ESTUDAR É PRECISO, APRENDER NÃO É PRECISO

Por sebastião maciel costa | 29/07/2023 | Educação

Estudar é preciso, aprender não é preciso.

               Lendo, sempre que possível, amealhamos, de modo até inconsciente, que o nosso tempo de vida não será o bastante para aprendermos todas as lições, com as nossas experiências. Nessa perspectiva, aprender com os "erros" dos outros rende mais e custa menos. Vejamos esse caso:

               Conta-se que em uma determinada escola, de um determinado país, era muito comum a existência de escolas tidas como multisseriadas, isoladas,... Elas são turmas heterogêneas constituídas por alunos de séries diferentes e de idades diferentes que dividem a mesma sala e o mesmo professor. Muitas vezes há diferenças no nível de conhecimento até entre os estudantes da mesma série. Caracterizam um fenômeno recorrente no sistema educacional brasileiro que se utiliza do professor existente, esteja esse, preparado ou não. É o que existe em localidade distante dos centros urbanos, daí as carências. Nessas classes, alunos de idades e níveis educacionais diversos são instruídos por um mesmo professor.

               Um governador, querendo melhorar o desempenho educacional do seu povo, enviou um especialista em Educação para sondar como estavam as condições dessas escolas. Ali chegando o especialista até gostou da simpática escola, apesar de sua estrutura física, sem muitos equipamentos e foi muito bem recebido pela professora e alunos que naquela unidade, iam até ao quarto ano do Ensino Fundamental I. A criança que alcançasse aquela série passaria a repeti-la até a idade de trabalho impusesse a sua saída. Afinal, não existia uma outra professora e a que ali trabalhava, ano a ano não tinha muito o que acrescentar para séries mais elevadas. Era o que tinha. O especialista se apresentou e começou a sua sondagem.  -Meus queridos garotos, gostaria de fazer algumas perguntas: -Quem tocou fogo em Roma? Uma criança arregalou os olhos e timidamente disse: - Não foi eu! E começou a chorar copiosamente. - Nem eu, gritou outro. –Nem nós, gritaram e choravam uns outros, demonstrando pavor pela gravidade da acusação. O inspetor ficou muito preocupado e chamou à professora à parte e falou:

- professora, estou abismado com o nível de conhecimento das crianças, perguntei quem  incendiou Roma e elas ficaram apavoradas dizendo que não foram elas. A professora entrou em defesa dos seus alunos.  -Meu caro inspetor, defendo os meus alunos, são crianças pacatas, de bons princípios e jamais cometeriam um crime tão grave. Realmente não foram eles. O inspetor ficou sem graça e deixou a escola. Procurou a prefeitura e desabafou com o prefeito:

-Senhor prefeito, estou deveras preocupado com o nível de conhecimento de todos naquela escola. Perguntei aos alunos quem tocou fogo em  Roma e eles disseram que não foram eles. E o pior é que a professora disse que não foram eles, nem ela. Vejo senhor prefeito, que essa professora tem baixíssimo nível de conhecimento e precisa ser substituída. O prefeito arregalou os olhos e falou sério: -Senhor inspetor, diretor seja lá como for, essa professora é filha de um coronel poderoso aqui da região que tem sob seu controle, votos que elegem qualquer prefeito. Não posso enfrentar esse poderoso homem! Vamos fazer o seguinte: o senhor manda apurar na capital, qual o total dos prejuízos desse incêndio que a prefeitura paga todos os prejuízos....

               Refletindo sobre esse registro que muito nos traz lembranças de situações análogas, respeitando proporções que variam de regiões para regiões, de recortes temporais e de realidades sócio-políticas muito complexas no nosso país, de dimensões continentais temos a necessidade de repensar que escola é oferecida ao brasileiro, na história da nossa gente. Consta que em 1960, nas cadernetas escolares de um Estado do Nordeste, estava estampado: A criança que estuda já trabalha. Nesse mister, a primeira responsabilidade era o trabalho. À criança era reservada a prerrogativa de ser o estudo o seu trabalho. Como a mão de obra, essencialmente agrícola, tão logo a criança adquirisse força, seu lugar era na roça. Quem estudou, estudou.

               Hoje, depois de praticamente 3 anos de desafios além da nossa capacidade humana representado pela pandemia que modificou o modo  de agir das pessoas, dos sistemas e das práticas, a escola passou a ser um palco de recortes e cenas nada favoráveis ao aprendizado, acolhimento sistematização de ensino, reimplantação de hábitos, em nome da sobrevivência da espécie. Foram dias, semanas, meses, semestres anos letivos montados de acordo com as condições alcançadas, dos recursos obtidos, dos meios disponíveis cada rede, cada escola, cada professor, cada aluno, cada família agiu como pôde, agiu em um contexto sem eixo ou projeto que apresentasse o mínimo de segurança e qualidade.

               Em princípio, o aluno fingia que estudava, a família acreditava que ele assistia às aulas remotas, as redes que dispunham de tais meios eletrônicos; as outras, nem discutiam conteúdos ou propostas que envolvessem o aluno, enquanto ser humano capaz de sonhar, pensar, querer, crescer, ser. À escola reservou-se o papel de produzir, organizar, coletar e processar dados para a composição de resultados.

               Com esse quadro, o sistema entre currículos, programas e propostas busca um norte necessário e urgente, contando com sistemas e dados, estudos e pesquisas com equipes altamente treinadas em desvendar incógnitas que deixando de ser desafios passem a ser norte para o futuro da Educação de todos, pelo menos no plano de recuperação da educação brasileira, combalida historicamente pela falhas cometidas, pelas dimensões continentais, pelas realidades sócio-econômicas e sociais.

               A escola, com os resultados em mãos e as famílias sem muitos horizontes, tenta recuperar todo o tempo perdido, todas as oportunidades vividas, todas as esperanças pisoteadas. Para aquelas do sistema educacional das redes particulares, com condições financeiras, materiais, intelectuais o momento não é dos mais fáceis já que delas se esperam todas as soluções para os problemas atuais como resultado dos anos comprometidos pelo período atípico; para a escola pública, nem sempre com as necessárias condições para um ensino de qualidade, o quadro ainda é mais comprometido decorrendo daí uma evasão em todos os níveis de ensino, pela desmotivação,  pelo exemplo de experiências malfadadas, fica mais difícil se retomar um caminho firme e confiante para todos.

               Urge que sejam eliminadas todas e quaisquer cobranças: dos sistemas,  das escolas, dos alunos, das famílias e da sociedade com um todo, no sentido de se focar na pessoa do aluno que precisa ser fortalecida para dar novos passos, com segurança e reconhecimento de suas próprias condições para superar os limites, as fraquezas, as limitações, as oportunidades, fazendo de cada lição um capítulo de uma nova vida,, para si, para o seu futuro, para sua família, para o seu povo, para o mundo.

               Na modernidade do nosso século, o quadro delineado pela nossa realidade, vale retomar a analogia inicial dessa abordagem, quando aquele especialista pergunta à criança da escola lá distante dos recursos didáticos dos grandes centros, quem incendiou Roma, seguida da proposta do “prefeito” que se dispõe a repor os prejuízos daquele incêndio criminoso, comparar os fatos, buscar saídas, encontrar soluções é responsabilidade de todos nós, pois sem uma educação de qualidade. Parafraseando o imortal Fernando Pessoa, Estudar é preciso, aprender não é preciso.

  • Sebastião Maciel Costa