Os ditos "especialistas" têm sido unânimes ao dizer que o país precisa de um maior compromisso com a educação no intuito de minimizar certos problemas sociais como a pobreza, a violência, a extrema desigualdade salarial, a escassez de oportunidades de trabalho, o vício em drogas, as deficiências de linguagem e de cognição, dentre outros. Mas muito pouco ou nada tem sido dito a respeito do tipo de modelo educativo que devemos adotar.

                   O que tem sido feito até agora, não passa de plágio dos modelos que lograram êxito em outros países. Não há dúvidas de que esta é uma medida preguiçosa, cujos resultados não têm se mostrado satisfatórios, porque não leva em consideração os aspectos culturais, destes países, que influenciaram na formação e adoção dos seus respectivos modelos e também porque se trata de uma imitação incompleta.

                 Dentre os aspectos culturais, um exemplo específico, que nos faz malograr como imitadores, é que em outros países - dos quais destaco os Estados Unidos - há uma meta a ser alcançada que é estabelecida, desde cedo, para o estudante através do incentivo de sua família e que consiste em entrar numa universidade de renome. No entanto, tal meta está subordinada ao desempenho escolar pregresso. Também há a prática de esportes somada à forte presença do treinador na construção do caráter dos alunos. A combinação destes dois fatores leva à exacerbação da vontade e, por extensão, ao desenvolvimento de qualidades pujantes como o comprometimento, a concentração, a disciplina, a determinação, a competitividade, o espírito de equipe, a responsabilidade e, como consequência, o amadurecimento.

                     Em nosso país, não há meta, pré-estabelecida, a ser alcançada e nem exigências de desempenho a longo prazo. Quanto às práticas esportivas escolares (quando existem) o técnico é apenas um técnico e não um construtor do tipo de caráter socialmente desejável.

                       Apesar de haver esta superioridade do sistema educativo americano sobre o nosso, ele ainda é deficiente no que se refere à transmissão de um conhecimento sem se esclarecer, previamente, o "para que" (serventia) deste conhecimento. Este "para que" que, normalmente, é exigido dos alunos, de várias gerações, não tem a ver apenas com a demonstração da utilidade global (inespecífica) de tal conhecimento mas, sim, com a sua exigência cotidiana (específica) dentro do seu meio social. Vejamos um exemplo: se nos perguntarmos se a química, a astronomia, a física, a aritmética, a botânica e a zoologia são úteis, a resposta, obviamente, será sim. Porém se nos perguntarmos quais delas fazem parte das exigências cotidianas capazes de satisfazer o "para que" proposto pelos alunos, veremos que só a aritmética preenche este quesito plenamente. Sendo assim, se o que é útil não satisfizer as exigências da cotidianidade, ele se torna inútil ou, apenas, útil para o profissional de determinadas áreas.

                      Além dos critérios da utilidade e da cotidianidade usados para satisfazer o "para que" exigido na obtenção do conhecimento, há um terceiro critério, que é a imprescindibilidade.

                       Assim, a pergunta que cabe aqui, considerando-se cada indivíduo isoladamente, é a seguinte: Que tipo de conhecimento é imprescindível à sobrevivência, à manutenção e à formação pessoal de todo e de qualquer indivíduo?

                      Basicamente queremos nos manter nutridos, saudáveis (física e mentalmente) e abrigados. Portanto, é imprescindível que o indivíduo tenha conhecimentos básicos de técnicas de sobrevivência, de culinária, de cultivo de plantas e criação de animais para o seu sustento; tenha também conhecimentos de medicina, de psicologia, dos sentidos, das emoções e dos sentimentos, do tipo de alimentação que irá mantê-lo mais saudável (educação alimentar) e, por último, que tenha conhecimento de engenharia para, se necessário, construir ou supervisionar a construção de sua própria moradia.

                        É claro que muitas vezes o que é imprescindível torna-se semi-imprescindível ou até prescindível em razão do tipo de sociedade na qual o indivíduo está inserido. É o caso, por exemplo, do conhecimento de técnicas de sobrevivência e da culinária. Hoje em muitas sociedades existem condições que criam a desnecessidade de se saber como sobreviver em ambientes hostis devido ao conforto oferecido e de se saber como  cozinhar pois há comida pronta, com preços relativamente baixos, em restaurantes self-service. Em linhas gerais isso  significa que à medida  em que a sociedade for capaz de nos prover não só dos recursos que eliminem a severidade das condições naturais como também dos produtos que eliminem a necessidade de produzi-los ou de processá-los, menos imprescindível se torna o conhecimento relativo à sobrevivência e aos processos de produção e processamento destes produtos. Entretanto, como ainda restam as inúmeras situações não civilizatórias em que poderemos necessitar destes conhecimentos, é pensando, justamente nestas situações que devemos considerá-los imprescindíveis.

                   O critério da imprescindibilidade não diz respeito apenas à formação pessoal do indivíduo mas deve ser aplicado para obter-se a sua formação social. Cabe-nos então estabelecer que tipo de conhecimento é imprescindível às células individuais humanas para a constituição do corpo social.

                          Primeiramente sabemos que toda sociedade só se constitui de forma organizada, após o estabelecimento de leis. Então é imprescindível que todo o indivíduo as conheça. Criar um decreto de lei que diz que "ninguém se escusa de cumprir a lei alegando que não a conhece" é o mesmo que dizer que ninguém pode deixar de cumprir a lei mesmo não a conhecendo, pois está proibido de alegar que a desconhece. Tal imposição, na forma de lei, é um disparate porque não produz o efeito do conhecimento das leis, conhecendo-se a mesma (imposição) ou não. Isso se deve ao fato de que não há como proporcionar ao indivíduo o conhecimento daquilo que não é conhecimento inato sem que ele (indivíduo) seja levado a conhecer. Sei, por exemplo, (como conhecimento inato) que preciso tomar água e comer sem que ninguém me fale, pois tenho sede e fome, mas não sei nada sobre as leis razão pela qual preciso ser levado a saber. Por este motivo é imprescindível que o aluno aprenda leis na escola, porque sem elas não há sociedade e ao aprendê-las, aí sim, não poderá alegar que as desconhece. 

                     Um outro tipo de conhecimento que é imprescindível, quando se vive em sociedade é o conhecimento, não apenas superficial mas profundo, da linguagem uma vez que esta é o instrumento pelo qual, predominantemente, se transmite o conhecimento. Através da linguagem as pessoas se tornam cognoscíveis  umas para as outras quando expressam suas emoções, sentimentos, ideias e pensamentos. Sem a linguagem não há como se estabelecer as leis, nem as relações interpessoais ou qualquer tipo de sociedade.

                    Imprescindível também é o conhecimento da empatia que não se dá apenas pela compreensão do significado desta palavra mas, principalmente, pela prática baseada no revezamento experiencial, que possibilita, de fato, colocar o sujeito A na situação do sujeito B e vice-versa. Acrescente-se a isso os trabalhos comunitários e veremos surgir o sentimento aglutinante de humanidade na formação do caráter social do indivíduo.

                          Havendo uma sólida formação pessoal e social do indivíduo, resta destacar o que é imprescindível para a sua formação profissional.

                         Atualmente, os alunos passam a maior parte do tempo nas escolas aprendendo disciplinas que, na maioria das vezes, não terão qualquer relação com o tipo de profissão que irão exercer no futuro e, tão pouco, tem para este, aplicabilidade cotidiana. Não faz sentido nenhum,  por exemplo, ensinar para aquele que pretende ser advogado, filósofo, linguista, psicólogo, economista, etc, disciplinas como a física, a química e certas áreas da matemática (com exceção da aritmética e da geometria) que além de não terem aplicabilidade e exigibilidade cotidiana para o cidadão comum, não as têm para estes profissionais. Também não faz sentido ensiná-las ao médico, fotógrafo, arqueólogo, dentista, etc, que são apenas técnicos e normalmente as aprendem sob a forma credível (teórica), dissociada da forma demonstrável (prática) como acontece com o pesquisador. Ensinar coisas que são prescindíveis para o cidadão comum ou para aquele que pretende seguir dada profissão é mero deserdício de tempo. Este tempo seria melhor empregado para se obter a qualificação multiprofissional do indivíduo que, no momento histórico atual, passou a ser de grande valia pela exigibilidade cotidiana.

                           Sistematizando o que foi dito até aqui, podemos dizer que existem três etapas cruciais na formação do indivíduo:

1. Formação pessoal - visando a autopreservação e o autoconhecimento;

2. Formação social -  visando a humanização do indivíduo, que envolve a compreensão dos

                              mecanismos  da  sociedade  e a adaptação e participação producente

                              e  crítica do mesmo, nesta;

3. Formação multiprofissional - visando as exigências cotidianas provenientes do momento

                                             histórico.

                             Cada etapa deve obedecer três critérios para se definir quais conhecimentos e disciplinas serão administrados. Estes critérios são: a imprescindibilidade, a cotidianidade (exigência cotidiana) e a utilidade. Desta forma, se quisermos verificar se alguma disciplina deve fazer parte da formação pessoal do indivíduo, devemos proceder do seguinte modo:

                                Disciplina: Geografia - É inprescindível - (Não)

                                                                É útil - (Sim)

                                                                É exigível cotidianamente - (Não)

                              Portanto a geografia não interessa à formação pessoal do indivíduo mas, somente, à formação do profissional desta área sendo para este imprescindível, útil e aplicável cotidianamente.

                                Vejamos agora o que pode ser dito sobre o conhecimento de informática para a formação  social do indivíduo:

                                 É imprescindível - (Não)

                                 É útil - (Sim)

                                 É exigível cotidianamente - (Sim)

                                 Isso significa que a informática, por satisfazer dois critérios, principalmente o da cotidianidade que tem relação com o momento histórico, deve fazer parte do currículo do indivíduo em sua formação social, pois ela acaba adquirindo uma certa imprescindibilidade, devido à exigência do momento histórico. 

                                Na formação pessoal e social, qual é o papel do conhecimento de filosofia, psicologia e sociologia?

                                 É imprescindível - (Sim)

                                 É útil - (Sim)

                                 É exigível cotidianamente - (Sim)

                                 Com estes critérios fica fácil, também, para se estabelecer quais partes de determinadas disciplinas devem ser dadas. Exemplo: Aritmética (que faz parte da matemática).

                                 Na formação pessoal:

                                 É imprescindível - (Não)

                                 É útil - (Sim)

                                 É exigível cotidianamente - (Sim)

                                 Na formação social:

                                 É imprescindível - (Sim)

                                 É útil - (Sim)

                                 É exigível cotidianamente - (Sim)

                                 Na formação profissional:

                                 É imprescindível - (Sim)

                                 É útil - (Sim)

                                 É exigível cotidianamente - (Sim)    

                               Creio que estes exemplos são suficientes para dar uma ideia clara do método e sistema propostos.

                                Passemos agora ao critério que deve ser exigido daquele que vai fornecer o conhecimento. Antes de mais nada a pergunta que aqui cabe é: A quem interessa o conhecimento?

                                   O conhecimento interessa ao indivíduo e à sociedade. Sendo que a sociedade, com aspirações democráticas, é representada legitimamente pelo Estado. Isso significa que deve ser do interesse do Estado formar cidadãos, cabendo ao mesmo a responsabilidade exclusiva pela educação o que exclui qualquer participação do setor privado.

                                     A educação deve ser gratuita, pois o retorno deste investimento é obtido com a formação do cidadão socialmente desejável.

                                        O modelo seguiria as especificações mencionadas anteriormente e, para que tudo funcionasse bem, seria necessário eliminar o fator subjetivo do ensino que é dado através do professor. Como todos nós sabemos, nem todos os professores estão igualmente preparados, apresentam o mesmo interesse em ensinar ou desenvolvem a mesma afinidade no trato com os alunos. Isso provém de uma série de fatores, que não nos compete aqui mencionar.

                                         Para eliminar esta subjetividade, os professores passariam a desempenhar o papel de monitores, cuja função seria a de recapitular as aulas, esclarecer as dúvidas e manter a disciplina da classe.

                                        O material referente às disciplinas seria produzido e fornecido pelo Estado, na forma de tele-aulas, que ficariam disponíveis na internet. Mas não haveria a participação deste na escolha das disciplinas e elaboração das tele-aulas. Esta escolha e elaboração seguiria à risca o modelo descrito e ficaria a cargo de alguma secretaria criada para esta finalidade e que teria a participação democrática de um corpo de profissionais, do país, da mais alta competência. 

                                             Assim, consolidaríamos o critério da objetividade e da imparcialidade na transferência do conhecimento e, em poucas gerações, veríamos o país sair da condição de imitador e alçar a condição de imitado.