Então cá estamos nós, eu e você, meu prezado leitor. Muito admiraria se fosse capaz de sentir o que sinto nesse momento, seria muito difícil expressar por meio de palavras o meu estado de espírito atual, mas farei um esforço: Já sentiu a alegria de ser amado? E não apenas ser amado, mas de amar correspondendo a esse amor? Pois bem, é algo fascinante de se sentir, o dia torna-se belo, um caminhar pelo campo numa manhã de verão torna-se tão próximo do passear pelo paraíso divino prometido por Deus, quando estou junto a ela. Olhar nos olhos dela e dizer o que sinto é como chorar o que por muitos anos é retido dentro de nós mesmos desde a última vez que choramos por alegria pura! Ouví-la dizer que me ama é como me transformar de uma lagarta hedionda numa bela mariposa azul celeste, livremente voando, admirando o ar vívido que respira, sentindo o vento ser agitado com suas asas azuis... é viver!

 Entretanto caro leitor as coisas mudam, os ventos mudam de forma tão imprevista, muda como somente a natureza é capaz de mudar, distorce a linha do destino, nos tira o que mais nos é importante, e assim como num dia frio de inverno uma mariposa azul celeste padece congelada e com fome sob uma árvore que falhara sua função de abrigo, também meu amor padece por razões banais a qualquer criatura, e com ela morre também meu sentimento de liberdade e existência, com ela se vão minhas asas, aquelas que permitiam que eu enxergasse o mundo de cima, vendo o que há de mais belo até mesmo no cair de uma folha no outono.

 Sinto-me novamente como uma lagarta, entretanto desta vez sabia o que era voar, sou um pássaro sem asas, um yin sem yang, sem propósito, sem razão. Nunca pensei que chegaria a tal ponto, amar incondicionalmente tanto uma criatura como a amava, nunca cheguei a pensar na possibilidade de uma morte tão breve, não estava pronto para, novamente, estar sozinho no mundo. Não estava pronto para tão brevemente ter de ouvir canções fúnebres.

 Será então, atencioso leitor, possível viver sem amor? Serei forte o suficiente para conviver com a culpa de não estar presente no último suspiro de minha amada? Não fui capaz de vê-la partir, nem fui forte o suficiente para dizê-la o quanto a amo mais uma vez. Não fui nada mais do que um covarde egoísta que chorava ao telefone ao ser informado de sua situação...

 Talvez seja simples assim, seja a hora qual for, quero estar com ela, que me custe a vida se for preciso, pois não existe amor que se compare ao que eu vivi. Tenho certeza que a encontrarei, tenho certeza que como um anjo que era, ela vira me buscar, por isso agora deixa essa carta a você... prezado leitor, que disponibiliza de seu tempo para ler as últimas palavras de um eu-lírico incapaz de viver na realidade, sem forças para continuar. Simplesmente pronto para doar seu corpo, para poder reencontrar suas asas...

 Que minha morte passe despercebida pelo mundo e que a única ponte entre mim e o mundo seja esta carta que escrevo com lágrimas nos olhos, não de tristeza, mas de alegria, de amor, contidas no mais profundo do meu consciente e, quem sabe, até do meu fébril inconsciente que não pode mais ser considerado são, mas sadio de amor, sem razão. Não haverá morte mais digna do que a morte por amor!