A que nos referimos quando usamos a expressão: Ética Cristã?

A resposta, invariavelmente, soa como: os valores que norteiam os comportamentos dos cristãos.

Sendo essa nossa resposta, somos levados à constatação de um terrível dilema: se por ética cristã entendermos “os valores que norteiam os comportamentos dos cristãos”: ou os cristãos não entenderam nada daquilo que Jesus ensinou ou os cristãos não estão levando a sério os ensinamentos de Jesus.

O fato é que a expressão ética cristã cobra uma reflexão a mais, por parte daqueles que se denominam de cristãos. Exige que esclareçamos: o que entendemos por “ser cristão”? O que são os “valores”? O que vem a ser “ética” e qual sua relação com a moral?

O problema que se coloca neste ponto vai além de saber quem é ou não cristão. A questão central deste problema é saber quais as implicações de sê-lo.

Muitos são os que afirmam: uma pessoa é cristã se for batizada em nome de Jesus Cristo; ou não é cristã porque não recebeu o batismo. Afinal de contas “quem crer e for batizado será salvo”, diz a escritura (Mc 16,16).

Devemos notar, entretanto, que esta afirmação diz respeito não à denominação e determinação do ser cristão, mas a um critério de salvação. É verdade que o batismo é um caminho de salvação, mas é, também um pré-requisito para que alguém seja cristão.

Caso nos perguntássemos sobre a origem teológica da denominação de cristão, para os seguidores de Cristo, ela poderia ser encontrada no livro de Atos dos Apóstolos (11,26). texto que afirma ter sido em Antioquia o local onde os seguidores de Jesus, pela primeira vez foram chamados de cristãos.

Esse versículo, entretanto, deve ser lido e entendido no contexto do capitulo 11. É aqui que se justifica, a partir do discurso de Pedro, a cisão entre o judaísmo e os seguidores do Nazareno. Podemos, dizer, portanto que a comunidade de Antioquia tem, não só uma importância histórica como também teológica. E o discurso de Pedro (11,5-18), demonstra que tudo é puro, uma vez que foi purificado por Deus. E isso definiu a diferenciação e distinção entre os judeus e os seguidores do Nazareno. Por adotarem postura diferente dos Judeus, os seguidores de Jesus passam a ser chamados de cristãos, uma vez que já não se enquadravam nos pressupostos e às delimitações judaicas.

Isso posto podemos dizer que são cristãos todos os que são batizados e, além disso, indiferente e independentemente da denominação religiosa, acreditam e seguem os ensinamentos de Jesus de Nazaré.

Sabendo quem são os cristãos, a questão a ser respondida, agora é: em que consiste o ser cristão? Já foram enumeradas algumas das características: ser batizado, acreditar e seguimento. Além disso, deve-se acrescentar a dimensão do seguimento e da fidelidade.

As dimensões do seguimento e da fidelidade nos são apresentadas pelo apóstolo Paulo quando orienta a comunidade de Corinto: “Sede meus imitadores como eu o sou de Cristo”, diz ele em 1Cor 11,1. Portanto não se trata de admirar a postura do nazareno, mas imitar fielmente seus passos. Ou seja, manter a roda da vida girando em favor do outro. O seguimento de Jesus implica em que a vida do cristão seja de doação ao outro e não uma vida em busca dos benefícios pessoais.

Na música: “amar como Jesus amou” (que pode ser ouvida em: https://www.letras.mus.br/padre-zezinho/205779/), o padre Zezinho indica algumas características desse seguimento/imitação. O personagem da música, ao ser indagado por uma criança sobre uma “receita da felicidade”, responde dizendo que é necessário fazer como fez Jesus:

Um dia uma criança me parou, olhou-me nos meus olhos a sorrir

Caneta e papel na sua mão, tarefa escolar para cumprir

E perguntou no meio de um sorriso, o que é preciso para ser feliz?

Amar como Jesus amou,

Sonhar como Jesus sonhou,

Pensar como Jesus pensou,

Viver como Jesus viveu,

Sentir o que Jesus sentia,

Sorrir como Jesus sorria

E ao chegar ao fim do dia

Eu sei que dormiria muito mais feliz.

Na sequência da música a criança diz que a receita é linda. E pede para anotar o ensinamento. Ele repete e solicita fidelidade na transmissão da mensagem. Podemos acrescentar que: mais do que ser fiel na transmissão da mensagem é necessário ser fiel em fazer o que Jesus fazia. Ou, segundo a recomendação de Paulo, é necessário completar em nós as tribulação de Cristo, como afirma o apóstolo na carta aos Colossenses (1,24) “alegro-me nos sofrimentos que suporto por vós e completo na minha carne o que falta às tribulações de Cristo, pelo seu Corpo, que é a Igreja.”

Isso implica dizer que para alguém se fazer chamar de cristão, precisa demonstrar que: é batizado, acredita (que tem fé), segue Jesus e o imita, é fiel e procura, ao longo de sua vida, fazer o que Jesus fazia em favor do corpo de Cristo: a Igreja. A Igreja enquanto comunidade e aos membros da igreja, sem os quais ela não existe. A ação em favor dos membros da Igreja é exigência do próprio Cristo, quando diz: “todas as vezes que fizestes isso a um destes pequeninos foi a mim que o fizestes” (Mt 25,39).

Sendo assim, se quisermos saber de uma ética cristã, precisamos ter isto presente: saber quem é e o que é ser cristão. É o cristão que vivencia a ética. As posturas éticas independem do cristão, mas se queremos saber da dimensão cristã da ética, precisamos juntar os valores éticos e aqueles que se fazem chamar de cristão. A ética cristã, portanto, é um reflexo da vida do cristão.

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Rolim de Moura - RO