ESTUPRO DE VULNERÁVEL

 

Tassyo de Azevedo

Massell Barros

Resumo

Guto, com 19 anos de idade, namora Laura, que tem apenas 13 anos e meio e já é mãe do bebê Dino. Em um sábado à noite, após muita insistência de Laura, o casal teve sua primeira relação sexual. Entretanto, os pais da adolescente haviam viajado e pedido para que sua vizinha Dorotéia ficasse de olho na filha. Dorotéia, que não simpatizava muito com Guto, pois sempre pensou que ele só queria se aproveitar da menina, o denunciou por estupro de vulnerável, após vê-lo sair da casa de Laura em plena madrugada. Diante disso questionasse se por tal conduta Guto deve ser condenado por no mínimo 8 anos de prisão.

 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO:

A conduta de Guto é tipificada segundo o artigo 217-A do Código Penal, que afirma que:

Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:

Pena-reclusão de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

1º incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

2º VETADO

3º Se a conduta resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena- reclusão de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.

4º Se a conduta resulta morte:

Pena- reclusão, de 12(doze) a 30 (trinta) anos.

O referido artigo fora promulgado através da Lei 12.015/09, principalmente devido ao alto índice de exploração sexual de crianças e adolescentes. No que diz respeito a sua classificação doutrinária, o crime de Estupro de Vulnerável tem como elemento objetivo os núcleos ter e praticar. Segundo Greco (2011, p. 534) “quando a conduta for dirigida à conjunção carnal, terá a natureza de crime de mão-própria, e comum nas demais situações”. Já com relação ao sujeito passivo, o crime é próprio, visto que a vítima deve ser menor de 14 anos ou portadora de enfermidade, ou deficiência mental ou ainda aquela que, por qualquer outro motivo, não possa se defender. Tal crime possui como bem juridicamente protegido a liberdade e dignidade sexual da criança e do adolescente e o agente tão somente possui como elemento subjetivo o dolo, que consiste na livre vontade de praticar tal conduta. É um crime comissivo, pois requer a ação de ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos, entretanto, deve-se ressaltar que também pode ser omissivo impróprio, no caso do agente ser garantidor da vítima. É um crime material, pois se tipifica com o resultado pretendido pelo agente e plurissubsistente, logo, pode haver tentativa, é “não transeunte e transeunte (dependendo da forma como é praticado, o crime poderá deixar vestígio, a exemplo do coito vagínico ou do sexo anal; caso contrário, será difícil a sua constatação por meio de perícia, oportunidade em que deverá ser considerado um delito transeunte)” (GRECO, 2011 p. 344).

DECISÕES POSSÍVEIS

  • Guto deve ser condenado.

Primeiramente é importante ressaltar a grande objetividade do texto jurídico, principalmente em se tratando de matéria Penal, visto que essa área é regida pelo princípio da taxatividade. Essa conduta é tipificada pelo artigo 217-A do Código Penal que busca assegurar a proteção da liberdade e dignidade sexual da criança e do adolescente.

A conduta de estupro já é tipificada por outro artigo no referido instrumento e é regulada pela Lei de Crimes Hediondos, inclusive. Entretanto, a fim de ter um objetivo mais específico e demonstrar a gravidade de tal conduta, o legislador optou por tratar do abuso à criança menor de 14 (quatorze) anos de forma isolada e com pena mais grave, pois enquanto o crime de estupro possui uma pena de 6 (seis) a 10 (dez) anos, o estupro de vulnerável tem como penas mínima e máxima de 8 (oito) a 15 (quinze) anos, respectivamente.

Por ter sido de vontade de o legislador especificar esse tipo penal e ainda tratá-lo de forma mais severa, é natural concluir que a prática dessa conduta requer mais rigidez e objetividade na sua análise.

A conduta de Guto se subsome à conduta descrita no artigo em questão, visto que ele teve relações sexuais com Laura, menor de 14 anos. Independente de haver a anuência da garota, parte da doutrina entende que seu consentimento seria inválido, pois ela não tem a consciência plena de seus atos.

O antigo Código Penal, datado do ano de 1940, tratava da chamada violência presumida em se tratando de crimes contra a liberdade e dignidade sexual dos menores de 14 anos. Entretanto, com a mudança no pensamento da sociedade e nos costumes, a jurisprudência brasileira e a doutrina passaram a abordar esse tema a partir de duas correntes de pensamento: a presunção relativa ou a presunção absoluta de violência.

A presunção absoluta consiste na não existência de exceções à regra, permitindo que o magistrado considerasse violento todo e qualquer ato libidinoso contra menores de 14 anos. Entretanto, essa corrente não era unânime. A presunção relativa analisa as especialidades de cada caso, considerando elementos mínimos como a aparência física da vítima, sua experiência sexual e as situações específicas que levaram ao referido ato.

Entretanto, o tipo penal expresso no código não refere-se à violência, demonstrando seu posicionamento acerca dessa divergência e aderindo ao entendimento de que há presunção absoluta, independente de elementos específicos de cada caso.

Além disso, João José Leal e Rodrigo Leal (2009, p 2), Promotor de Justiça aposentado e Professor de Direito Penal, respectivamente, se posicionam da seguinte maneira:

Como a liberdade sexual é considerada um bem jurídico disponível, o consentimento da vítima elimina a tipicidade da conduta. Isto demonstra a importância do grau de desenvolvimento psicossomático da vítima para que possa manifestar, com a capacidade física e psíquica suficiente e com base num razoável espaço de liberdade, a sua adesão ou a sua recusa ao ato sexual pretendido pelo parceiro. Não se pode desconhecer que esta é uma questão fundamental para se estabelecer o juízo de adequação típica do fato praticado e de culpabilidade no caso de crime de estupro.

A experiência demonstra que certas pessoas (crianças até uma certa idade) não possuem capacidade psíquica de entender o caráter lascivo para manifestar a sua livre anuência ao ato libidinoso a ser praticado.

Portanto, mesmo que Guto insinue que Laura consentiu à prática da conjunção carnal, seu consentimento ainda é considerado inválido, permitindo que o réu seja condenado à pena de 8 a 15 ano, como prevê o dispositivo.

  • Guto não deve ser condenado

O caráter de vulnerabilidade só é tido quando não se faz presente a capacidade de resistir da vitima e o consentimento da prática do ato libidinoso, tomando aqui a conclusão de que a mesma, mesmo com a referida idade, tinha pelo menos os dois aspectos mínimos, não chegando, pois, a ser vulnerável. Seus representantes legais tinham a anuência de que ela já praticava fornicações carnais devido ao nascimento do seu filho menor, permitindo, de certa forma, que ela continuasse a praticar o ato libidinoso por mais vezes. Ademais, é possível observar ainda que a prática vinha a ser algo comum nos tempos atuais e na referida localidade, não sendo de certa forma, tão repreendido do ponto de vista geral, da maioria da população.

De acordo com Ney Moura Teles (2010, p. 4):

A vulnerabilidade está contida nas exigências de “discernimento para a prática do ato libidinoso” e “possibilidade de resistir”, ou seja, só é vulnerável, e por isso, alcançado pela proteção da norma, a pessoa que não tem discernimento ou não pode resistir, isto é, quem não pode ter vontade livre. Quem não sabe discernir, isto é, quem não tem a capacidade de entendimento, não pode escolher entre fazer ou não fazer. E quem, mesmo tendo capacidade de entendimento, não pode, por qualquer razão, resistir, não tem liberdade de agir. Por isso está na situação de vulnerabilidade.

Assim se posicionou o Ministro Marco Aurélio do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 73.663, resultante da conjunção carnal com vítima menor de 14 anos:

Assim é que, sendo irrestrito o acesso à mídia, não se mostra incomum reparar-se a precocidade com que as crianças de hoje lidam, sem embaraços quaisquer, com assuntos concernentes à sexualidade, tudo de uma forma espontânea, quase natural. Tanto não se diria nos idos dos anos 40, época em que exsurgia, glorioso e como símbolo da modernidade e liberalismo, o nosso vetusto e ainda vigente Código Penal. (STF, HC 73.662 – MG, 2ª T., rel. Marco Aurélio. 21/05/1996)

Acrescenta ainda em seu voto:

“Nos nossos dias não há crianças, mas moças de doze anos. Precocemente amadurecidas, a maioria delas já conta com discernimento bastante para reagir antes eventuais adversidades, ainda que não possuam escala de valores definida a ponto de vislumbrarem toda sorte de consequências que lhe podem advir”. (STF, HC 73.662 – MG, 2ª T., rel. Marco Aurélio. 21/05/1996)

O próprio instituto ECA (Estatuto da criança e do adolescente) em seu dispositivo deixa bem claro a distinção entre criança e adolescente, nos seguintes termos do art.2°: "considera-se criança, para efeitos desta lei, a pessoa até 12 (doze) anos incompletos, e adolescente entre 12 (doze) a 18 (dezoito) anos de idade".

Capez (2008, p. 128-129) se posiciona sob a seguinte perspectiva:

Um fato não pode ser definido como infração penal e, ao mesmo tempo, ser aplaudido, tolerado e aceito pela sociedade. Tal antinomia fere as bases de sistema que se quer democrático. (...) Com apoio nessa premissa básica construiu-se a teoria da adequação social, para excluir do âmbito de incidência típica algumas condutas que são socialmente toleradas, praticadas e aceitas pela sociedade. Faltava, nesse caso, uma elementar implícita, não escrita, que está em todo modelo descritivo legal, que é o dano de repercussão coletiva.

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – parte geral. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

 

Estatuto da criança e do adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil _03 /leis/ l8069.htm>. Acesso em 24 de agosto de 2013.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 8 ed. Niterói, Rio de Janeiro: Impetus, 2011.

LEAL, João José; LEAL, Rodrigo José. Novo tipo penal de Estupro contra pessoa vulnerável. 2009. In Revista Jus Navigandi. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/13480/ novo-tipo-penal-de-estupro-contra-pessoa-vulneravel#ixzz2dDfCsJu9>. Acesso em 25 de agosto de 2013.

TELES, Ney Moura. Estupro de vulnerável. 2010. Volume 03. Disponível em: <http://www.neymourateles.com.br/direito-penal/wp-content/livros/pdf/volume03/4.pdf>. Acesso em 24 de agosto de 2013.

STF. Habeas Corpus. HC 73.662 – MG, 2ª T., rel. Marco Aurélio. 21/05/1996.