Este é o mandamento

(Reflexão sobre: At. 3,13-15.17-19; 1 Jo. 2,1-5; Lc 24. 35-48 - 3 domingo da Páscoa)

Muitos de nós já passamos pela tristeza de perder um amigo, uma pessoa querida, um parente. Por isso é que se pode dizer que a morte é inclemente e sua inclemência abre em nós um buraco de ausência; ela deixa um vazio que só a saudade e as boas lembranças preenche.

A saudade e as boas lembranças preenchem o vazio porque nos fazem recuperar pedaços da vida que já se foi como que grudada em nossa vida de lembranças. E o morto, de certa forma permanece vivo enquanto persiste a saudade e as lembranças.

Dessa forma a morte acaba perdendo sua face de absurdo; dessa forma as lembranças e a saudade, superam o absurdo da morte, revivendo o falecido nas lembranças...

Quase isso esse era o sentimento dos discípulos: saudade do senhor. Lembranças de tudo de bom que viveram com ele e o viram realizar. Mas ainda os perseguia a dúvida. Ainda não se tinham convencido pela fé incondicional.

Por isso, além da tristeza, lhes assustava a insegurança da incerteza. Claro que tinham boas lembranças e por isso tinham saudades. Mas o vazio deixado pela morte os entristecia, pois ainda não tinham a certeza da fé.

Mesmo quando comentavam os rumores de que algumas mulheres e discípulos tinham visto o Senhor, a dúvida, a incerteza e o medo ainda permaneciam.

Nesse clima de saudade, de boas lembranças, de medo, de incertezas foi que Jesus ressuscitado apareceu. Para mostrar que não era um fantasma os saudou com a paz: era o que eles estavam necessitando. Eles já estavam unidos ao redor da saudade, das boas lembranças. As lembranças das boas obras os unia. Por isso Jesus lhes diz: “A paz esteja convosco”. (Lc 24,36).

Jesus aproxima-se, oferecendo sua paz. Ele dá a paz e junto com ela, celebra o encontro que é um simbolo da presença. Por isso come junto com os discípulos (Lc 24,41). Retoma as escrituras e reafirma sua messianidade. Retoma a memória da convivência e confirma as lembranças, dizendo que eram “estas as coisas que vos falei quando ainda estava convosco” (Lc 24,44).

Revigorados pela presença. Fortalecidos pela memória. Motivados pela ceia em comum, sinal sacramental, os discípulos se predispõem à missão: Eles sabem que Jesus, com certeza, estava cumprindo as escrituras, como havia anunciado ainda na infância (Lc 4,21). Mas Jesus não queria apenas celebrar sua presença numa refeição. Ele queria mensageiros para anunciar, transmitir e dar prosseguimento à missão. Por isso investe os discípulos de autoridade: “Vós sereis testemunhas de tudo isso” (Lc 24,48).

É como alguém que participou de tudo isso e se fortaleceu no reencontro com Jesus, o ressuscitado, que Pedro se dirige aos ouvintes de sua carta: “Vós matastes o autor da vida”. Entretanto não diz isso como condenação, mas como proposta de salvação. Diz isso para manifestar a misericórdia de Deus: “Arrependei-vos. Convertei-vos para que vossos pecados sejam perdoados” (At. 3,19).

João apresenta o critério: Deus é misericordioso e perdoa sempre, mas existem condições: é necessário compromisso e retidão de vida; é necessário conversão e cumprimento dos mandamento divino: “quem diz: conheço a Deus, mas não cumpre os mandamentos é mentiroso” (1 Jo, 2,4). É, portanto, indigno da bondade divina.

A síntese disso é que não adianta apresentar o joelho calejado pelas horas de oração, se as mão estão vazias de boas obras. Ser testemunha não são horas e horas ajoelhado, mas um processo constante de conversão na direção do mandamento de Jesus: amar a Deus e ao irmão. Amar a Deus é compromisso com o irmão. Este é o mandamento.

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo e historiador.

Rolim de Moura - RO