Estratégias para o engajamento do corpo clínico na implementação de Sistemas de Informação em Saúde

João Luiz da Cunha Vianna1, Rafael Fabio Maciel2
1. Especialista em Informática em Saúde. Bacharel em Administração. Coordenador Técnico de Desenvolvimento de Sistemas – CTIS Tecnologia S/A, Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
2. Cirurgião transplantador de órgãos abominais. Coordenador do Serviço de Transplantes do Hosp. Antônio Targino. Mestre Acadêmico Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP, São Paulo (SP), Brasil.

Introdução

Em 1980, Alvin Toffler, em seu Best Seller The Thirt Wave, afirmava que após a fase agrícola e a revolução industrial, a humanidade viveria uma nova revolução que ele chamou de “A Terceira Onda”, em que o capital mais importante passaria a ser a informação e o conhecimento gerado a partir dela. E a principal ferramenta para a extração, a consolidação e a transformação dessa informação em conhecimento é a tecnologia(1). Cada vez mais, a Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) foi adquirindo importância estratégica para as organizações como ferramenta de geração de conhecimento e, consequentemente, de “agregação de valor aos seus produtos e serviços” (2).

Dentre as atividades diárias de qualquer indivíduo, decidir o que fazer, como fazer e até mesmo decidir “não fazer nada em relação a alguma questão” (3), ou seja, tomar decisões é uma das mais importantes. Essa tomada de decisão será sempre baseada em informações de decisões passadas, suas ou da observação das decisões de outros indivíduos(3). Em função do dinamismo do cotidiano atual, essa tomada de decisão é cada vez mais intensa e com necessidades cada vez mais urgentes. E ainda, por conta das constantes mudanças dos cenários econômicos, políticos e sociais, indivíduos e organizações tornam-se cada vez mais dependentes da tecnologia para conseguir armazenar, organizar e processar um grande volume de informações e dele extrair conhecimento para apoiar suas decisões. Segundo Toffler “os analfabetos do século XXI não serão aqueles que não souberem ler nem escrever e sim aqueles que não souberem aprender, desaprender e reaprender”.

Hoje é praticamente impensável pessoas e organizações, de várias áreas de conhecimento, sobreviverem sem se beneficiar do que já foi e do que está sendo proporcionado pela evolução tecnológica. A tecnologia da informação mudou comportamentos, criou paradigmas e passou “a ser encarada como recurso estratégico crítico” (4).
Nessa relação entre as áreas do conhecimento humano e a TIC, a Saúde apresenta um aspecto curioso que é o reconhecimento de que o uso da tecnologia é essencial para suas atividades. Porém, a adoção efetiva dos recursos TI por seus profissionais ainda é uma longa estrada a ser percorrida.

Embora os Sistemas de Informação em Saúde (SIS) sejam “reconhecidos como instrumentos que aumentam a efetividade dos profissionais e reduzem os custos em saúde, assim como auxiliam na promoção da padronização do cuidado” (5), ainda é muito baixa a consciência dos profissionais de assistência de que para obter resultados efetivos e práticos por meio dos SIS, resultados estes que os auxiliem em suas atividades diárias, os sistemas precisam ser alimentados com dados inseridos por eles. Só assim, sua unidade de saúde, seu município, estado e o sistema de saúde como um todo poderão se beneficiar do acesso rápido à informação fidedigna e de qualidade para ser utilizada por profissionais da assistência como ferramenta de auxílio aos procedimentos assistenciais e na tomada de decisão clínica. Essas informações também podem ser utilizadas por profissionais administrativos na gestão processos de controle e por gestores públicos na aplicação de recursos em programas governamentais objetivando à melhoria do atendimento e, consequentemente, da saúde da população.

Por conta dessa curiosa relação de reconhecimento da necessidade, mas ao mesmo tempo reconhecida resistência do corpo clínico na utilização das TICs - não só no Brasil, mas como em várias partes do mundo -, este trabalho tenta identificar experiências de implantação de SIS - com destaque para os processos que atingem diretamente o corpo clínico como: Prontuário Eletrônico de Paciente (PEP) e Sistemas de Informações Hospitalares (SIH) -, evidenciando fatores que influenciaram positivamente a ação, proporcionando o engajamento de médicos, enfermeiros, farmacêuticos e demais profissionais da assistência e dando fluência e sustentabilidade a este movimento de mudança de cultura em organizações de saúde.

 

Método

O estudo consistiu em uma revisão bibliográfica em que foram pesquisadas publicações científicas, em bases de dados especialistas, com o intuito de avaliar experiências e identificar ações que motivaram o corpo clínico a participar ativamente de processos de implantação de Sistemas de Informação em Saúde. A pesquisa ocorreu nos meses de setembro e outubro de 2016 e com base na pergunta: “Quais estratégias obtiveram sucesso para vencer a resistência do corpo clínico na implantação de Sistemas de Informação em Saúde?”, foram pesquisados artigos completos, sem restrição de língua e de nacionalidade nas bases de dados da BVS, PubMed e SciELO.

Na pesquisa às bases de dados da BVS (Biblioteca Virtual de Saúde), foram utilizadas as seguintes palavras chave: “Sistemas de Informação em Saúde”, “Prontuário Eletrônico de Paciente”, “Registro Médico Eletrônico”, “implementação” e “implantação”, e, num segundo momento, para identificação de situações positivas, objetivo final do trabalho, adicionamos: “sucesso” e “bem sucedida”. Já nas bases da PubMed (National Library of Medicine) e SciELO (Scientific Eletronic Library Online), os descritores utilizados foram: “Hospital Information Systems”, “Eletronic Medical Record”, “Eletronic Health Record” e “implementation”, e também, como tentativa de identificar ações bem sucedidas, em seguida adicionamos os parâmetros: “success” e “well done”.

Por ser a questão tecnológica um dos temas principais do artigo - o que torna a atualidade das informações estudadas pré-requisito -, foi estabelecido que seriam aproveitadas na pesquisa apenas publicações a partir de 2011 e que tivessem como tema principal o processo de implantação de SIS. Artigos do mesmo tema, porém mais antigos, e também outros que abordavam assuntos de administração e gestão em saúde foram utilizados apenas como referencial teórico sem, porém, integrar as estatísticas. Após as filtragens iniciais e a etapa de leitura prévia dos artigos, selecionamos e analisamos oito estudos que tinham como tema central, e de forma consistente, estratégias que deram certo nas implementações de Sistemas de Informações em Saúde.

 

Resultados

É quase consenso na literatura especializada que processos de implementação de Sistemas de Informação em Saúde, principalmente aqueles que modificam a rotina de médicos, enfermeiros, nutricionistas e farmacêuticos - como o Prontuário Eletrônico de Paciente e a Prescrição Médica Eletrônica – são processos complexos e que, apesar da longa história, ainda hoje acontecem, na maioria dos casos, de forma traumática e carregados de crises. Isso gera, em muitas situações, estagnação e/ou abandono do processo de implementação.

Patrício(6) relata que as “primeiras experiências com o uso de sistemas de informação” com dados de pacientes tiveram início em 1960 e que, após congresso patrocinado pelo National Center for Health Services Research and Development e o National Center for Health Statistics, em 1972, definiu-se uma “estrutura mínima” de informações para registros ambulatoriais e, a partir daí, surgiram os primeiros prontuários eletrônicos, nos Estados Unidos.

No Brasil, em 2003, Massad, et al(7), chamam atenção para o “interesse do Ministério da Saúde em estabelecer a nível nacional um sistema padronizado de coleta e processamento de dados clínicos e administrativos originados em cada contato com o sistema de atendimento”.

Em contraponto aos motivos pelos quais a informatização da saúde, pelo menos no que tange a sistemas de informação, caminha de forma tão lenta, este estudo pesquisou experiências positivas de implementação de SIS, conforme os parâmetros definidos no método. Após o descarte das publicações que mencionavam os assuntos dos descritores das pesquisas, mas que não tinham como foco principal experiências de implementação de SIS, obtivemos o resultado demonstrado na Tabela 1. E, como efeito ilustrativo, em um segundo momento foram incluídos critérios para filtrar experiências de sucesso, já que este é o objetivo final do artigo, conforme demonstrado na última coluna.

Tabela 1 – Quantitativos de publicações localizadas nas bibliotecas virtuais, referentes a experiências de implementação de Sistemas de Informações em Saúde no período de 2011 a 2016.

Base de dados Publicações encontradas Publicações selecionadas Com Referência explícita de sucesso
PUBMED 72 36 7
SciELO 17 10 2
Bireme/BVS 213 116 5

No levantamento feito, foi possível constatar que a implantação de sistemas de informação em saúde ainda é objeto de estudo em todo o mundo, não sendo exclusividade de determinada característica cultural, ou situação de desenvolvimento. E a partir dos artigos selecionados, destacamos oito estudos que mencionaram, além de problemas nas implementações, ações mais efetivas de enfrentamento dos problemas.

 

Tabela 2 – Síntese dos estudos avaliados e referenciados neste trabalho.

Nº estudo Título Síntese Publicação
1 Factors Affecting Successful Implementation of Hospital Information Systems(8) Pesquisa feita no Irã, país com cultura bem diferente da nossa, mas com as mesmas dificuldades. Traz uma pesquisa interessante, na qual foram selecionados 20 fornecedores, e escolhido um hospital case de cada fornecedor, com 20 entrevistados de cada, totalizando 400 usuários. Foram entrevistados profissionais de enfermagem, recepção, registro médico, laboratório, radiologia, farmácia, financeiro e clínicos. 2016
2 New conceptual model of EMR implementation in interprofessional academic family medicine clinics(9) Comenta o processo de implementação de um Registro Médico Eletrônico em unidades de atenção básica da família, e de ensino. Tem uma visão interessante, pois em sua pesquisa houve indicação de que o ensino usando o processo eletrônico poderia não desenvolver habilidades de percepção no futuro médico. 2015
3 Success criteria for electronic medical record implementations in low-resource settings: a systematic review(10) Fez uma pesquisa bibliográfica sobre experiências de implantação de SIS e EMR em países subdesenvolvidos e apontou alguns fatores de sucesso.
Os critérios de sucesso extraídos e medidos foram resumidos em 7 categorias: ética, financeiro, funcionalidade, organizacional, política, técnica e treinamento.
2015
4 A mixed methods study of how clinician ‘super users’ influence others during the implementation of electronic health records(11) Este artigo destaca a percepção de que um dos fatores de sucesso na implantação de um Registro Eletrônico de Saúde é que exista a figura de “Super Usuário” ou Multiplicador. 2015
5 Prontuário Eletrônico do Paciente: conhecendo as experiências de sua implantação(12) Pesquisa com 12 instituições, nas quais foram apontadas as vantagens e desvantagens na utilização do PEP, terminando com a conclusão que treinamento é fundamental para o sucesso do projeto. 2014
6 Desafio da implantação do prontuário eletrônico do paciente(13) Este artigo destaca a importância do planejamento na implantação do SIS, porém evidencia que a implantação de todos os processos ao mesmo tempo pode ser um fator de grandes problemas na rotina da unidade, provocando desmotivação e conflitos.
Também indica que a avaliação de resultados deve ocorrer após um período de consolidação do uso do sistema (a partir de 1 ano)
2012
7 Revisão de literatura: Implantação de Prontuário Eletrônico do Paciente (14) Faz um apanhado da literatura sobre PEP entre 2005 a 2011 e traz um resumo de algumas experiências de implantação de PEP, mostrando o que deu certo e o que deu errado. Também menciona a falta de conhecimento dos profissionais. 2012
8 Avaliação da Implementação do Prontuário Eletrônico do Paciente e Impactos na Gestão dos Serviços Hospitalares: a experiência do InCor – Instituto do Coração(15) A experiência do InCor é bem importante ser considerada, pois trata-se de um hospital público que tem seus Sistemas de Informações Hospitalares, e PEP implantados em sua plenitude e em estágio maduro de utilização. Um aspecto bem importante dessa experiência do Incor, é que, diferentemente da absoluta maioria, a implementação dos sistemas partiu das necessidades assistenciais para a administrativa. 2012

A pesquisa apresentada no estudo 1 foi realizada no Irã e utilizou como método a seleção de 20 Sistemas de Informações Hospitalares, de fornecedores diferentes, em 20 unidades usuárias distintas de cada um dos softwares. A partir desta seleção, foi aplicada uma pesquisa com profissionais das principais áreas - médicos,
enfermeiros, farmacêuticos, faturistas etc.-, de cada hospital, questionando o que eles apontavam como fatores positivos e negativos na adoção do HIS.

A pesquisa concluiu que, em ordem decrescente de relevância, os principais fatores que influenciam na implantação de um HIS são os fatores humanos, tecnológicos e organizacionais. Afirma, ainda, que, dentre os fatores humanos apontados, o domínio do uso do computador por parte do profissional, a facilidade de aprendizado e de uso do produto, a confiança nas questões de segurança da informação e na disponibilidade do sistema eram os que mais influenciavam positivamente as avaliações.

No estudo 2, os autores destacam um levantamento realizado em três Clínicas da Família em Winnipeg, Canadá, onde foi feita uma avaliação junto aos profissionais clínicos, incluindo residentes, sobre os efeitos da utilização de um Registro Médico Eletrônico nos resultados do atendimento da clínica e também na formação dos residentes.

Foi percebida uma redução inicial de produtividade dos profissionais e uma certa frustração quanto à usabilidade do sistema. Surgiram também manifestações de preocupação quanto ao risco de interferência negativa no aprendizado dos residentes. Alguns profissionais consideraram os recursos de apoio à decisão prejudicial à formação dos residentes, pois, supostamente, tirariam desses a capacidade analítica e o raciocínio crítico. Porém, foram apontados como fatores necessários para a motivação dos usuários, e, consequentemente, para o sucesso do processo, uma carga maior e mais abrangente de treinamento, um plano de implementação incremental e um maior cuidado com o design do produto, de forma a padronizar as interfaces, visando a facilitar a navegabilidade.

Em uma revisão de literatura que pesquisou histórias de sucesso em implementações de EMR em países de baixo desenvolvimento (estudo 3), a usabilidade e o design apropriado para a realidade local foram os fatores mais mencionados no estudo. Outros fatores, como o apoio da alta gestão e um gerenciamento qualificado do projeto, também foram questões frequentemente apontadas.

Yuan et al(11), observam em sua pesquisa (estudo 4) que a figura do “super usuário” “multiplicador”, com “influência social” na sua área de atuação, que não seja um profissional de TI, não resolve por si só, mas é uma condição necessária para o sucesso em implementações de EMR. Os autores relatam que, para o sucesso de
uma implantação de prescrição eletrônica, é fundamental existirem apoiadores médicos e enfermeiros para a qualquer momento auxiliar um colega em dificuldade, pois, além de funcionar como um fator motivador, dá mais credibilidade ao processo. Já Canêo(13), em sua pesquisa literária (estudo 5), conclui "que o sucesso ou fracasso na implantação de um sistema de prontuário eletrônico está condicionado, diretamente, ao treinamento intenso e adequado da equipe” e à participação dos profissionais desde o início do processo.

Partindo de uma pesquisa documental, o estudo de caso do estudo 6 analisa o processo de implantação de um Sistema de Gestão Hospitalar em um Complexo Hospitalar do norte do Paraná e identifica que, apesar da extrema importância de um planejamento detalhado e abrangente, o principal fator de sucesso foi o envolvimento de profissionais chave, em todas as etapas e definições do projeto. Isso porque, sem o engajamento desses profissionais, os problemas enfrentados teriam impactos maiores. O estudo faz uma crítica ao modelo de implantação das empresas de software, que propõem a implantação de todo o escopo em um único momento, o que chamam de “virada” – interrupção de todos os procedimentos antigos, passando tudo a funcionar através do sistema novo. Os autores acreditam que este modelo embute riscos de desorganização do ambiente, o que pode provocar descrédito em relação ao novo sistema e “desânimo da equipe responsável” (13).

Em uma revisão narrativa de literatura o estudo 7, das mesmas autoras do estudo 6, reforça a ideia de que o envolvimento dos profissionais em todas as fases do projeto de implantação e um modelo de implementação incremental por módulo ou área de abrangência são os principais fatores de sucesso.

Já a experiência de implantação do PEP no InCor - Instituto do Coração de São Paulo, relatada no estudo 8, é, talvez, a mais significativa, pois trata-se de um hospital público que hoje tem seus sistemas de Informações Hospitalares e Prontuário Eletrônico implantados em sua plenitude e totalmente integrados. Situação rara inclusive no segmento privado. Evidenciando mais ainda uma situação ímpar, o processo de informatização do InCor partiu dos módulos assistenciais para os administrativos.

Os autores não identificam uma fórmula de sucesso, mas sim um conjunto bem planejado de ações que garantiram a efetividade do processo, que foram:

  • desenvolvimento de solução própria com o apoio de uma equipe multidisciplinar;
  • envolvimento das equipes usuárias em todo o processo e, consequentemente, sintonia com a equipe de TI;
  • implantação gradual e por áreas;
  • exploração da cultura de TI da instituição;
  • intenso processo de divulgação e treinamento do corpo clínico, não só a fim de “vencer resistências”, mas também de mantê-los atualizados quanto às funcionalidades e aos benefícios proporcionados pelo sistema,
  • comprometimento da direção com a destinação de recursos financeiros ao longo do projeto.

 

Discussão

Tanto na visão de gestão como na visão clínica, o principal “fato gerador” da informação na saúde é o atendimento ao paciente. E, por mais simples que seja esse atendimento, um bom número de dados é ou pode ser coletado e, se organizados, produzirão informação que, se absorvida e analisada, poderá gerar conhecimento.

O conhecimento gerado a partir desse processo tem como principais beneficiários: o cidadão, pois eventualmente se tornará paciente e irá demandar a aplicação desse conhecimento; gestores da área de saúde, governamentais ou privados, que irão se utilizar do conhecimento sobre as características e necessidades de uma determinada população para aplicação de recursos e priorização de investimentos; e os profissionais da assistência, pois é a partir deste conhecimento que se dá uma boa parte da sua atualização profissional. Porém, para que o conhecimento mencionado seja real e utilizável de fato, as informações originárias do atendimento precisam ser fidedignas e isso só será possível à medida em que o corpo clínico assumir a autoria e a responsabilidade pela qualidade dessas informações(16).

Apesar de ser um assunto de grande complexidade, cercado de controvérsias e com uma longa história, a adoção da Tecnologia da Informação na área de saúde não possui uma literatura muito rica. Porém, mesmo com um número reduzido de publicações sobre o assunto, é possível identificar claramente situações que tornam os processos de implantação de Sistemas de Informações em Saúde processos conturbados.

É perceptível nas publicações avaliadas, a observação do fato de que o profissional de saúde, principalmente o médico, ainda hoje não identifica que a inserção estruturada das informações geradas no seu atendimento irá trazer
benefícios também para o seu trabalho(14)(6). Da mesma forma, muitos gestores da área, entusiastas das implementações tecnológicas, ainda não perceberam que a implantação de um SIS, principalmente o que atinge o corpo clínico, é uma mudança cultural na organização e deve ser iniciada com a participação desses profissionais desde o início do projeto(8)(13). Riscos que podem induzir a desmotivação e levar ao descrédito do projeto devem ser cuidadosamente mitigados. Problemas de segurança da informação, infraestrutura, indisponibilidade de rede, falta de computadores, locais não apropriados para o preenchimento de prescrições e das inserções de dados da enfermagem causam desconforto na interação com o sistema e podem ocasionar boicote.

Além dos fatores de riscos mencionados e das outras necessidades inerentes ao planejamento, o modelo de implementação também merece bastante atenção de gestores e fornecedores. Na literatura pesquisada, em quase todas as experiências de sucesso observadas em implantações de Sistemas de Informações Hospitalares (SIH), a implantação incremental, por módulos, foi utilizada. A experiência do InCor é bastante emblemática, pois, além de ser uma unidade pública - ambiente em que as resistências são mais difíceis de serem enfrentadas -, de forma inversa à grande maioria dos projetos de implantação, o InCor começou pelo PEP integrando paulatinamente com outras as áreas do hospital(15).

Questões de treinamento intensivo e design dos produtos também são bastante mencionadas. A percepção que se tem de alguns autores é que, como a demanda por uma implantação de SIS tem origem nas áreas administrativas, os produtos atuais não possuem ainda padrões de usabilidade que atendam satisfatoriamente aos profissionais de saúde(8)(9)(10). Isso provoca a necessidade de treinamentos intensivos desses profissionais o que, por questões de disponibilidade, não é uma ação muito simples de se estruturar. Esta situação demanda a complementação do treinamento, com o sistema já em uso, e, por conta das situações inerentes ao atendimento, acaba sendo um fator gerador de constrangimentos. Uma alternativa de sucesso que se fez presente em dois estudos(11)(13) foi a figura do usuário “multiplicador”, chamado inclusive de “super usuário” em um deles. Um profissional da área auxiliando o colega no uso do sistema diminui o estresse para o profissional e para o paciente quando isso ocorre no momento do atendimento.

 

Conclusões

O estudo deixa claro que um dos fatores mais importantes no processo é o envolvimento do corpo clínico em todas as fases do projeto. Tendo ciência dos objetivos, percebendo que está sendo ouvido, e que não será apenas um mero executor do que foi planejado por pessoas que não conhecem a sua rotina, o profissional clínico tende a ser mais favorável ao processo.

Diante disso e, também, a partir de experiências profissionais, atuando como gestor de projetos de implantação de HIS e PEP, é possível acreditar que a mudança de comportamento do corpo clínico nos projetos de implementação de SIS passa, obrigatoriamente, por um processo de mudança em sua formação acadêmica. Futuros médicos, enfermeiros, nutricionista etc., precisam conhecer, consistentemente, Sistemas de Informação em Saúde, os benefícios que estes podem proporcionar à sua futura rotina de trabalho e ao sistema de saúde como um todo.

Em contrapartida, desenvolvedores de softwares precisam, também, ficar mais atentos ao design e à usabilidade de seus produtos. Precisam lembrar que profissionais de saúde, em geral, trabalham em diversas instituições e, em muitos casos, com ferramentas diferentes. Portanto, quanto mais padronizadas e similares forem as interfaces, menor será a curva de aprendizado e, consequentemente, menor será a resistência a utilização dos seus produtos.

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