EU NÃO SOU VELHA – SÓ FIZ MUITOS ANIVERSÁRIOS!

Maria Eunice Gennari Silva

Meu neto, no auge dos seus 4 anos, deu uma tacada de mestre. Após minha filha dizer a ele que não ficasse me pedindo muita coisa, porque eu já estava velha, ele olhou para ela e, calmamente, esclareceu de forma surpreendente e muito sábia, como ele compreendia os meus anos de vida:

- Olha mãe, minha vó não é velha. Ela só já fez muitos aniversários!

Como fiquei feliz!

Na explicação dele estava a simplicidade de uma criança que, além de gentil, falava verdades incontestáveis, pois, de fato, já fiz 67 aniversários. E, de fato, eles não me deixaram velha. Mas me ensinaram que vale a pena aprender com uma criança de 4 anos de idade.

Neste bate papo, minha filha e eu fomos aprendendo, também, que o privilégio de fazer muitos aniversários era apenas o de comemorar o tempo vivido e não a quantidade de anos, o que nos animou em prosseguir e aprofundar a conversa. Então, logo em seguida, perguntei ao meu neto:

- O que é fazer muitos aniversários?

E ele, rapidamente, respondeu:

- Você não sabia vovó? É cantar muitos parabéns com as pessoas que gostam da gente.

Na hora, foi possível rever, como um filme em curta metragem, vários aniversários já comemorados. Em todos eles a minha memória registrava a mesa e, em volta dela, as pessoas com as quais eu trocava relação de afetividade e bem querer. Em cada rosto lembrado eu via a certeza que todas elas compartilhavam comigo mais um dia de festa de aniversário.

Na infância, na adolescência ou na fase adulta pude rever as salas festivas por onde comemorei os meus muitos aniversários. Nelas, a presença das pessoas que compareciam para que, juntas, apagássemos a vela sobre o bolo. E eu, então, iniciasse, a partir daí, a melhor história para ser contada e cantada, no próximo aniversário.

O meu neto, mais uma vez, conseguiu, com simplicidade, presentear-me com lembranças que ele nem conhecia, mas que, em cada uma delas, estavam todos que realmente gostavam de mim. Marcando presença na alegria de datas comemorativas e, também, nos encontros de dor e grandes desafios, estas foram as pessoas que, enquanto eu celebrava os muitos aniversários, iam acrescentando aos meus anos de vida o privilégio de se ter família, amigos, educação, trabalho e muitos vales para atravessar.

Este tempo único e especial, com o meu neto e minha filha, certamente, jamais será apagado da minha memória. O conceito dele, a respeito da velhice, reacendeu e reforçou as minhas esperanças para esta geração, culturalmente, tão mal interpretada e muitas vezes desrespeitada, neste país. Na sua facilidade de não complicar a vida, o meu neto se posicionou muito além de uma preocupação com terminologias, do tipo: ser velho ou ser idoso?

Independente dos rótulos, ele me fez compreender que vim pela vida, fazendo muitos aniversários, com muito gosto e sabores, enquanto alegrias e tristezas foram acontecendo, para que eu tivesse, sempre, a liberdade de aprender e ensinar, de ensinar e aprender. 

A partir deste dia utilizei este tempo valioso e as definições do meu neto em todos os lugares onde me convidavam, para falar sobre educação, projetos de vida, relacionamentos afetivos familiares e profissionais.

E não dava outra, era só repetir sua frase: “Olha mãe, minha vó não é velha. Ela só já fez muitos aniversários!”, e toda plateia se deliciava. A sensação era de que as pessoas conseguiam enxergar a possibilidade de não ficar velho, cansado, apagado ou mau humorado. Que mesmo passando por todos os “vales da sombra da morte”, podemos, sim, em ritmo de festa e alegria, ir comemorando muitos aniversários. Sem dúvida, para estas pessoas, na frase estava a perspectiva de ser livre e sonhar com a realização de muitos projetos.

É bom lembrar que o tempo vivido até a comemoração dos nossos aniversários está marcado, dia a dia, no calendário. Nele, o hoje é inevitável. No entanto, nós podemos escolher como será o amanhã de todo dia. Estas escolhas definirão a qualidade dos nossos muitos aniversários, até que, lá na frente, bem lá na frente mesmo, possamos perceber, ou não, o sentido de uma longa vida produtiva, inovada e renovada. Só assim, com os olhos fixos no horizonte, a construção dos nossos projetos serão edificados e, continuamente, aperfeiçoados.

Na contação das minhas histórias vividas, para o meu neto, eu compreendi, também, que a saudade não traz tristeza. Ela tem o tamanho das coisas que trago no coração. Quando elas não me agradam, não adianta, porque já aconteceram, mas posso, até o próximo aniversário, fazer diferente, reconstruindo uma boa história. Quando elas me agradam, que bom. Se precisar, vou contá-las tantas quantas vezes forem necessárias.

Portanto, se você tiver netos, pode ter certeza que eles vão adorar suas boas histórias e farão você repeti-las, sempre. Basta você não ficar velho, é só ir comemorando os muitos aniversários que a vida lhe der.