Para entendermos bem o papel da estratégia na educação e na cultura, precisamos refletir um pouco sobre o conceito de estratégia. Grande parte da literatura sobre estratégia de negócios, inspirada por sua prima militar, concentra-se na competição direta. Nesse contexto, estratégia significa combater um adversário para a conquista de um território (mercado) limitado e constante.


A premissa de um território constante, contudo, não se verifica na realidade econômica. Novos mercados surgem a todo o momento, em função de inovações tecnológicas, de mudanças nos hábitos dos consumidores, mudanças nas legislações etc. Basta observar os novos mercados de informática ou de produtos naturais, entre tantos outros que simplesmente não existiam há 30 anos, para compreender que as fronteiras do mercado se alteram e se expandem continuamente. Há trinta anos não havia uma série de setores bilionários de hoje: telefones celulares, vídeos domésticos, entregas expressas, minivans, snowboarding etc.

 

São justamente as empresas inovadoras, pioneiras na criação desses novos mercados, que crescem desproporcionalmente, em curto espaço de tempo. As inovações em termos de padronização dos serviços de alimentação renderam ao MacDonalds, uma única lanchonete inicialmente, um crescimento muitíssimo acima da média da indústria de restaurantes. A CNN, uma pequena empresa na década de 80, ao inovar com a criação do noticiário em tempo real e em tempo integral, alcançou crescimento muito maior do que o das grandes emissoras, que competiam entre si, dentro dos padrões preestabelecidos. Há dezenas de exemplos semelhantes.

 

Essas empresas não só obtiveram sucesso fora do comum, como expandiram o mercado, criando produtos inexistentes até então. Podemos perceber aí uma outra face da estratégia de negócios, muito mais propensa a resultados espetaculares: estratégia também pode significar criar novos mercados, de modo a tornar a concorrência irrelevante. Esta perspectiva sobre a estratégia é de extrema importância para nós, porque interessa-nos não apenas fazer com que organizações educacionais e culturais sejam bem sucedidas individualmente, mas principalmente fazer com que a demanda por educação e cultura se expanda.

 

Mais importante do que saber como uma exposição pode atrair os aficionados por arte, competindo assim diretamente com outras exposições e eventos, é descobrir como arquitetar uma oferta capaz de atrair àquelas pessoas que não costumam freqüentar eventos artísticos (um mercado muitíssimo mais amplo). Perguntas relevantes seriam: como podemos atrair para eventos culturais parte dos milhares que vão aos estádios de futebol? Como podemos tornar a compra de educação tão atraente quanto a compra de roupas novas, de automóveis etc., onde a maioria das pessoas gasta a maior parte do seu dinheiro? Os casos de organizações culturais que conseguiram realizar essa façanha são esclarecedores. Não se trata somente de saber vender um determinado evento, algo ligado a marketing e propaganda, mas de saber construir uma nova oferta, um novo mercado, uma nova forma de produzir, algo essencialmente relacionado ao aprendizado estratégico.

 

O Cirque du Soleil, criado em 1984 por um grupo de artistas de rua, é atualmente uma das principais empresas exportadoras do Canadá. Ele já se apresentou para mais de 40 milhões de pessoas. O crescimento da organização foi fenomenal, num setor nada atraente. Na década de 80, com tantas alternativas de divertimento (espetáculos esportivos, televisão, videogames etc.) o setor era absolutamente decadente: o público que comparecia ao circo era cada vez menor.

 

Ao invés de disputar os mesmos clientes dos outros circos (crianças levadas pelos seus pais), o Cirque du Soleil não concorreu com os grandes do setor circense (Ringling Brothers and Barnum & Bailey´s Circus, líder mundial) para chegar ao topo. Em vez disso, criou um novo espaço de mercado inexplorado, atraiu um grupo totalmente novo adultos e clientes empresariais, dispostos a pagar preços várias vezes superiores aos dos circos tradicionais.

 

Enquanto os circos tradicionais ofereciam espetáculos com animais, performances artísticas, vários picadeiros na forma de três círculos... o Cirque du Soleil eliminou todos esses fatores, o quais sempre foram considerados imprescindíveis pelos circos tradicionais... Na verdade, contudo, o público se mostrava cada vez mais insatisfeito com a exploração de animais, exatamente um dos componentes mais dispendiosos, abrangendo não só o preço da compra em si, mas também treinamento, assistência médica, abrigo, alimentação, segurança e transporte.

 

Do mesmo modo, enquanto o setor tradicional se concentrava nas performances artísticas, o público considerava simplórios os artistas de circo em comparação com os artistas de cinema. Mais uma vez, esse era um fator de alto custo e pouco efeito para os espectadores...


O Cirque du Soleil manteve os palhaços, embora mudando o seu humor, do tipo pastelão para formas mais encantadoras e refinadas. Também acentuou o glamour da lona, contudo, com um acabamento externo mais grandioso e com mais conforto interno para os usuários... A serragem e os bancos duros desapareceram. Os acrobatas e outras encenações vibrantes foram mantidas, mas seu papel foi reduzido e ficaram mais elegantes, acrescentando-se aos atos bom gosto artístico e admiração intelectual.

 

Olhando para o teatro, no outro lado da fronteira do mercado, o Cirque du Soleil também incorporou... enredo e riqueza intelectual, músicas e danças artísticas e produções múltiplas... ao adotar o conceito de produções múltiplas (com enredos diferentes, músicas diferentes etc.) e ao oferecer atrativos para idas mais freqüentes ao circo, o Cirque du Soleil promoveu forte aumento da demanda. (KIM e MAUGORGNE, 2005, p.3-15).

 

Tivesse se mantido dentro dos padrões convencionais do setor circense, o Cirque du Soleil teria tido poucas chances de sobrevivência na competição com alguns grandes circos e com uma infinidade de circos pequenos existentes, num mercado decadente. Inovando, por outro lado, ele não só se tornou uma enorme e lucrativa organização (maior do que os grandes circos tradicionais) no espaço de duas décadas, como atraiu para eventos culturais de alto nível um público totalmente novo, expandindo fabulosamente as fronteiras do setor. Trata-se do conceito de Inovação de Valor, que não se restringe à inovação de base tecnológica.

 

Acredito que este tipo de estratégia pode ser aplicado em qualquer setor cultural ou educacional. Ele é capaz de revitalizar manifestações culturais ameaçadas de desaparecerem e, principalmente, de promover o aumento da quantidade de opções culturais valorizadas pela população.

 

As pessoas que se interessarem pelo tema, desejando saber como se dá esse tipo de planejamento estratégico, por favor, manifestem-se, enviando e-mails pedindo a continuação do assunto e falando sobre seus principais interesses, para que eu possa direcionar os assuntos tratados.

 

BIBLIOGRAFIA

 

KIM, Chan W., MAUBORGNE, Renée. A Estratégia do Oceano Azul: como criar novos mercados e tornar a concorrência irrelevante. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.