tendo que agir de formas diversificadas para se adaptar às novidades que experimenta. Mas, ao contrário, quando a criança é impedida de brincar em determinados locais e com diversos objetos, ela tende a manter-se sempre se comportando da mesma forma, pois seu ambiente e desafios serão sempre os mesmos (por que se comportar de forma diferente quando o local não varia, nem há desafios a vencer?).

Para Skinner (1966; 1981), o comportamento de variar é selecionado pelas consequências que produz no ambiente de um indivíduo. Ou seja, tanto o aparecimento inicial da variabilidade (considerado a primeira vez que um organismo emitiu um comportamento diferente de seu repertório) quanto a sua manutenção (o reforçamento positivo do comportamento de variar) são necessários à adaptação e sobrevivência dos indivíduos. Aqui consideramos a iniciativa, ou seja, comportar-se diante das situações emitindo novas respostas, diferentes das usualmente emitidas nestes contextos, como uma forma de variabilidade. Reforçando a variabilidade, reforça-se também o comportamento de tomar iniciativa.

Vamos tentar exemplificar como a criatividade pode ser importante com uma situação real. Consideremos um contexto que já foi citado no início deste texto, no qual seria desejável que ela ocorresse, que é a Educação. Pensemos nas escolas, nas formas tradicionais de ensino: será que a Educação Formal reforça a variabilidade ou a estereotipia? Pelo que já vimos (e até falamos lá atrás...), parece que a estereotipia é mais reforçada. Então, como poderíamos modificar as formas de se educar nossas crianças e jovens para que sejam criativos?

Caberia ao educador estabelecer contingências ambientais necessárias para o desenvolvimento do aluno. Esta contingência “(...) envolve um tipo peculiar de interação do indivíduo com o ambiente, no qual o próprio indivíduo, e não um outro agente, arranja as condições necessárias para a emissão de uma determinada resposta” (Nico, 2001a, citado por Barbosa, 2003, p. 191). Ou seja, o educador permite que o aluno aprenda a manipular as variáveis do ambiente para obter seus reforçadores (em outras palavras, permite que ele varie seus comportamentos, buscando se adaptar ao ambiente e sendo criativo).

Segundo Barbosa (2003), a escola que procura desenvolver a variabilidade e a criatividade dos seus alunos poderiam promover atividades como estas:

  • Descrever como uma pessoa pensou ou agiu para descobrir algo;
  • Fornecer conhecimentos complementares a serem utilizados na solução de problemas;
  • Favorecer comportamento exploratório individual do aluno;
  • Solicitar proposição ou descrição de fatos de diferentes formas

 

Portanto, por tudo o que foi exposto, podemos concluir que:

  • O comportamento criativo é fruto de uma história de reforçamento, assim como qualquer outro comportamento operante.
  • Entender e promover a variabilidade comportamental pode auxiliar no entendimento e na promoção do comportamento criativo.
  • No contexto da Educação, a criatividade pode ser ensinada ao se manejar as contingências às quais a criança ou o jovem é exposto.

 

Referências Bibliográficas:


Barbosa, J. I. C. (2003). A criatividade sob o enfoque da análise do comportamento. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, Vol V no. 2, pp.185-193.

Baum, W. (1999). Compreender o behaviorismo – ciência, comportamento e cultura. [Trad. Maria Teresa Araújo Silva]. Porto Alegre: Artmed

Neuringer, A. (2002). Operant variability: Evidence, function, and theory. Psychonomic Bulletin & Review, 9, 672-705.

Neuringer, A. (2004). Reinforced variability in animals and people: Implications for adaptative action. American Psychologist, 59, 891-906.

Oliveira-Castro & Oliveira-Castro (2001). A função adverbial de “inteligência”: definições e usos em Psicologia. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 17 (3), 257-264.

Page, S. & Neuringer, A. (1985). Variability is an operant. Journal of Experimental Psychology: Animal Behavior Processes, 11, 429-452.

Skinner, B. F. (1966). The phylogeny and ontogeny of behavior. Science, 153, 1204-1213.

Skinner, B. F. (1981). Selection by consequences. Science, 213, 501-504.